Se um diploma incomoda muita gente… Dois diplomas incomodam muito mais! – Pedro Pimentel

Quando em Novembro de 2011 foi constituída a Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar (a célebre PARCA), foram criadas expectativas de que se pudesse verificar alguma evolução na cada vez mais asfixiante relação entre fornecedores e distribuidores, mas também pairaram no ar dúvidas significativas sobre a efectiva capacidade daquela Plataforma promover alterações reais num relacionamento cada vez mais complexo e desequilibrado.

Agora, mais de um ano volvido, é já possível fazer um balanço do que entretanto ocorreu e, numa primeira análise, julgo que será pacífico concluir que foram dados alguns passos de elevada importância e que, para além disso, foi construída um novo espírito de colaboração entre entidades representativas da produção (CNA e Confagri) e da transformação (CIP, FIPA e CentroMarca) que permitiu apresentar diversos documentos de forma conjunta ou isoladamente, mas com uma linha de orientação comum, o que reforçou as respectivas posições e confrontar o poder político com a inevitabilidade de ter que encarar mais frontalmente os problemas colocados e, muito em especial, impedindo-o de se abster da necessidade de accionar medidas de cariz político e legislativo.

Contudo, nem tudo ocorreu como esses sectores mais gostariam, nem todas as suas posições foram devidamente atendidas e consideradas, mas basta ver as sucessivas (e cada vez mais violentas) reacções de desconforto da parte da moderna distribuição e da sua associação sectorial – a APED – para facilmente se perceber que o que já ocorreu provocou mossa por aqueles lados e que a forma cada vez mais ‘dramatizada’ como essas reacções surgem é sinónimo de que os tempos, embora mais lentamente do que o desejável, estão a mudar.

As duas principais expressões práticas dos trabalhos da PARCA passam, por um lado, pela elaboração de um conjunto de relatórios sobre o funcionamento da cadeia alimentar, genéricos e sectoriais, com o propósito de fomentar a transparência e reforçar a informação disponível e, por outro, pela preparação de um conjunto de propostas legislativas que permitam induzir o melhoramento daquele mesmo funcionamento.

Relativamente aos referidos relatórios, a menor qualidade da informação disponível e a aparente incapacidade de captar dados mais fidedignos, especialmente ao nível, das transacções entre a indústria transformadora e os principais distribuidores, fizeram com que, por exemplo, o recente ‘estudo’ sobre a fileira do leite apresentasse algumas conclusões que estão longe de corresponder à forma como efectivamente se desenvolve a cadeia.

Desta mesma Plataforma, resultou igualmente a recente publicação do DL 2/2013, que reduz o prazo limite de pagamento para 30 dias quando o credor for uma micro ou pequena empresa de bens alimentares exclusivamente destinados ao consumo humano. Este diploma, contudo, acabou por frustrar as expectativas da generalidade dos sectores fornecedores, havendo sido objecto de enormes pressões da parte da moderna distribuição, pois, apesar de algumas alterações de pormenor para as pequenas empresas, não introduziu qualquer modificação fundamental, mantendo que os prazos legislados não se aplicam às empresas de maior dimensão, ou seja, a maioria das operações comerciais e, consequentemente, a parte de leão da produção primária – de que o leite é um exemplo prático – não é abrangida pelo encurtamento de prazos de pagamento, situação ainda mais grave quando são conhecidos os problemas de tesouraria e de crédito actualmente existentes.

As pressões da distribuição levaram a que mesmo a aplicação desses prazos encurtados para os produtores de muito pequena dimensão possa ser afastada por acordo de auto-regulação envolvendo os intervenientes, sendo fácil de prever que tal possa acontecer com alguma facilidade dado o desequilíbrio de poder negocial entre esses pequenos produtores e os grandes distribuidores.

Mais positivo é, seguramente, a Proposta de Lei e, muito especialmente, ao projecto de Decreto-Lei sobre o jurídico aplicável às práticas individuais restritivas do comércio, que o Governo apresentou no Parlamento. Este projecto de diploma, apesar de não integrar algumas das propostas apresentadas pelos sectores fornecedores, é globalmente positiva e nela se depositam fortes expectativas quanto à construção de um reequilíbrio nas relações entre produtores e distribuidores, sendo muito importante a sua rápida aprovação e a sua célere implementação.

Basta verificar as reacções da APED às propostas de revisão dos valores das coimas, que assim se tornarão efectivamente dissuasores, ou à melhor especificação do conceito de Venda com Prejuízo ou uma mais ampla e clarificadora definição de Práticas Negociais abusivas, para perceber que representam uma evolução muito positiva face à legislação actual. Ainda assim e para além da não existência de qualquer disposição que aponte para uma qualquer regulação das marcas brancas, existe ainda preocupação quanto à definição de Prática Unilateral incluída no projecto diploma, bem como sobre a capacidade efectiva de actuação da ASAE na aplicação da nova legislação, agora que lhe foi atribuída a totalidade das responsabilidades em matéria de fiscalização, instrução e decisão dos processos.

Ler declarações como as do Presidente da APED ameaçando que com a nova lei os distribuidores deixarão de fazer compras a fornecedores portugueses ou referir que com a nova lei os produtores nacionais deixarão de ser competitivos, ou saber que cadeias de distribuição, como o Intermarché, continuam a pensar que não há qualquer tipo de punição que lhes possa ser aplicada quando resolvem emitir débitos totalmente injustificados aos seus fornecedores no valor de centenas de milhares de euros, facilmente se percebe a necessidade duma rápida aprovação daquele diploma.

Pedro Pimentel

Formação de preços e construção de equilíbrios na cadeia alimentar – Pedro Pimentel


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