[Fonte: Diário da República Eletrónico] Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2019
O Acordo de Paris alcançado em 2015 estabeleceu objetivos de longo prazo de contenção do aumento da temperatura média global a um máximo de 2 ºC acima dos níveis pré-industriais, com o compromisso por parte da comunidade internacional de prosseguir todos os esforços para que esse aumento não ultrapasse 1,5 ºC, valores que a ciência define como máximos para se garantir a continuação da vida no planeta sem alterações demasiado gravosas. Estabeleceu ainda objetivos de aumento da capacidade de adaptação aos impactos adversos das alterações climáticas e de mobilização de fluxos financeiros consistentes com trajetórias de baixas emissões e desenvolvimento resiliente, enfatizando a necessidade de reforçar a cooperação internacional entre os Estados para alcançar estes objetivos.
O Acordo de Paris representa, assim, uma mudança de paradigma na execução da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, com o reconhecimento explícito de que apenas com o contributo de todos é possível ultrapassar o desafio das alterações climáticas, e tem como principais compromissos atingir um balanço a nível global entre emissões e remoções antropogénicas – neutralidade carbónica – na segunda metade do século.
Limitar o aquecimento global a 1,5 ºC, em linha com os objetivos mais ambiciosos do Acordo de Paris e do Relatório Especial do Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC) sobre o aquecimento global de 1,5 ºC, requer a transformação sem precedentes das sociedades e a redução urgente e profunda de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em todos os setores de atividade, bem como mudanças comportamentais e o envolvimento de todos os atores. É igualmente uma oportunidade económica sem precedentes para uma economia aberta e ainda fortemente dependente de importação de combustíveis fósseis como a economia portuguesa.
O Acordo de Paris reconhece que, para alcançar a neutralidade carbónica na segunda metade deste século, será necessária uma forte liderança dos países desenvolvidos e insta todas as Partes a apresentar até 2020 a sua estratégia de desenvolvimento a longo prazo com baixas emissões de GEE.
A União Europeia (UE) prepara-se para adotar a sua estratégia de longo prazo, com base na Comunicação da Comissão Europeia «Um Planeta Limpo para Todos», apresentada a 28 de novembro 2018. A proposta da Comissão estabelece uma visão estratégica a longo prazo para uma economia próspera, moderna, competitiva e neutra em termos de clima. Segundo esta estratégia, as projeções indicam que as políticas e os objetivos já estabelecidos para a UE como um todo permitirão uma redução das emissões de GEE de cerca de 45 % até 2030 e de cerca de 60 % até 2050.
No entanto, para contribuir de forma adequada para os objetivos do Acordo de Paris, a UE deverá alcançar a neutralidade carbónica até 2050, o que corresponde a reduções de 80 %-95 % nas emissões de GEE. Assim, afigura-se fundamental delinear o melhor caminho para alcançar este objetivo, alinhando a ação em áreas-chave, investindo em soluções tecnológicas realistas e custo-eficientes, promovendo a participação ativa dos cidadãos e assegurando uma transição justa.
Portugal tem apresentado excelentes resultados em matéria de política climática nas últimas décadas, tendo superado os objetivos definidos no âmbito do Protocolo de Quioto e estando em linha de cumprimento das metas definidas para 2020 de redução de emissões de GEE, de eficiência energética e de promoção das fontes de energia renovável. Desde 2005, a economia nacional apresenta uma tendência de dissociação entre crescimento económico e emissões de GEE.
O Governo assumiu em 2016 o compromisso de alcançar a neutralidade carbónica até 2050, traçando uma visão clara relativamente à descarbonização da economia nacional, e contribuindo para os objetivos mais ambiciosos no quadro do Acordo de Paris.
Para apoiar este compromisso, o Governo decidiu elaborar um Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050), com o objetivo de explorar a viabilidade de trajetórias que conduzam à neutralidade carbónica, de identificar os principais vetores de descarbonização e de estimar o potencial de redução dos vários setores da economia nacional, como sejam a energia e indústria, a mobilidade e os transportes, a agricultura, florestas e outros usos de solo, e os resíduos e águas residuais.
