Relatório da FAO traça retrato da floresta na região mediterrânica

A floresta da região mediterrânica cobre cerca de 46,9 milhões de hectares, o correspondente a 18% do solo dos países do Mediterrâneo que, apesar de enfrentarem múltiplos desafios, têm conseguido manter relativamente estável a dimensão das suas florestas nas últimas décadas. Estes são alguns dos dados patentes no relatório “Estado da floresta Mediterrânica 2025”, publicado em outubro pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

O relatório caracteriza a floresta na região mediterrânica a partir de dados de deteção remota recolhidos em 2023, em 27 territórios da Bacia do Mediterrâneo, e apresenta abordagens dirigidas aos vários fatores que contribuem para a degradação destas florestas, nomeadamente aos decorrentes da crise ambiental que se faz sentir com particular incidência nesta região.

Entre os múltiplos desafios identificados, que vão das pragas e dos incêndios ao abandono e à desertificação, o relatório aponta quatro áreas de atuação prioritárias: a gestão de incêndios, o restauro de terras degradadas, a gestão das florestas urbanas e a necessidade de melhorar a monitorização dos recursos florestais.

Intitulado “The status of Mediterranean forests 2025”, o documento estima que a floresta na região mediterrânica cobre cerca de 46,9 milhões de hectares, o correspondente a 18% deste território, que abrange três subzonas de clima subtropical: florestas subtropicais secas, estepes subtropicais e sistemas montanhosos subtropicais. Deste total, 41,3 milhões de hectares são identificados como florestas de regeneração natural e 5,5 milhões como florestas plantadas.

A somar às florestas, outras terras arborizadas cobrem mais 24,6 milhões de hectares, ou seja, mais 10% da área terrestre mediterrânica. Florestas e zonas arborizadas somam, assim, 28% da cobertura do solo.

A agricultura destaca-se como a principal ocupação, com mais de 87,1 milhões de hectares, que correspondem a 34% da área mediterrânica. A maior parte diz respeito a agricultura de pequena escala (64%). Também mais representativas do que as florestas e áreas arborizadas são as pastagens, que ocupam uma área superior a 70,1 milhões de hectares ou 27% do território. Uma pequena parte destas pastagens é gerida para criação de gado, com predomínio de pequenas explorações, mas a maioria destes matos não é alvo de gestão (70%).

Considerando o predomínio de terras agrícolas e pastagens, que cobrem 61% das terras mediterrânicas, o relatório sublinha a importância de desenvolver “estratégias integradas de ordenamento do território”.

A análise da evolução das ocupações do solo revela que, nas últimas duas décadas, a área de floresta na região mediterrânica se manteve relativamente estável e com saldo positivo. Entre 1990 e 2020, as contas entre perdas e ganhos de área florestal (desflorestação e expansão) saldam-se por um aumento de 12%.

A evolução não é, contudo, homogénea, nem no espaço, nem no tempo. O aumento das últimas três décadas deveu-se, sobretudo, à expansão florestal registada nos países do Mediterrâneo ocidental, mas este acréscimo tem vindo a abrandar significativamente, com ganhos líquidos decrescentes. Entre 2018 e 2023, o aumento da área florestal rondou os 10 mil hectares por ano, bastante menos do que os 40 mil hectares anuais estimados entre 2000 e 2010.

Estes números que traçam o retrato da floresta na região mediterrânica são estimativos e resultam de um inquérito piloto de deteção remota (que antecede o próximo relatório global da FAO sobre as florestas – o Global Forest Resources Assessment – FRA 2025), efetuado para treino das ferramentas avançadas que esta organização da ONU disponibilizou. O objetivo é que as ferramentas testadas passem a ser usadas por cada país para realizar as suas análises independentes e detalhadas sobre a respetiva área florestal, as alterações dessa área ao longo do tempo e os fatores que a determinam, a nível nacional, regional e do bioma.

