Salvemos o Tartaranhão-caçador – João Carlos Claro

Quando percorremos os campos cerealíferos do Alentejo nestes quentes dias do final da Primavera, podemos ser surpreendidos pela presença de uma ave de presa com um voo lento e gracioso, rasando as searas – é o Tartaranhão-caçador, localmente conhecido por Águia-caçadeira. Esta ave estepária encontrou nos sistemas cerealíferos de sequeiro um espaço adequado para a alimentação e reprodução.

Os cerca de mil casais nidificantes em Portugal, constituem a quinta população mais importante no espaço europeu, mas infelizmente não têm sido até agora alvo de medidas especiais de conservação no nosso país. Classificada como espécie vulnerável, é considerada em declínio populacional desde há algumas décadas, podendo correr o risco de ameaça de extinção, caso se mantenham os factores de ameaça, em particular a destruição dos ninhos durante a ceifa.

Ao contrário das restantes aves de presa diurnas, os tartaranhões nidificam no solo, em locais onde a vegetação herbácea densa e relativamente alta confere alguma protecção contra os predadores, durante a fase de incubação dos ovos e o crescimento dos juvenis, que só alcançam a capacidade de vôo aos 30-35 dias. No sul de Portugal, é nos fenos ou nas searas que se localizam a maioria dos seus ninhos, os quais são ameaçados pelo corte da vegetação, podendo ocorrer a perda de 50 a 100% das ninhadas.

A presença desta ave nos campos agrícolas é particularmente vantajosa para o agricultor, dado que se alimenta essencialmente de gafanhotos, aves granívoras e ratinhos, contribuindo de forma significativa para o controlo das populações destes animais, cuja proliferação poderia causar prejuízos económicos nas culturas ou incentivar a utilização de pesticidas.

Numa época de revisão das grandes orientações da Política Agrícola Comum, quando são anunciadas restrições à cultura de cereais de sequeiro no nosso país, o argumento para a necessidade de manutenção das culturas cerealíferas de sequeiro com o objectivo de assegurar a disponibilidade de habitat do Tartaranhão-caçador e outras aves, como sejam a Abetarda ou o Sisão, estranhamente não tem sido invocado pelas associações de agricultores, mas certamente teria melhor acolhimento em Bruxelas e junto do público em geral que as restantes justificações de carácter meramente económico.

Se é verdade que a actual presença do Tartaranhão-caçador no Alentejo, é em grande parte resultante da existência de um sistema agrícola construído e mantido pelo Homem, é igualmente desejável que os agricultores tenham uma actuação activa na sua protecção, evitando sempre que possível a destruição de ovos ou juvenis. Algumas medidas simples podem ter um resultado muito significativo para a sobrevivência do Tartaranhão-caçador, sem implicarem um prejuízo financeiro relevante:

1) A presença frequente de machos e fêmeas voando sobre determinado local é indicador da provável presença de ninhos. É uma ave semi-colonial, pelo que podem existir diversos ninhos na mesma parcela agrícola;

2) Sempre que possível, os locais com ninhos devem ser gadanhados ou ceifados o mais tarde possível;

3) Deve ser mantida uma área preservada em torno de cada ninho, com uma dimensão mínima de 10 por 10 metros. Quanto maior for esta área, menor será o risco de abandono pela fêmea e de predação dos ovos ou juvenis;

4) Caso o ninho não tenha sido detectado a tempo e toda a vegetação for cortada, deve ser colocado um círculo de feno ou palha, em volta do ninho, para fornecer sombra às jovens aves.

Esta actuação dos agricultores e dos operadores de máquinas agrícolas, exercida de forma voluntária, contribuirá para o reconhecimento da importância da sua actividade, não só na produção alimentar mas também na preservação do património natural. A sociedade actual deseja que as práticas agrícolas sejam cada vez mais amigas do ambiente, pelo que a salvaguarda da vida silvestre associada aos agro-ecossistemas tem assumido uma importância crescente na política agrícola comunitária e nacional. O futuro da agricultura alentejana passa, em parte, pela compatibilização entre a produção agro-pecuária praticada de forma sustentada e a conservação da Natureza.

João Carlos Claro
(Biólogo)


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