A descarbonização da economia é um objetivo ambicioso que exige o envolvimento alargado e a participação de toda a sociedade, pelo que o RNC2050 motivou um processo participativo sem precedentes de envolvimento dos principais setores e de mobilização da sociedade portuguesa.
O RNC2050 demonstra que existem trajetórias custo-eficazes tecnologicamente exequíveis e economicamente viáveis para alcançar a neutralidade carbónica. Alcançar a neutralidade carbónica tem um impacto positivo na economia e na criação de emprego, fomenta o investimento e cria um maior dinamismo económico, permitindo ao mesmo tempo poupanças significativas que conduzem ao equilíbrio da balança de pagamentos. Adicionalmente, tem associados diversos impactos positivos, como seja a melhoria da qualidade do ar que se traduz inevitavelmente em ganhos ao nível da saúde.
Atingir a neutralidade carbónica em 2050 implica, a par do reforço da capacidade de sequestro de carbono pelas florestas e por outros usos do solo, a quase total descarbonização sobretudo do sistema eletroprodutor e da mobilidade urbana, bem como alterações profundas na forma como utilizamos a energia e os recursos, apostando numa economia que se sustenta em recursos renováveis, que utiliza os recursos de forma eficiente e que assenta em modelos de economia circular, na aposta de cadeias logísticas, com uma repartição modal que minimize a intensidade carbónica e energética do sistema de transporte de mercadorias de curta e longa distância, valorizando o território e promovendo a coesão territorial.
Está em causa um processo que será verdadeiramente transformacional do modo como se encaram alguns dos aspetos mais determinantes da vida em sociedade, em particular no que diz respeito aos padrões de produção e do consumo, à relação com a produção e a utilização de energia, à forma como se pensam as cidades e os espaços de habitação, trabalho e lazer, ou à forma como se encaram as necessidades de mobilidade.
Alcançar a neutralidade carbónica em 2050 representa uma oportunidade para o país consolidar um modelo de desenvolvimento inclusivo e sustentável, centrado nas pessoas e assente na inovação, no conhecimento e na competitividade, contribuindo em simultâneo para melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas e dos ecossistemas. Alcançar a neutralidade carbónica é mesmo provavelmente a única forma de Portugal potenciar as suas mais-valias e se posicionar num ambiente económico internacional altamente competitivo.
Esta visão terá necessariamente de ser traduzida nos diversos planos e instrumentos de política setorial nas áreas da energia, dos transportes, da indústria, do comércio, dos serviços, dos resíduos, da agricultura e florestas. Apesar de se exigir na próxima década um maior investimento na redução de GEE e na transição energética, este investimento terá amplo retorno e os co-benefícios serão transversais a toda a sociedade.
A estratégia portuguesa de transição para uma economia neutra em carbono assenta numa combinação de diversas opções de políticas e medidas, bem como de opções tecnológicas custo-eficazes, procurando encontrar sinergias entre as várias opções. A descarbonização é possível com as tecnologias atuais, sendo que o desenvolvimento de novas tecnologias possibilitará atingir esse objetivo de forma mais rápida e eficaz face ao que é estimado hoje.
O desenvolvimento de novas tecnologias e o aperfeiçoamento de tecnologias existentes de baixo carbono exige um ímpeto significativo ao nível da inovação e da investigação, que deverá ser alcançado através da adoção de uma agenda ambiciosa e alargada que abranja todos os estádios do ciclo de desenvolvimento tecnológico até à sua comercialização.
Para tal, muito contribuirão os quadros de apoio nacionais e europeus de investigação, inovação e desenvolvimento, que devem ser orientados para a investigação em novas tecnologias, em novos modelos de negócio e na promoção da alteração de comportamentos que permitam continuar a aprofundar a descarbonização, criando soluções inovadoras, eficientes, «verdes» e com emissões próximas de zero.