Foram abrangidos por este projeto piloto 27 países que integram três áreas geográficas da região mediterrânica:

  • Mediterrâneo ocidental: Espanha, França, Itália, Malta, Mónaco, Portugal.
  • Mediterrâneo oriental: Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Chipre, Croácia, Eslovénia, Grécia, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia e Turquia.
  • Mediterrâneo sul: Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia, Marrocos, Palestina, República Árabe da Síria e Tunísia.

Os dados recolhidos neste piloto foram comparados com os dos FRA anterior no que respeita a uma das subzonas climáticas, as florestas subtropicais secas, extrapolando depois os resultados para as outras subzonas. A base comparativa é do FRA 2020, que tem vários indicadores para os diferentes países analisados, embora os dados do inquérito piloto de 2023 sejam apresentados de forma agregada (e não individualmente para cada país).

Relativamente a Portugal e face à informação base do FRA 2020, o piloto exclui parte norte do território, que não corresponde às características do clima mediterrânico, indicando que a floresta mediterrânica portuguesa totalizava 2,4 milhões de hectares (73% da floresta nacional). A fonte primária dos dados nacionais é, contudo, anterior: remonta ao 6.º Inventário Florestal Nacional (IFN6), publicado em 2019, mas decorrente de levantamentos que caracterizam a realidade florestal em 2015.

Floresta na região mediterrânica sob pressão

Além dos indicadores estimados, o relatório analisa os fatores de degradação que estão a pressionar os recursos das florestas na região mediterrânica, nomeadamente as alterações climáticas, as mudanças no uso do solo, os incêndios florestais, o sobrepastoreio e as pragas.

Estes diferentes fatores interagem de forma complexa e cumulativa, e além dos efeitos imprevistos que podem criar, as projeções indicam que, com o aumento da temperatura, as suas consequências se intensificarão nas próximas décadas.

O aquecimento acelerado do Mar Mediterrâneo, que é três vezes superior ao dos oceanos, está a levar à subida do nível das águas, a taxas mais elevadas de erosão costeira e ao aumento da frequência e da intensidade de fenómenos meteorológicos extremos, incluindo ondas de calor, secas e inundações.

Estes fatores provocam aumento da aridez, reduzem a resiliência das florestas, alteram a fisiologia e os ciclos periódicos de desenvolvimento das espécies (fenologia) e diminuem a matéria orgânica e a fertilidade dos solos, condicionando a produtividade florestal. Ao mesmo tempo, criam condições favoráveis a outras pressões, como as pragas e os incêndios. Os impactes vão fazer-se sentir também nos recursos aquíferos.

“Cerca de 30% da região mediterrânica apresenta elevada vulnerabilidade à desertificação e às pragas de espécies invasoras, que são agravadas pelas alterações climáticas e estão a causar danos crescentes às florestas nativas”, salienta o documento, sublinhando a urgência de implementar medidas de “gestão florestal adaptativa, restauro de terras degradadas, estratégias integradas de combate a pragas e incêndios e sistemas de alerta precoce”, que devem ser apoiadas por cooperação regional e respostas locais.

Eis outros exemplos:

– Alterações no uso do solo

Os movimentos demográficos e socioeconómicos são divergentes em diferentes zonas mediterrânicas. Existe maior abandono agrícola no Norte e Este e maior expansão urbana e agrícola no Sul, pelo que a floresta na região mediterrânica enfrenta pressões contrastantes, que vão do aumento de erosão e da desertificação ao abandono das terras e à homogeneização da paisagem. Já a degradação do solo é uma questão comum e antiga no Mediterrâneo, mas que está a piorar sob os efeitos das alterações climáticas e com a intensificação do uso do solo.

A implementação de práticas de gestão sustentável do solo é fundamental para mitigar os efeitos adversos da degradação, assegurando a sua saúde e produtividade de longo prazo e ajudando a preservar o coberto florestal existente. Estas práticas podem contribuir para mitigar os efeitos das alterações climáticas ao promover o armazenamento de carbono pelo solo e melhorar a sua resistência a eventos extremos, como secas e inundações.

