Relatório da Comissão Europeia – Sobre a especificidade da agricultura portuguesa – Roberto Mileu

Apareceu, finalmente, o esperado relatório que a Comissão Europeia se comprometeu a fazer sobre a especificidade da agricultura portuguesa!

O compromisso da elaboração deste relatório foi apresentado como “grande conquista” na última cimeira, pelo primeiro ministro e pelo governo português ….

Pode-se dizer, agora, que a montanha pariu m rato e que, ainda por cima, esse rato é defeituoso.

Senão, vejamos:

1 – O QUE DIZ ESTE RELATÓRIO ?
Que a dimensão média das explorações portuguesas é metade da média da União Europeia;

Que o peso da agricultura portuguesa no PIB baixou de 5,3 para 2,4%;

Que há muita Mão-de-Obra e muito sub-emprego na nossa agricultura e que 90% da força de trabalho agrícola é de origem familiar;

Que 65% dos trabalhadores agrícolas têm mais de 55 anos e que só 1% recebeu formação profissional completa;

Que a produtividade agrícola por Unidade de Trabalho é apenas 23% da média europeia e que o Rendimento por UTA é no Alentejo mais de 4 vezes superior ao do Algarve;

Que passados quase 20 anos a agricultura portuguesa está na mesma ou pior do que quando entramos para a CEE apesar de terem vindo centenas de milhões de euros para nos apoiar;

Que o nosso futuro está no Vinho, Azeite, Frutas e Legumes;

Que os 60.000 Ha concedidos a Portugal, em 1999, para a produção de “Milho” ainda estão por utilizar;

Que uma “quota exclusiva” de 100.000 direitos para Bovinos à troca de reconversão de 200.000 Ha de terras ocupadas com Cereais, desde 1999 e prorrogada até 2005 não foi praticamente utilizada;

Que por tudo isto, Portugal não deveria exigir mais Quotas e Direitos de Produção.

BELO RELATÓRIO !!!

O que esta obra-prima de demagogia não explica nem analisa (e deveria explicar e analisar) é que:

Somos um País onde predomina o minifúndio e a agricultura familiar, onde as principais culturas não são apoiadas pela PAC (2/3 da nossa produção agrícola não tem qualquer apoio aos agricultores – Uva, Fruta, Batata, Hortícolas, Suinicultura e Leite);

Que o fraco peso da Agricultura no PIB se deve entre outras coisas à baixa de preços à produção (e isso é fruto de uma PAC errada e subordinada aos interesses do GATT/OMC, de Reformas e Revisões da Pac’s)
Basta lembrar quanto valia um quilo de Milho, de Centeio, de Cevada ou de Trigo em 1986 e quanto vale agora !!!
Basta recordar a estagnação dos preços do Leite e da Batata !!!
E convém não esquecer que é da responsabilidade da Política Agrícola Comum ficarem em Portugal anualmente 82.000 hectares sem produzir (ainda por cima com um prémio de 10 milhões de euros) por vias do Set-aside (pousio obrigatório e/ou voluntário).
Isto é, somos acusados pela Comissão de coisas que ela própria nos impôs e obrigou a fazer !!!

Que o envelhecimento da população agrícola também é da responsabilidade da “PAC da Comissão” ao não dar condições e rendimentos dignos e compensadores do trabalho na agricultura e manter os jovens numa incerteza e descrença quanto ao futuro desta PAC e da Agricultura …

Que a pouca Formação Profissional na Agricultura se deve a políticas erradas (que privilegiam a Formação Profissional nos outros Sectores – é uma forma de mascarar o emprego/ /desemprego) e também a que os Agricultores Portugueses, com as baixas condições e o muito trabalho que têm nas suas explorações, não se podem “dar ao luxo” de se ausentarem prolongadamente para um Centro de Formação.
É que o gado tem de ser tratado, a fruta colhida, as vacas ordenhadas, o cereal debulhado, a palha enfardada, a erva e o milho ensilados, a vindima feita , o batatal curado e as regas têm que se fazer …
E NÃO TÊM CRIADOS que façam o trabalho por eles (e por elas) !!!