A materialização do objetivo da neutralidade carbónica implicará alocar diferentes fluxos financeiros para este objetivo, designadamente o próximo ciclo de financiamento no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual, os fundos nacionais e o direcionamento do investimento direto estrangeiro para a descarbonização da economia e da sociedade e a transição energética, evitando financiar os investimentos que não estejam em linha com este objetivo e potenciando a criação de novos clusters em território nacional.
É igualmente necessário olhar para os aspetos económicos e sociais da neutralidade carbónica, incluindo novos clusters e setores afetados, e desenvolver políticas para, respetivamente, criar condições para o seu desenvolvimento e antecipar respostas territoriais ou sociais adequadas, ao nível da educação, da formação e da requalificação profissional, de forma a garantir uma transição justa.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 – Aprovar o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), que consta do anexo à presente resolução e que dela faz parte integrante, adotando o compromisso de alcançar a neutralidade carbónica em Portugal até 2050, que se traduz num balanço neutro entre emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e o sequestro de carbono pelo uso do solo e florestas.
2 – Estabelecer como objetivo, para efeitos do número anterior, a redução de emissões de GEE para Portugal entre 85 % e 90 % até 2050, face a 2005, e a compensação das restantes emissões através do uso do solo e florestas, a alcançar através de uma trajetória de redução de emissões entre 45 % e 55 % até 2030, e entre 65 % e 75 % até 2040, em relação a 2005.
3 – Estabelecer como principais vetores de descarbonização e linhas de atuação para uma sociedade neutra em carbono, para efeitos do n.º 1, os seguintes:
a) Descarbonizar a produção de eletricidade, eliminando a produção de eletricidade a partir do carvão até 2030 e prosseguindo com a total descarbonização do sistema eletroprodutor até 2050, apostando nos recursos endógenos renováveis;
b) Concretizar a transição energética, aumentando muito significativamente a eficiência energética em todos os setores da economia, apostando na incorporação de fontes de energia renováveis endógenas nos consumos finais de energia, promovendo a eletrificação e ajustando o papel do gás natural no sistema energético nacional;
c) Descentralizar e democratizar a produção de energia de forma progressiva e dando relevo ao papel do consumidor enquanto parte ativa do sistema energético;
d) Promover a descarbonização no setor residencial, privilegiando a reabilitação urbana e o aumento da eficiência energética nos edifícios, fomentando uma progressiva eletrificação do setor e o uso de equipamentos mais eficientes, e combatendo a pobreza energética;
e) Descarbonizar a mobilidade, privilegiando o sistema de mobilidade em transporte coletivo, através do seu reforço e da descarbonização das frotas, apoiando soluções inovadoras e inteligentes de mobilidade multimodal, ativa, partilhada e sustentável, bem como a mobilidade elétrica e outras tecnologias de zero emissões, a par da redução da intensidade carbónica dos transportes marítimos e aéreos, apostando na inovação, na eficiência e em combustíveis mais limpos e de base renovável, bem como, a descarbonização do transporte de mercadorias de curta e longa distância, promovendo uma cadeia logística com uma repartição modal que minimize a intensidade carbónica e energética do sistema de transporte, reafirmando o papel do transporte marítimo e fluvial conjugado com o transporte ferroviário de mercadorias;
f) Promover a transição energética na indústria, a incorporação de processos de produção de baixo carbono e as simbioses industriais, promovendo a inovação e a competitividade;
g) Apostar numa agricultura sustentável, através da expansão significativa da agricultura de conservação e da agricultura de precisão, reduzindo substancialmente as emissões associadas à pecuária e ao uso de fertilizantes e promovendo a inovação;
h) Fomentar o sequestro de carbono, através de uma gestão agrícola e florestal ativa, promovendo a valorização do território;
i) Alterar o paradigma de utilização dos recursos na produção e no consumo, abandonando o modelo económico linear e transitando para um modelo económico circular e de baixo carbono;
