O acordo de princípio sobre a reforma da PAC recentemente adotado pelos Estados Membros representa a morte da agricultura enquanto atividade económica no espaço da União Europeia e consagra uma visão urbana dos campos enquanto paisagem e mero espaço de lazer.
Tínhamos a esperança de que a Europa havia tomado consciência das suas fragilidades estratégicas atuais resultantes de políticas ditas ambientais que conduziram à desindustrialização, fragilidades que ficaram bem expostas na atual crise socioeconómica.
Afinal, os mesmos erros vão ser estendidos agora à agricultura. Agrava-se a dependência alimentar da Europa em nome de valores ambientais aos quais a agricultura podia dar resposta se tivessem sido outros os decisores políticos e, sobretudo, outra a vontade política.
Tendo tomado conhecimento de alguns tópicos do acordo de princípio sobre a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) e considerando a formação académica e o percurso profissional dos principais atores políticos responsáveis pela aludida reforma, eu interrogo-me sinceramente sobre o seu real conhecimento do mundo rural e da atividade agrícola, questionando-me se não estão a usar a sua melhor boa vontade a fim de contribuírem para moldar uma Europa idílica.
Mas, a meu ver, trata-se de uma proposta arredada da realidade. De facto, não tem em conta a perda de competitividade das explorações agrícolas europeias, nem o decréscimo da produção de alimentos e consequente aumento de custo dos mesmos para os consumidores: discriminando assim negativamente agricultores e consumidores, mormente os mais carenciados. Acresce que ao promover o modo de produção biológico, nem sempre acautela a saúde pública, como, por exemplo, quando fomenta a criação de galinhas poedeiras ao ar livre, ficando assim estas sujeitas a diversas contaminações perniciosas.
Na verdade, ao ser proposto que as condições produtivas se adaptem aos objetivos ambientais previstos no Pacto Ecológico Europeu, fixam-se metas muito restritas para os agricultores da UE-27, sem considerar, nomeadamente, a competitividade que as explorações agrícolas têm de apresentar quando inseridas numa economia que tem vindo a ser cada vez mais globalizada. Nestas condições, na minha opinião põe-se em causa a soberania alimentar da UE, já fragilizada no que toca principalmente a fontes de proteína vegetal, designadamente de soja, cuja importação se eleva a mais de 35 milhões de toneladas por ano, na sua maioria geneticamente modificada; de salientar que também o café, o cacau, o óleo de palma e a cana-de-açúcar, importados de regiões com alta vulnerabilidade a secas, poderão vir a tocar diretamente as nossas vidas.
Como agricultor português, ao examinar os traços principais do aludido acordo provisório sobre a reforma da PAC, não descortino sensibilidade para algumas preocupações que sinto no exercício da atividade, a saber: (i) existência de um mercado agrícola e florestal frequentemente em oligopólio, quando não mesmo monopólio, tanto a montante como a jusante, o que obviamente esmaga a margem líquida das explorações agrícolas e florestais; (ii) acesso a água para rega ajustada criteriosamente às necessidades das culturas, com vista a maximizar a sua produtividade, sem riscos para o ambiente, nomeadamente no que concerne à lixiviação do azoto sob forma nítrica; (iii) uma burocracia paralisante, que obstaculiza os investimentos, principalmente no âmbito da produção animal e, ao considerar algumas restrições constantes da proposta em apreço, propendo a crer que irá estender-se também à produção vegetal exercida em moldes mais eficientes (como exceção positiva, recorde-se o antigo programa Vitis do Ministério da Agricultura, que exigia apenas um pedido de ajuda – pré-fixada); (iv) dificuldade em recrutar trabalhadores agrícolas portugueses.
O referido acordo de princípio sobre a reforma da PAC também prevê o apoio a projetos de jovens agricultores; mas, sem que sejam dadas respostas adequadas às dificuldades supramencionadas, com relevo para a prática de preços justos, não creio que os jovens se sintam atraídos para a atividade agrícola, pelo menos de forma prolongada, pois nas condições ora propostas a rendibilidade da agricultura será por via de regra cada vez mais inferior à obtida noutros setores económicos.
Do que conheço da proposta de reforma da PAC em apreço não descortino qualquer alusão à moderna biotecnologia, que tem experimentado avanços científicos extraordinários e uma expansão enorme nos EUA, na China e em dezenas de outros países, conferindo às plantas caraterísticas que lhes permitem mitigar tanto os desafios decorrentes das alterações climáticas, como da expansão da população mundial. De salientar que a UE corre o risco de importar alimentos gerados pela tecnologia CRISPR (prémio Nobel da Química de 2020) sem que seja possível detetar que não são naturais.
A situação portuguesa apresenta caraterísticas específicas que importa ter em atenção ao desenhar uma nova Política Agrícola Comum: (i) a economia encontra-se estagnada há mais de 20 anos e o endividamento do País é excessivo; (ii) em decorrência da reforma da PAC em 1992 deixaram de ser cultivados 1,3 milhões de hectares, por falta de competitividade, e, consequentemente, aumentaram as importações de alimentos e o défice da balança comercial de produtos agrícolas e agroalimentares situa-se na ordem de 3,7 mil milhões de euros; (iii) a proporção de solos com aptidão agrícola é de apenas cerca de 28% e o regadio representa aproxidamente 12% da superfície agrícola utilizada (em média 1 ha de regadio produz 5 vezes mais que 1 ha de sequeiro).
Nos últimos 100 anos, a história apresentou-nos diversas situações em que a economia planeada centralmente conduziu a resultados calamitosos, inclusive no plano alimentar. A atual proposta de reforma não vai obviamente tão longe, mas irá certamente condicionar a liberdade de decisão dos agricultores como nunca antes se verificou em democracias liberais com iniciativa privada.
Considerando o que precede e tendo em consideração que as medidas preconizadas na possível nova PAC (redução do uso de fatores de produção, como fertilizantes e pesticidas, e ocupação de pelo menos 25% da área agrícola em Modo de Produção Biológico) conduzirão a um decréscimo expressivo da produção de alimentos, a Portugal interessa que aumente a produtividade nas áreas onde existem condições – de solo, clima e estrutura fundiária – competitivas (desejavelmente expandindo o regadio), para deste modo manter o crescimento das exportações agrícolas que se tem verificado na última década, contribuir para a ocupação das regiões que tendem para a desertificação e concorrer para o crescimento económico.
Acredito que, não obstante as restrições propostas no âmbito da produção de alimentos, os Portugueses não regressarão à subalimentação que sofreram até meados do século passado; é certo que a atual abundância alimentar, em particular no que respeita ao consumo energético, conduziu a uma situação em que mais de metade da população adulta portuguesa tem excesso de peso e, adicionalmente, estima-se que as perdas por pragas e doenças, e o desperdício alimentar, correspondem a mais de um terço da produção total (o decréscimo proposto para um menor uso de pesticidas irá certamente elevar as referidas perdas).
Resumindo e em conclusão: para aumentarmos a nossa produção agrícola e assim diminuirmos o supramencionado elevado défice da nossa balança comercial de produtos agrícolas e agroalimentares, na minha modesta opinião, as três principais medidas que mais importa implementar são: expandir o regadio, eliminar monopólios e cartéis (a nível nacional, europeu ou mesmo global) e agilizar os procedimentos administrativos, designadamente nos Ministérios do Ambiente e da Agricultura.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Três marcos científicos na evolução da moderna agricultura – Manuel Chaveiro Soares