A entrada de uvas, mostos e vinhos a granel oriundos do exterior da Região Demarcada do Douro (RDD) está proibida desde 1921, mas nem por isso tem sido respeitada.
Essa interdição foi alvo de um novo reforço legislativo em 2002 e em 2009, através do Decreto-Lei n.º 191/2002, de 13 de setembro, e do Decreto-Lei n.º 173/2009, de 3 de agosto, mas o Instituto dos Vinhos do Porto e do Douro (IVDP) diz que a proibição estava sempre “condicionada pelas regras de livre trânsito de bens e livre comercialização de produtos”, imposta pela adesão de Portugal à União Europeia (UE), pelo que tem sido incumprida.
E o problema agudizou-se, de há alguns anos para cá. Para mais, com os stocks de vinhos por escoar na região a não pararem de aumentar, a par de um aumento exponencial dos custos de produção na RDD, já de si os mais altos entre todas as regiões vitivinícolas e que se agravaram com as condicionantes da pandemia, desde o início de 2020, e da guerra na Ucrânia, a partir de fevereiro de 2022.
120 milhões de litros de vinho por escoar
O problema não é exclusivo da RDD, nem mesmo de Portugal. Há excesso de vinho em todo o mundo. Na newsletter “IVDP+Próximo” publicada no passado mês de julho, o Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP), liderado por Gilberto Igrejas, citava a agência Reuters, referindo que, “só na Austrália – que é o quinto produtor vinícola a nível global –, existem à volta dois mil milhões de litros armazenados desde o ano de 2023”.
E, em Portugal, o cenário antes da última vindima também era “preocupante”, frisava o IDVP, notando que havia “120 milhões de litros de vinho a mais nas adegas cooperativas e privadas (quase um quinto da produção nacional)”.
O IVDP não tem dúvidas: “A sucessão de três campanhas que originaram um excesso de produção”, aliada a uma “tendência de quebras” na comercialização dos vinhos com Denominação de Origem Protegida (DOP) e Indicação Geográfica Protegida (IGP), “veio chamar a atenção para a importância” de limitar a circulação de uvas, mostos e vinhos a granel de fora da Região Demarcada do Douro.
E é daí que nasce a necessidade, dentro do Conselho Interprofissional do IVDP, de uma maior vontade de “contrariar a entrada de produtos vínicos com origem no exterior da RDD”, aumentando a incidência de ações de acompanhamento e fiscalização.
A 17 de maio deste ano, o IVDP publicou a Circular nº 2/2024, reforçando a proibição da entrada de produtos vínicos a granel na Região Demarcada do Douro.
“É proibida a entrada a granel na Região Demarcada do Douro, com ressalva das exceções legalmente consagradas, de uvas, mostos, vinhos e outros produtos vínicos ou afins não abrangidos pelo Estatuto das Denominações de Origem Protegidas (DOP) e Indicação Geográfica Protegida (IGP) da Região Demarcada do Douro (RDD)”, lê-se na referida Circular nº 2/2024, que entrou em vigor no dia seguinte à sua divulgação (18 de maio de 2024).
Volvidos seis meses, já depois de a Comissão Europeia ter mobilizado 15 milhões de euros da reserva agrícola a favor de Portugal para apoiar produtores de vinho que enfrentam graves perturbações do mercado, e muito pressionado pelos agricultores da região, o IVDP deu mais um passo.
Na última semana, anunciou a assinatura de um “protocolo de colaboração” com a Guarda Nacional Republicana (GNR) para “reforçar o combate a fenómenos ilícitos associados à entrada irregular de produtos vitivinícolas no mercado nacional e internacional”.
GNR e IVDP em “cooperação estratégica”
O IVDP faz notar que este protocolo “estabelece uma cooperação estratégica entre as duas entidades, assegurando o compromisso de proteger o setor vitivinícola e garantir o regular funcionamento deste setor de elevada importância para o tecido empresarial e para a economia em geral”.
O protocolo com a GNR engloba três áreas de intervenção principais – formação, sensibilização e fiscalização. Prevê “ações direcionadas para aumentar a eficácia e coordenação entre o IVDP e a GNR”, com vista à “prevenção e combate a práticas ilícitas que afetam o mercado vitivinícola”.
No domínio da formação, o IVDP será responsável pela “criação de materiais formativos destinados aos militares”, com o objetivo de haver uma “identificação mais rápida e ágil de infrações específicas ao setor vitivinícola”.
No capítulo da sensibilização, as duas entidades comprometem-se a “realizar campanhas informativas e de consciencialização dirigidas à comunidade”, promovendo o conhecimento e a valorização do setor, assim como a importância de um mercado vitivinícola regulado.
O IVDP será ainda “responsável pela criação e dinamização de materiais e conteúdos informativos, cabendo à GNR a realização de ações comunitárias para disseminação desses materiais”.
Em matéria de fiscalização, “caberá à GNR pôr em prática ações com vista à deteção de infrações no setor”.
O IVDP realça que “está previsto que, por meio de ações coordenadas, as duas entidades colaborem nessas operações, garantindo uma resposta mais eficaz no combate a atividades ilícitas”.
Os dados das ações de fiscalização serão “partilhados entre o IVDP e a GNR, com vista à melhoria contínua das medidas adotadas”. O protocolo prevê, ainda, a “partilha mútua de informações relevantes para o alcance dos objetivos de proteção e integridade do setor vitivinícola”. Isto, com a salvaguarda de todas as normas legais e regulamentares previstas na lei em matéria de privacidade e de proteção de dados.