j) Prevenir a produção de resíduos, aumentar as taxas de reciclagem e reduzir muito significativamente a deposição de resíduos em aterro;
k) Dinamizar a participação das cidades e das administrações locais na descarbonização, estimulando uma abordagem integrada aos seus diferentes vetores, em particular mobilidade, edifícios, serviços e gestão de resíduos, e potenciando o papel que têm vindo a desempenhar na mitigação das alterações climáticas;
l) Estimular a investigação, a inovação e a produção de conhecimento para a neutralidade nos vários setores de atividade;
m) Tornar a fiscalidade um instrumento da transição para a neutralidade, prosseguindo com a eliminação dos subsídios prejudiciais ao ambiente, reforçando a aplicação da taxa de carbono e promovendo uma maior tributação sobre o uso dos recursos, reciclando as receitas para a descarbonização e transição justa;
n) Redirecionar os fluxos financeiros para a promoção da neutralidade carbónica, fomentando designadamente o desenvolvimento de um quadro favorável ao financiamento sustentável e um maior envolvimento do sistema financeiro, bem como a respetiva monitorização;
o) Promover o envolvimento da sociedade na transição, contribuindo para aumentar a ação individual e coletiva, a adoção de comportamentos sustentáveis e a alteração dos padrões de produção e consumo a favor da sustentabilidade, designadamente através da educação e sensibilização ambientais;
p) Promover o desenvolvimento de competências e a (re)qualificação dirigida para as novas oportunidades de desenvolvimento económico;
q) Fomentar o desenvolvimento da nova economia ligada à transição energética e à descarbonização, apoiando o desenvolvimento de novos clusters industriais e de serviços, e a geração de novas oportunidades empresariais;
r) Promover uma transição justa e coesa, que valorize o território, crie riqueza, promova o emprego e contribua para elevar os padrões de qualidade de vida em Portugal.
4 – Determinar que o RNC 2050 constitui a estratégia de desenvolvimento a longo prazo com baixas emissões de GEE, a submeter à Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, de acordo com a Decisão 1/CP.21 da UNFCCC, e à Comissão Europeia, de acordo com o artigo 15.º do Regulamento (UE) 2018/1999do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018.
5 – Estabelecer que a concretização das políticas e medidas para uma efetiva aplicação das orientações constantes da presente resolução e cumprimento das metas de redução de emissões estabelecidas é feita no quadro do Plano Nacional Integrado Energia e Clima, cuja revisão é efetuada nos termos do Regulamento (UE) 2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018.
6 – Determinar que o objetivo de neutralidade e os vetores de descarbonização identificados pelo RNC 2050 sejam integrados e especificados no desenvolvimento e revisão das políticas setoriais relevantes, em articulação com o Sistema Nacional de Políticas e Medidas, estabelecido pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2015, de 30 de julho, e o Sistema Nacional de Inventário de Emissões e Remoção de Poluentes Atmosféricos, tal como definido pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2015, de 14 de abril.
7 – Promover a elaboração de roteiros para a neutralidade carbónica, a nível regional ou intermunicipal, coerentes com o RNC2050 e articulados entre si, que viabilizem uma transição coesa e envolvam a participação ativa das entidades dos diferentes níveis de organização territorial, dos agentes regionais e mais próxima do cidadão.
8 – Estabelecer que o acompanhamento do progresso alcançado no rumo ao objetivo da neutralidade carbónica é feito pela Comissão Interministerial para o Ar, Alterações Climáticas e Economia Circular, criada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2015, de 30 de julho.
9 – Determinar que o RNC2050 é atualizado a cada 10 anos, com vista a incorporar, entre outros, o acompanhamento da evolução das alterações climáticas e das políticas internacionais e europeias relevantes, o normal desenvolvimento da sociedade e das tecnologias ao dispor do país e a evolução da estrutura de custos das tecnologias consideradas.
10 – Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Presidência do Conselho de Ministros, 6 de junho de 2019. – O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
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