Henrique Pereira dos Santos

Se – Henrique Pereira dos Santos

O título do post não é nenhuma homenagem do Rudyard Kipling, é mesmo para deixar muito, muito claro, que vou falar de cenários que não podem ser levados demasiado a sério para lá de três dias (quando começou a conversa dos cenários de evolução da covid, eu terei escrito que modelos matemáticos era coisa em que eu não confiava para tomar decisões com elevados impactos e dificeis reversões, uma das minhas irmãs, que tem uma visão diametralmente oposta da minha em relação à covid, argumentou que eu confiava em modelos, o que não gostava era daqueles que contrariavam o que eu penso, mas a minha radical desconfiança de previsões meteorológicas a mais de três dias demonstra que essa alegação não tem muita base factual).

A verificarem-se os cenários meteorológicos que circulam por aí para o mês de Julho – insisto, previsões meteorológicas a mais de três dias devem ser lidas com muita cautela – a partir do dia 8 de Julho, mas mais consistentemente, a partir de 10 de Julho, há partes do país que ficarão em elevadíssimo risco de incêndio, quer porque há dias de vento Leste forte e seco – esqueçam as temperaturas, o que verdadeiramente nos deve preocupar nos fogos é a secura e a velocidade do vento -, quer porque há muita disponibilidade de combustível com elevada secura induzida atmosfericamente (pelo rigor percebe-se que estou a citar quem sabe do assunto, Paulo Fernandes, a quem informalmente pedi para me confirmar, ou não, a plausibilidade dos cenários conhecidos).

Noutras partes do país, em especial no Noroeste, talvez não seja tanto assim, quer por causa das condições meteorológicas, quer, repare-se na elegância da expressão usada por Paulo Fernandes, por causa da memória de chuva recente nos combustíveis (o Paulo só comentou cenários até ao dia 12, considera que tudo o que sejam cenários meteorológicos a mais que isto não vale o esforço de interpretação, se bem percebi).

A verificarem-se esses cenários, a existência de fogos complicados – quão complicados é mais difícil de saber – é praticamente uma certeza, a multiplicação de ignições também (não porque haja mais ignições, mas porque as condições de desenvolvimento das que existam favore a sua detecção e registo pelo sistema) e o lero-lero jornalístico e de responsáveis sobre qualquer coisa imponderável (os incendiários, as mudanças bruscas de vento, os acessos dificeis, a dispersão das construções, enfim, toda a gente sabe o jargão que se usa nos teatros de operações para justificar a projecção das forças de bombeiros e afins) será tão inevitável como os incêndios.

Eu só queria deixar aqui claro, agora, correndo o risco de me cobrir de ridículo se nada destas previsões meteorológicas se verificar, três coisas:

1) o fogo é uma inevitabilidade, e um filho do seu contexto, por ser um processo ecológico endógeno, fundamental para a evolução dos sistemas naturais;

2) gerir o fogo é gerir o seu contexto, o que no nosso caso significa gerir os combustíveis finos, o que no nosso caso (eu sei que me estou a repetir) significa encontrar meios para pagar a gestão necessária e que o mercado não remunera convenientemente;

3) pelo menos desde os fogos de 2003 (mais, até, desde 2005, entre 2003 e 2005 o que se verificou foi um braço de ferro entre protecção civil e gestão florestal, que a protecção civil ganhou por KO) que os responsáveis políticos responsabilizam os proprietários por não quererem gastar mais dinheiro na gestão que o que conseguem receber em resultado dessa gestão, e o que quer que venha a suceder tem, na origem das responsabilidades políticas e sociais que se queiram discutir, essa barbaridade.

O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.


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