
Os dois militares da GNR de Tavira que foram detidos em maio estão agora acusados pelo Ministério Público de 27 crimes, no âmbito de um alegado esquema de extorsão a trabalhadores agrícolas imigrantes durante falsas operações STOP realizadas na zona rural do concelho.
Segundo o despacho de acusação do DIAP de Faro, os arguidos abordavam imigrantes à saída do trabalho, junto a explorações agrícolas, alegando infrações rodoviárias inexistentes para exigir pagamentos imediatos em dinheiro. As vítimas eram sobretudo cidadãos indostânicos, confrontados com ameaças relacionadas com multas elevadas, perda de documentos e expulsão do país, de acordo com a SIC Notícias.
Um dos episódios descritos ocorreu na tarde de 6 de junho do ano passado, quando um imigrante do Bangladesh foi mandado parar. Apesar de não ter o seguro consigo, informou que alguém lho iria levar.
Ainda assim, os militares alegaram que isso seria inútil, invocando outras supostas infrações no veículo e anunciando uma coima que poderia chegar aos 400 euros, mas que poderia ficar resolvida por 120 euros.
Afirmação de um dos militares
Segundo a acusação, um dos militares afirmou: “Se não pagares os 120 euros, não te damos os documentos. Vamos comunicar à AIMA para não te dar a residência e para te cancelar a carta de condução para te mandar para o Bangladesh”. O imigrante pedia perdão enquanto aguardava.
Entretanto, um amigo chegou com o seguro, mas acabou também por ser fiscalizado. Os dois militares apontaram alegadas irregularidades como sujidade, pneus carecas e luzes foscas. Embora o condutor tenha negado as infrações, acabou por pagar os 100 euros que lhe foram exigidos. “Entregas o dinheiro todo junto, vai levantar 120”, terá dito o outro militar, enquanto o colega reforçava: “Se quiseres papel, vai para as Finanças e tens de pagar 450 euros. Vou tirar-vos o cartão de residência e mandar-vos para o Bangladesh.”
A acusação descreve ao detalhe 11 episódios para os quais diz existir prova suficiente, admitindo que possam ter ocorrido outros. No total, entre junho do ano passado e março deste ano, terão sido extorquidos quase dois mil euros.
Esquema, vigilância e investigação interna
De acordo com o Ministério Público, quando as vítimas não tinham dinheiro consigo, eram acompanhadas até caixas multibanco em Tavira. Os militares aguardavam a entrega do dinheiro a alguma distância, junto a um pavilhão, procurando evitar as câmaras de videovigilância.
O esquema acabou por levantar suspeitas dentro da própria GNR, nomeadamente devido à elaboração de autos de notícia por infrações pouco comuns, como furos nos estofos. Uma escuta no carro-patrulha permitiu recolher indícios das combinações entre os dois militares para extorquir as vítimas, de acordo com a fonte anteriormente citada.
Num dos casos descritos, uma vítima sem passaporte físico foi obrigada a pagar 60 euros no momento. Segundo o despacho, o homem pediu clemência aos militares da GNR, explicando que, se entregasse o dinheiro, ficaria sem meios para se alimentar. “Se entregasse a quantia que lhe foi pedida, ficaria sem dinheiro para comprar a sua alimentação”, refere a acusação, acrescentando que a vítima não terá comido nessa noite.
Crimes imputados e situação atual
A investigação foi conduzida pelo Comando Territorial de Faro da GNR, que realizou buscas às residências dos militares e ouviu dezenas de vítimas. O despacho do procurador imputa aos arguidos 27 crimes, maioritariamente de concussão, mas também de falsificação de documentos, abuso de poder, burla qualificada, peculato e ofensa à integridade física, de acordo com a SIC Notícias.
José A., de 27 anos, e Diogo R., de 25, aguardam julgamento sujeitos à medida de coação de pulseira eletrónica.