– Incêndios florestais

As áreas afetadas por incêndios no Mediterrâneo têm uma variabilidade interanual muito elevada, com diferenças que refletem, entre outros fatores, a influência das secas e de fenómenos meteorológicos extremos.

De 2010 a 2023, a área ardida em ecossistemas mediterrânicos foi avaliada em mais de 5,5 milhões de hectares, o que se salda em aproximadamente 395 mil hectares por ano. 49% desta área aconteceu nos países do Mediterrâneo ocidental, enquanto os países da zona oriental e sul viram 28% e 23% da sua área afetada, respetivamente. Os países mais penalizados neste intervalo de tempo, considerando a percentagem ardida face à área dos respetivos territórios, foram a Bósnia e Herzegovina, o Montenegro, a Albânia e Portugal.

A prevenção, através de planeamento integrado, gestão de combustíveis e envolvimento das comunidades locais é crucial, reforça o relatório, que aponta também para as ações de restauro pós-incêndio (estabilização do solo e reflorestação) como fundamentais para apoiar a recuperação destes ecossistemas percorridos pelas chamas.

A cooperação regional e internacional deve ser reforçada, aconselha o relatório, promovendo a partilha de dados, respostas conjuntas e a troca de conhecimentos que podem conduzir a uma gestão mais eficaz dos incêndios.

– Pastoreio e sobrepastoreio

O pastoreio extensivo é um elemento tradicional e estruturante das paisagens rurais mediterrânicas, mas esta realidade tem vindo a mudar. Nalgumas zonas, nomeadamente nas europeias, o abandono da pastorícia tem conduzido à acumulação de vegetação (biomassa combustível que alimenta os incêndios), enquanto noutras, principalmente em zonas áridas e semiáridas do Sul e Leste, o sobrepastoreio – motivado pela maior procura de carne, incluindo bovina, e pela industrialização – tem-se tornado num dos motores de degradação do solo e da vegetação.

Recomenda-se o planeamento territorial com coordenação entre políticas (florestal, agrícola, de prevenção de incêndios) para que o pastoreio possa ser uma ferramenta eficaz de gestão sustentável.

– Pragas exóticas, nativas e invasoras

A expansão acidental de espécies invasoras, promovida pelo comércio e intensificada pelos fatores climáticos, tem agravado a vulnerabilidade fitossanitária das florestas. Entre os surtos graves referidos – agravados por incêndios e secas – estão exemplos de vários países, incluindo Portugal, com referência a vários organismos patogénicos que têm afetado pinheiro-bravo, pinheiro-manso, eucalipto, castanheiro e sobreiro. O relatório refere ainda a presença de espécies de plantas invasoras em praticamente todos os territórios mediterrânicos.

Acresce o impacte negativo de vários organismos nativos. Embora tenham coevoluído com as plantas que são as suas hospedeiras e não devessem causar-lhe danos, fatores de stress ecológico – incêndios, seca, poluição, entre outros – estão a contribuir para desequilíbrios (por exemplo, aumentos nas suas populações, que causam infestações) que deixam as hospedeiras mais fragilizadas.

Também nesta vertente, o relatório salienta a necessidade de uma gestão adaptativa que favoreça uma composição de espécies diversificada, uma seleção de materiais de reprodução provenientes de regiões bem-adaptadas às condições e fatores de stress locais e a respetiva integração numa estratégia contínua de prevenção e gestão de pragas.

Momento para restaurar

Não existe um indicador exato sobre a área beneficiada pelo restauro da paisagem e da floresta na região mediterrânica, mas estima-se que 1,3 a 2,3 milhões de hectares tenham sido alvo desta tipologia de ações entre 2017 e 2022, em apenas nove países: Argélia, Espanha, França, Irão, Israel, Líbano, Marrocos, Portugal, Tunísia e Turquia (nações que, em 2017, subscreveram o Compromisso de Agadir, assumindo o restauro de 8 milhões de terras degradadas até 2030).

