Regulação ou auto-regulação: é impossível jogar num terreno ‘inclinado’!… – Pedro Pimentel

Há um conjunto de aspectos comuns que fazem de muitos desportos de competição, modalidades seguidas em todo o mundo por milhões de pessoas. Futebol, basquetebol, andebol, voleibol ou os mais localizados basebol, hóquei no gelo ou futebol americano exigem um conjunto de pressupostos: regras bem definidas, árbitros isentos, conhecedores das regras e bem preparados, uma organização e logística bem montada, instâncias de jurisdição.

São esses pressupostos, associados à sua espectacularidade e à visibilidade que os meios de comunicação lhes conferem, que fazem com que sejam praticados por milhões e seguidos por muitos mais milhões.

Apesar disso, são desportos dinâmicos, em que as próprias regras vão evoluindo, sempre com a preocupação de favorecer o equilíbrio e o espectáculo, de atrair mais espectadores e patrocínios, apenas possíveis quando não se sabe de antemão quem vai ganhar.

Em todos estes desportos há, para além do mais, duas regras básicas: o campo não pode estar ‘inclinado’ para um dos lados (é por isso, que mesmo quando o recinto é perfeito, se muda de campo em cada meio-tempo) e o árbitro não pode pertencer a uma das equipas (a velha história da mulher de César… não basta ser séria, tem que parecer)!

Vem esta lenga-lenga, aparentemente descabida, para abordar o tema, agora tão discutido, do estabelecimento de auto-regulação ou da revisão da regulação relativa às relações entre os operadores da moderna distribuição e os seus fornecedores na cadeia de abastecimento dos produtos ditos de grande consumo.

Não discutindo sequer os porquês e historial de queixas que vêm marcando de há muitos anos a esta parte essas relações, é, nesta altura, inquestionável o desequilíbrio do poder negocial entre as partes, como inquestionável é o facto de aqueles operadores se assumirem hoje, para além de distribuidores, como competidores, com os produtos das suas marcas, e árbitros, pois ditam as regras do jogo, usando o poder que detêm em seu benefício e em benefício dos seus produtos, na batalha constante pelas preferências dos consumidores.

Não se vislumbra, pois, como é que se podem discutir – entre as partes – regras equilibradas, quando as partes hoje estão tão longe do equilíbrio e quando uma das partes não quer ceder um milímetro do poder que detém. Para a distribuição, o empenho na construção da auto-regulação é óbvio: disponibiliza-se para mudar o jogo, sem mudar as regras, para que, basicamente, fique tudo na mesma. Os fornecedores, por seu lado, não podem esperar por uma melhoria da sua situação, sem que as regras de jogo se alterem, sem que o campo deixe de estar ‘inclinado’!

Como cada vez mais documentos vêm quase diariamente demonstrando, este não é um problema de um produto, de um sector, ou mesmo de um país, pois a constatação do desequilíbrio negocial entre as partes e da ineficácia das actuais leis na sua correcção é cada vez mais amplo no espaço comunitário.

E é aqui que assume importância a função reguladora do Estado. Este é um tabuleiro com três jogadores: fornecedores, distribuidores e consumidores, mas o Estado é, sem dúvida, parte interessada (emprego, dinamização da actividade económica, inflação, receita fiscal,…) e tem que ponderar o peso dos interesses de cada uma das partes neste dossier.

A alteração das regras ao nível das práticas comerciais restritivas, das práticas comerciais desleais ou da disciplina dos prazos de pagamento ou a criação de regras para que, por exemplo, as chamadas marcas brancas estejam obrigadas às mesmas regras que as restantes marcas comerciais, mais não são do que o contributo das autoridades ao nível da ‘engenharia’, isto é, ao nível do renivelamento do terreno de jogo. Outro importante contributo que as autoridades deverão dar será o da efectiva monitorização do mercado e de aplicação da lei em vigor, da actual legislação e dos diplomas que venham a ser criados ou alterados.

Devem estar também as autoridades preparadas para ver para além da demagogia que os tentará convencer que novas regras significarão preços mais altos para os consumidores, argumento poderoso num período de tão marcada crise económica. Novas regras significarão apenas a possibilidade de uma melhor distribuição da rentabilidade ao longo da cadeia de aprovisionamento, de uma mais justa remuneração dos vários estádios dessa cadeia.

Concluído este processo e colocadas as partes em novos patamares de equilíbrio, estarão, aí sim, em condições de redinamizar o seu esforço de auto-regulação e de criar um conjunto de regras que de forma prática, aplicável, fiscalizável e punível, reforcem – num quadro de boa fé – a transparência, a certeza e a simplicidade, a equidade e a não discriminação, a não retroactividade e a confiança, a reciprocidade e a proporcionalidade na distribuição do risco nas relações comerciais entre os operadores da moderna distribuição e os seus fornecedores.

Pedro Pimentel
Presidente da Direcção da Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios (ANIL)

2012, aposta decidida no mercado externo – Pedro Pimentel


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