O professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima cuida de inúmeras variedades regionais com um orçamento minúsculo e com o programa PAFS – Pesquisa Altruísta de Fim-de-Semana. É um investigador pobre, mas bem-humorado.
Que variedades de maçãs encontramos num hiper ou supermercado e em qualquer estação do ano? Gala, Golden, Fuji, Gramy Smith, Reineta, Alcobaça, Pink Lady e, com sorte, Bravo de Esmolfe. Todas luzidias e de calibres grandes, que assim ficam melhor no catálogo de cadeias de distribuição para os descontos da praxe ao fim-de-semana. Quem viva nas cidades do litoral pode ir pela vida fora a pensar que, no mundo, só existem os aromas e sabores das variedades referidas acima, sendo que, com as excepções da maçã de Alcobaça e da maçã Bravo de Esmolfe, os restantes frutos tanto crescem aqui como no Chile ou no Japão. São uma espécie de “macdonalização” da fruticultura.
Dê-se agora um salto ao Minho, ao campo de fruteiras da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Ponte de Lima (ESAIPPL). Quantas variedades regionais – sim, regionais – estão aqui plantadas? O leitor está sentado? Está mesmo bem sentado? Então cá vai a resposta: são cerca de 100 variedades, sendo que algumas se confundam com outras variedades que existem na Galiza porque, como se sabe, as plantas não conhecem o conceito de fronteira.
Há dias, num passeio pelo campo da escola, na companhia de Raul Rodrigues, tivemos a oportunidade de provar as seguintes variedades: Sangarinha, Porta da Loja, maçã de Canela, Perna de Pisco, Verdial, Camoesa Verde, Camoesa de Coura, Coração do Minho, Melápio, Vermelha D. Fátima, Riscadinha da Feira, Pipo de Basto, Espriega ou Chuinha. Só não provámos mais porque, enfim, a profusão de sabores na boca é contrária às boas práticas da análise sensorial. Nos formatos, nas cores, nos aromas, nas texturas e nos sabores, impressiona tanta riqueza que, infelizmente – e por razões variadas e tristes – não estão à disposição de quem quer conhecer maçãs como conhece vinhos, queijos ou azeites.
Raul Rodrigues é professor e investigador na ESAIPPL, cultiva o conceito da biodiversidade e do património cultural e é um contador de histórias com um sentido de humor apoiado na ironia. Em 2008, percebendo que havia um sério risco de se perderem muitas variedades regionais que suportam a cultura popular, religiosa e gastronómica, criou um campo para instalar todas as variedades que apanhava em quintais e jardins. Para isso andou – e ainda anda – por todo o território minhoto à procura de macieiras perdidas em terrenos meio abandonados, em solares, ou onde quer que ouvisse dizer que havia uma variedade que era famosa e tal. Padres, caseiros, agricultores octogenários, bombeiros, descendentes de famílias donas de solares ou elementos de grupos de folclore, toda a gente é fonte de informação.
Para o investigador, o seu trabalho justifica-se nestes termos: “A fruta, como outros produtos da alimentação, é parte integrante da identidade cultural dos minhotos. A agricultura de minifúndio molda a nossa paisagem. Quando as pessoas visitam o Minho, fazem-no por causa da paisagem, do património cultural e da gastronomia, que é a nossa riqueza. Se tudo isso é cultura, perder uma variedade que seja é perder parte da nossa identidade, daí que a escola tenha assumido a obrigatoriedade de preservar a diversidade genética das macieiras. E depressa porque, por vezes, sinto-me como um bombeiro numa biblioteca e com um incêndio nas costas e a tentar salvar o maior número de livros possível.”
Do […]