Apesar dos esforços, as estimativas apontam para a existência de 80 milhões de hectares de terras com potencial de requalificação na região, pelo que o restauro deve continuar a ser impulsionado em todo o Mediterrâneo. Contudo, plantar árvores não basta, adverte o relatório da FAO: este é um processo que necessita de envolver as comunidades locais, de ter em consideração a diversidade de espécies e de integrar o conhecimento tradicional.

As experiências de restauro já realizadas nesta região posicionam-na na linha da frente para ampliar e apoiar novos esforços de requalificação dos ecossistemas dentro e fora do Mediterrâneo, mas o relatório acautela que há vários aspetos a melhorar nestas intervenções: falta a vários projetos de restauro na região mediterrânica a necessária visão a longo prazo no que diz respeito a financiamento estável, complexidade ecológica e monitorização adequada.

Além de assegurarem financiamento sustentável e de integrarem normas e padrões transversais nas suas políticas nacionais de restauro, os países da região precisam de envolver investidores privados e de promover práticas de governação e restauro lideradas pelas comunidades e adaptadas às suas realidades locais.

Para conhecer boas práticas nesta área, o relatório remete para a plataforma online dedicada à monitorização de projetos de restauro de ecossistemas – no original, Framework for Ecosystem Restoration Monitoring (FERM), desenvolvida no contexto da Década das Nações Unidas para a Recuperação dos Ecossistemas 2021-30. Relembra também que já existem standards para a certificação de projetos no Mediterrâneo, designadamente os WWF / SER Standards.

Florestas que fazem a ponte entre o mundo urbano e rural

Outro dos capítulos deste relatório é dedicado às florestas urbanas e periurbanas, pela relevância crescente que terão à medida que continua a aumentar a população das cidades mediterrânicas e pelas pressões crescentes que este aumento irá impor aos espaços naturais.

Na região mediterrânica, aproximadamente 562 milhões de pessoas integravam a população urbana em 2020 e as estimativas projetam que serão quase 700 milhões em 2050. Prevê-se que a área urbana aumente 160% até 2030, refletindo a rápida expansão das cidades e suas periferias.

Esta ampliação do espaço urbano e suburbano vai levar a uma maior fragmentação das florestas e áreas naturais, assim como ao acréscimo da impermeabilização do solo, dois fatores críticos para a biodiversidade e a regulação do clima. Em paralelo, comprometem outros serviços dos ecossistemas, como os que se relacionam com o solo e a água, desde a mitigação da erosão e das inundações à prevenção de derrocadas.

Além destes serviços vitais, o relatório salienta a importância destas florestas como espaços com elevado valor social e económico: importantes para a inclusão e o lazer das populações, incluindo as mais desfavorecidas, e capazes de contribuir para novos meios de subsistência, como os gerados pelo ecoturismo.

Gerir eficazmente esta zona de interface urbano-rural exige modelos de governação adaptados às especificidades de cada contexto socioecológico, mas pressupõe, entre outros fatores:

  • Um planeamento de longo prazo, capaz de considerar e integrar as vertentes urbana e ecológica,
  • Uma gestão adaptativa que equilibre as funções ambientais, sociais e económicas.
  • Modelos de governação participativos, agregadores dos vários poderes (locais, municipais e nacionais) e atores sociais, que sejam capazes de tornar as florestas urbanas e periurbanas em ferramentas de integração, bem-estar e saúde.

Tanto na gestão das florestas que fazem a transição do espaço rural e urbano, como na gestão dos ecossistemas florestais mediterrânicos em geral, o relatório sublinha que uma ação eficaz depende de um processo de decisão informada, decorrente de avaliações integradas que combinem dados ecológicos, económicos e sociais. Salienta, por isso, a necessidade de reforçar a monitorização a longo prazo e de melhorar os sistemas de dados. “Promover a colaboração regional entre os vários intervenientes — incluindo as comunidades locais — na monitorização dos recursos florestais pode reforçar a governação da floresta e avaliar com maior precisão a eficácia das práticas de gestão florestal sustentável”.

The post Relatório da FAO traça retrato da floresta na região mediterrânica appeared first on Florestas.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


Publicado

em

, ,

por

Etiquetas: