Romper o círculo vicioso na floresta – João Ferreira do Amaral

A produção florestal, segundo o INE, terá atingido, em 2019, cerca de 1 306 milhões de euros, sendo o valor acrescentado (VA) gerado no setor 0,4% do VA nacional.

Esta proporção, que é inferior à de 2018 (0,5%), não é, no entanto, inédita, e compara com outros valores da mesma ordem de grandeza de há 35 anos. Se considerarmos a média quinquenal da contribuição do VA florestal para o VA nacional, esta foi idêntica (os mesmos 0,5%) no período 1986-1990 e no período 2015-2019.

No entanto, este é um valor profundamente insatisfatório; em primeiro lugar, porque já houve um período, na viragem do século, em que a contribuição do setor para o VA nacional foi claramente superior (cerca de 1%); em segundo lugar, o reduzido valor atual não tem a ver com um eventual crescimento muito rápido do VA nacional, que, bem pelo contrário, apresentou uma evolução próxima da estagnação no período de 2000 a 2019; em terceiro lugar, porque todos os estudos prospetivos que se têm realizado reconhecem a capacidade da nossa floresta produzir muito mais do que produz atualmente.

“Sendo a floresta, na sua esmagadora maioria, privada, o seu futuro dependerá de os proprietários encararem a produção florestal como uma atividade rentável, que vale a pena desenvolver.”

Um ponto adicional, que convém ser salientado, é o forte aumento da utilização de serviços silvícolas (9,2% do valor da produção, em 2015, para 15,7%, em 2019). Este aumento tem a ver com a limpeza de terrenos e novas plantações, pelo que o impacte, a prazo, será positivo. Mas será importante estudar a questão, de forma a compreender melhor esta alteração.

Sendo a floresta, na sua esmagadora maioria, privada, o seu futuro dependerá de os proprietários encararem a produção florestal como uma atividade rentável, que vale a pena desenvolver. Como o maior obstáculo à rentabilidade é o risco de incêndio, gera-se o bem conhecido círculo vicioso: baixa rentabilidade leva a desleixo, o que aumenta o risco de incêndio e, portanto, reduz a rentabilidade.

É justo salientar o muito que que se tem feito nos últimos três anos, em especial no âmbito da AGIF, para minorar o risco e o impacte dos incêndios florestais. Mas não é suficiente. É crucial que os proprietários que tratem da sua floresta possam criar rapidamente expetativas de lucro, o que, na atualidade, só poderá resultar da capacidade de as florestas sequestrarem carbono.

É urgente a elaboração de um balanço atualizado, em valor, do que a Sociedade ganha e do que gasta com o setor florestal. Do ponto de vista dos ganhos (mesmo sem considerar as outras externalidades positivas criadas pela floresta) deveria incluir os valores monetários correspondentes à absorção anual de CO2 e os impostos pagos. O que gasta tem a ver com os apoios públicos ao setor e com as emissões de CO2 nele originadas, incluindo incêndios (as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência, pelo seu caráter excecional, não deveriam ser incluídas no balanço). Não tenho dúvidas que, atendendo à evolução previsível dos preços das emissões, o saldo será positivo, o que dará alguma margem para reduzir os impostos a cobrar sobre os rendimentos gerados pela atividade florestal e, ainda, compensar os proprietários que mantenham a sua floresta em condições.

Por: João Ferreira do Amaral, professor catedrático aposentado do ISEG/Universidade de Lisboa


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