Quando percorremos os campos cerealíferos do Alentejo nestes quentes dias do final da Primavera, podemos ser surpreendidos pela presença de uma ave de presa com um voo lento e gracioso, rasando as searas – é o Tartaranhão-caçador, localmente conhecido por Águia-caçadeira. Esta ave estepária encontrou nos sistemas cerealíferos de sequeiro um espaço adequado para a alimentação e reprodução.
Os cerca de mil casais nidificantes em Portugal, constituem a quinta população mais importante no espaço europeu, mas infelizmente não têm sido até agora alvo de medidas especiais de conservação no nosso país. Classificada como espécie vulnerável, é considerada em declínio populacional desde há algumas décadas, podendo correr o risco de ameaça de extinção, caso se mantenham os factores de ameaça, em particular a destruição dos ninhos durante a ceifa.
Ao contrário das restantes aves de presa diurnas, os tartaranhões nidificam no solo, em locais onde a vegetação herbácea densa e relativamente alta confere alguma protecção contra os predadores, durante a fase de incubação dos ovos e o crescimento dos juvenis, que só alcançam a capacidade de vôo aos 30-35 dias. No sul de Portugal, é nos fenos ou nas searas que se localizam a maioria dos seus ninhos, os quais são ameaçados pelo corte da vegetação, podendo ocorrer a perda de 50 a 100% das ninhadas.
A presença desta ave nos campos agrícolas é particularmente vantajosa para o agricultor, dado que se alimenta essencialmente de gafanhotos, aves granívoras e ratinhos, contribuindo de forma significativa para o controlo das populações destes animais, cuja proliferação poderia causar prejuízos económicos nas culturas ou incentivar a utilização de pesticidas.
Numa época de revisão das grandes orientações da Política Agrícola Comum, quando são anunciadas restrições à cultura de cereais de sequeiro no nosso país, o argumento para a necessidade de manutenção das culturas cerealíferas de sequeiro com o objectivo de assegurar a disponibilidade de habitat do Tartaranhão-caçador e outras aves, como sejam a Abetarda ou o Sisão, estranhamente não tem sido invocado pelas associações de agricultores, mas certamente teria melhor acolhimento em Bruxelas e junto do público em geral que as restantes justificações de carácter meramente económico.
Se é verdade que a actual presença do Tartaranhão-caçador no Alentejo, é em grande parte resultante da existência de um sistema agrícola construído e mantido pelo Homem, é igualmente desejável que os agricultores tenham uma actuação activa na sua protecção, evitando sempre que possível a destruição de ovos ou juvenis. Algumas medidas simples podem ter um resultado muito significativo para a sobrevivência do Tartaranhão-caçador, sem implicarem um prejuízo financeiro relevante:
1) A presença frequente de machos e fêmeas voando sobre determinado local é indicador da provável presença de ninhos. É uma ave semi-colonial, pelo que podem existir diversos ninhos na mesma parcela agrícola;
2) Sempre que possível, os locais com ninhos devem ser gadanhados ou ceifados o mais tarde possível;
3) Deve ser mantida uma área preservada em torno de cada ninho, com uma dimensão mínima de 10 por 10 metros. Quanto maior for esta área, menor será o risco de abandono pela fêmea e de predação dos ovos ou juvenis;
4) Caso o ninho não tenha sido detectado a tempo e toda a vegetação for cortada, deve ser colocado um círculo de feno ou palha, em volta do ninho, para fornecer sombra às jovens aves.
Esta actuação dos agricultores e dos operadores de máquinas agrícolas, exercida de forma voluntária, contribuirá para o reconhecimento da importância da sua actividade, não só na produção alimentar mas também na preservação do património natural. A sociedade actual deseja que as práticas agrícolas sejam cada vez mais amigas do ambiente, pelo que a salvaguarda da vida silvestre associada aos agro-ecossistemas tem assumido uma importância crescente na política agrícola comunitária e nacional. O futuro da agricultura alentejana passa, em parte, pela compatibilização entre a produção agro-pecuária praticada de forma sustentada e a conservação da Natureza.
João Carlos Claro
(Biólogo)