Grande parte do que ardeu são as plantações de resinosas de pinho dos anos 30/40 e plantações mais modernas de pinheiro-negro e Pseudotsuga promovidas pelos fundos de desenvolvimento rural dos anos 90.
Foram 12 dias de sobressalto com a proximidade do fogo junto das casas e vidas dos meus familiares e amigos na serra da Estrela. Nestes dias de ansiedade e incerteza ajudei no que pude para enfrentar os efeitos desta tragédia humana e ambiental. Agora, embora o perigo ainda não tenha passado, tenho finalmente algum tempo para me sentar, numa manhã fresca, antes da próxima onda de calor que já está prevista para o fim de semana, e refletir sobre as razões que levaram a esta tragédia no coração do Parque Natural da Serra da Estrela.
Sou natural da Guarda e tenho a minha casa no limite norte do Parque Natural da Serra da Estrela. A área onde lavrou este último incêndio é-me bem conhecida, e ao longo de várias décadas tenho observado como a paisagem e o clima se têm alterado, mudando de formas que são difíceis de conciliar. A paisagem, que acumula cada vez mais biomassa, é problemática nestes piro-verões, anos secos e quentes com condições climatéricas extremas, perfeitas para incêndios.
A área ardida cruza a serra de uma ponta à outra, das encostas da Covilhã a Este, a Linhares da Beira a Oeste, até à Guarda a Norte, passando por Manteigas. Trata-se de uma área colossal (mais de 26.000 hectares numa estimativa conservadora), e continua a crescer. Mesmo para alguém que viu a serra arder inúmeras vezes, a intensidade deste incêndio foi surpreendente. Destes piro-verões só podemos esperar que se tornem mais frequentes e intensos. Por isso mesmo, é urgente repensar as políticas florestais para antecipar o futuro.
Continuamos a apresentar como soluções coisas que, ou dificilmente conseguimos implementar (como o programa de cabras sapadoras que de velha promessa nunca passou do papel), ou que insistimos que funcionam quando a realidade o desmente – como o programa nacional de fogo controlado.
O que está a acontecer este ano é o resultado inevitável de décadas de políticas favoráveis a uma gestão florestal cega à realidade e a considerações de sustentabilidade do território a longo prazo. Grande parte do que ardeu, e que ardeu com brutal intensidade, são as plantações de resinosas de pinho dos anos 30/40 e plantações mais modernas de pinheiro-negro e Pseudotsuga promovidas pelos fundos de desenvolvimento rural dos anos 90. Todas estas plantações ordenadas e geridas conforme as condições de mercado permitem e todas elas reduzidas a cinzas pelas mesmas forças.
Ora, ambas as opções florestais acarretam um significativo risco de incêndio associado, exacerbado pelo contexto das alterações climáticas e do aquecimento global que já se manifestam de forma óbvia na seca histórica de 2022 e nas recorrentes ondas de calor que temos vivido.
Estes efeitos são ainda mais manifestos em zonas de montanha, e o resultado está bem à vista de todos. A intensidade e velocidade de propagação destes incêndios tornam-nos quase impossíveis de controlar, a não ser graças a um golpe de sorte quando as condições climatéricas oferecem alguma janela de oportunidade ao combate.
O combate aos incêndios deve ser uma cooperação entre medidas ativas e passivas. Medidas ativas incluem um dispositivo de combate bem coordenado e com meios suficientes para atuar, com acesso a pontos de água, existência de corta-fogos e acessos em boas condições. Na hora da verdade, estes elementos são determinantes para conter as chamas.
Já as medidas passivas podem e devem ser implementadas de uma forma económica e ecologicamente eficiente. Infelizmente é aqui que temos falhado, ficando aquém das possibilidades que a serra e outras paisagens do país podem oferecer.
Está na hora de considerar outras opções, como a de renaturalizar a serra da Estrela por via do aumento da biomassa animal de […]