O que este Relatório não explica é que as baixas produtividades e rendimentos por Unidade de Trabalho se devem, no nosso País, entre outras coisas, a:
– Áreas médias/por exploração muito inferiores à média europeia;
– Mão-de-Obra na agricultura superior aos outros E.M.;
– Falta de apoios às culturas mediterânicas;
– Solos e Climas que não podemos mudar;
– Baixas de preços à produção;
– Preços artificiais que não compensam o custo de produção e o trabalho dos agricultores.
ENTÃO OS AGRICULTORES PORTUGUESES SÃO UNS MANDRIÕES E PREGUIÇOSOS?
ENTÃO OS AGRICULTORES PORTUGUESES NÃO SABEM TRABALHAR?
ENTÃO A POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM NÃO TEM AQUI QUOTA PARTE DA CULPA?

O que este Relatório não explica é que os 60.000 hectares de Regadio/”Milho” “oferecidos como brinde” em 1999 o foram à troca de 60.000 hectares de Sequeiro e com ajudas directas iguais às do Sequeiro …

O que este Relatório não explica é que a troca de 200.000 hectares de culturas de Sequeiro por 100.000 direitos de Bovinos tinham e têm destinatários específicos que NÃO SÃO AGRICULTORES FAMILIARES !!!

HÁ, EM TUDO ISTO, MUITAS CULPAS DOS SUCESSIVOS GOVERNOS QUE TIVEMOS.

MAS HÁ, TAMBÉM, MUITAS E MUITAS CULPAS DAS POLÍTICAS AGRÍCOLAS COMUNS DA UNIÃO EUROPEIA.

E A COMISSÃO EUROPEIA NÃO PODE LAVAR AS MÃOS, COMO “PILATOS” POIS TODOS SABEMOS QUE NA PRÁTICA, É ELA QUE “PÕE E DISPÕE” EM MATÉRIA DE POLÍTICA AGRÍCOLA.

2 – O QUE É QUE ESTE RELATÓRIO DEVERIA DIZER ?
Na mesma Fonte de Informação onde a Comissão se baseou para o “libelo acusatório” à Agricultura Portuguesa, também estão dados que permitiriam à Comissão dizer e explicar, no Relatório:

Que cada hectare de Superfície Agrícola portuguesa recebe, em média, de Ajudas Directas, 1/3 do que recebe cada hectare na Grécia;

Que cada exploração agrícola portuguesa recebe, em média, 39% do que se recebe em Espanha, 27% da Bélgica e somente 15% do que cada exploração em França;

Que cada Unidade de Trabalho Agrícola recebe em Portugal, das mesmas Ajudas Directas, 28% dos Gregos, 21% dos Espanhóis, 11% dos Franceses e 9% do que recebem os Irlandeses.

PORQUE É QUE ISTO ACONTECE É O QUE A COMISSÃO EUROPEIA DEVERIA EXPLIXAR NO SEU RELATÓRIO !!!

MAS, MAIS IMPORTANTE DO QUE RELATAR O QUE SE PASSA E PORQUE DE PASSA, O QUE A COMISSÃO DEVERIA DIZER É QUE, SENDO A AGRICULTURA PORTUGUESA UM CASO ESPECÍFICO, QUE MEDIDAS CONCRETAS PROPÕE PARA REPARAR INJUSTIÇAS, DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS !!!

– Porque os Agricultores Portugueses, estando de acordo com a importância e o reforço do Desenvolvimento Rural, também precisam :

Produzir mais para diminuir o déficit da nossa Balança Comercial Agrícola, que já vai em mais de 3 mil milhões de euros (600 milhões de contos) por ano.

Produzir melhor (e para isso teremos que ter apoios para modernizar, reconverter, aumentar o regadio)

Mais apoios para as nossas principais culturas (Uva, Frutas, Hortícolas, Batata, Azeite, etc.)

– Porque a solução não passa pelo Desligar as Ajudas da Produção dado que com isso:

Nós não seremos competitivos;

Ainda se produzirá menos;

Haverá mais desertificação e êxodo rural

Aumentará a nossa dependência agro-alimentar;

Manter-se-ão (e agravar-se-ão ) as desigualdades entre culturas, agricultores, regiões e países.

– Queremos outra PAC

Que apoie de igual modo todos as culturas e actividades;

Que garanta preços justos à produção;

Que imponha uma Modulação efectiva;

Que Imponha o Plafonamento e que as economias daí resultantes sejam para reforçar o Desenvolvimento Rural;

Que permita produzir com Qualidade e Segurança para o consumidor.

– Queremos, também, outras Políticas Agrícolas Nacionais

De apoio ao Regadio;

De apoio ao Emparcelamento;

De apoio à Comercialização;

Com mais e melhor Formação Profissional Agrícola;

Com mais e melhor apoios à Agricultura Familiar.

Roberto Mileu

PAC – Os custos da intervenção – Roberto Mileu


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