QUOTAS LEITEIRAS: Reflexões em tempos de paz… – Carlos Neves

Todas as informações disponíveis indicam que a produção de leite em Portugal, na campanha em curso, que decorre até 31 de Março próximo, ficará abaixo da quota nacional, pelo que ninguém irá pagar multas nesta campanha.

A produção baixou no início de 2003 por medo das multas e continuou baixa devido ao calor do Verão. Por isso não se fala de quotas leiteiras nestes dias que passam. Há cerca de um ano, pelo contrário, viveram-se momentos de tensão e angústia, com as retenções de pagamentos a muitos produtores e pagamento efectivo de multas por alguns, felizmente em menor número e em valores mais “suaves” do que os inicialmente previstos.

O assunto só voltará a ter “interesse público” quando houver risco de nova ultrapassagem. No entanto, assim como o Inverno é a melhor altura para prevenir os fogos florestais, também este ano de calma é uma boa ocasião para falar de quotas e evitar problemas num futuro. Afinal, as quotas são um mal necessário, e a sua duração está prevista pelo menos até 2015, de acordo com a última reforma da PAC. A mesma PAC prevê a baixa do preço de leite aos produtores e um subsídio de compensação que será limitado pela quota detida por cada produtor. Este sistema, que ainda não está completamente definido, arranca em 2004 e atinge o valor máximo de compensação em 2007.

Apesar das multas terem ficado abaixo do previsto, não devemos esquecer as dificuldades que passaram os muitos produtores que viram retidos durante meses os pagamentos de leite. Sendo essa retenção 50% da multa que poderiam pagar, nalguns casos representou a totalidade do dinheiro que o produtor iria receber ao fim do mês, e com ele pagar a fornecedores e sustentar a família. Reconheço que essa retenção foi o “aviso” mais eficaz para reduzir a produção e as multas. Mas melhor informação do estado e dos compradores e mais consciência dos produtores teriam o mesmo resultado com menos sacrifícios.

Apesar de serem uma pequena percentagem, não devemos esquecer os produtores que pagaram multa e agora terão ainda que adquirir quota, se quiserem produzir leite sem sobressaltos nos próximos anos. Também não devemos esquecer as dificuldades de quem não pagou multa porque se endividou para comprar quota à última hora. Devemos ainda lembrar os que foram burlados e roubados nessas transações. Por último, lembrar também os produtores que nunca receberam quota da reserva nacional e também por isso não a compraram quando o preço eram menor e arriscaram o pagamento da multa.

A lei atribui ao produtor a principal responsabilidade pela ultrapassagem de quota, por isso é ele que paga a multa. Mas a lei também atribui a gestão das quotas ao Estado e aos compradores (indústria de lacticínios), permitindo que dentro de cada comprador e cada país a quota não produzida por uns produtores possa ser utilizada por outros, sem pagamento de multas, desde que o país no seu todo não ultrapasse a quantidade atribuída. Por isso nesta campanha não se prevê o pagamento de multas por nenhum produtor, mesmo que ultrapasse a sua quota. Por isso é tão importante a divulgação de informação aos produtores sobre a situação da produção dentro do seu comprador e do país. Por isso não podemos aceitar a fuga total à responsabilidade de Governantes e Organizações em anos de ultrapassagem.

No “ano das multas”, Governo e Compradores enviaram cartas aos produtores alertando para a ultrapassagem da quota. Fizeram bem. Mas terá sido suficiente? Quantos produtores são analfabetos? Quantos sabem ler mas não entendem o que lêem? Escrever pode não bastar para comunicar. Há que avaliar se a comunicação foi eficaz e corrigir em próximas ocasiões.

Os acontecimentos do último ano mostraram-nos que o sistema de quotas leiteiras “é para valer” e está para durar. Dependendo da situação dos outros produtores do país, é possível produzir acima da quota sem pagar multa, mas as sobras serão cada vez menores em cada ano que passar. Por isso a única solução é cada produtor aproximar a quota à produção, se quiser dormir descansado. E continuar a exigir uma melhor distribuição da reserva nacional, um sistema mais seguro de transferências, e, sobretudo, mais e melhor informação.

Carlos Neves
Jovem Agricultor

Não há rosas sem espinhos – Carlos Neves


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