Gonçalo Almeida Simões

Sector agroalimentar – Mais uma oportunidade perdida? – Gonçalo Almeida Simões

Agora que começamos lentamente a entrar na fase de desconfinamento e que o sector agroalimentar ganhou uma nova centralidade, é crucial capitalizar o momento de forma duradoura. Esta crise pandémica, tal como a crise financeira de 2008, confirmou mais uma vez que o sector agroalimentar é um dos protagonistas em termos de resiliência económica e de empatia com o consumidor que tende agora a comprar o que é produzido em Portugal.

Quando ser o eterno bom exemplo sabe a pouco !

Os ganhos do sector agroalimentar com a crise de 2008 que resistiram aos dias de hoje são sobretudo internos e intimamente relacionados com uma nova geração de empreendedorismo que trouxe modernidade à nossa agricultura, fruto de um bom aproveitamento de fundos comunitários, permitindo colocar alguns sectores nacionais com mérito próprio na vanguarda mundial. Já em termos externos e comunicacionais, a visibilidade foi temporária e com os primeiros sinais de um tempo pós-crise, rapidamente os decisores políticos e a imprensa remeteram novamente o sector para segundo plano, entusiasmando-se então com as novas tecnologias. Refiro-me às start up’s que aparecem de forma fulgurante para depois se eclipsarem, numa mão cheia de nada, arrastando consigo financiamento público e privado. Honra seja feita aos 20% de start up’s bem sucedidas e que alguns anos depois têm uma história de sucesso para contar, porque realmente tinham uma proposta real de criação de valor.

A necessidade de profissionalização da imagem é um must !

Ao dia de hoje, estamos novamente perante uma fase de transição que não deve ser desperdiçada pelo sector do ponto de vista comunicacional e de interação com os stakeholders. Com efeito, o agroalimentar tem uma tendência natural para, de uma forma apaixonada, pensar sobretudo naquele que é o seu “core business”, ou seja, a parte técnica do seu trabalho, mas comete o pecado capital de esquecer que hoje o sector agroalimentar só tem um caminho, que é o de integrar a comunicação e o lobby como custos operacionais da sua atividade. Deixou de ser uma opção para passar a ser uma variável da equação de sobrevivência económica. Hoje, mais do que nunca, o sector tem que profissionalizar a forma como comunica, a estratégia de convencimento que utiliza e a forma como trabalha a sua rede de contactos.

Reactividade vs proactividade

Chegou ao fim o tempo da reatividade, vivemos numa época de proatividade em que as boas notícias para o sector têm que ser trabalhadas 365 dias/ano e não apenas quando o reitor da Universidade de Coimbra decide proibir a carne de vaca nas cantinas ou quando 6 ONG’s ambientais se juntam para criticar as derrogações do Governo no contexto do greening. É preciso sermos duros e verdadeiros com nós mesmos e concluir que, apesar de bons exemplos individuais e de momentos que correram bem, a realidade é outra. Alguns setores ou empresas já apostaram individualmente nesta continuidade com bons resultados, mas em geral há um enorme trabalho a fazer para que o sector agroalimentar se possa orgulhar de utilizar o “state of the art”, colocando-se ao nível de outros sectores económicos que começaram esta caminhada há mais tempo.

O recente episódio dos manuais escolares utilizados na telescola e que têm erros grosseiros e inadmissíveis num país que supostamente está acima da média no ranking de educação da OCDE, é um bom exemplo daquilo que deve ser um trabalho diário e sistemático. Enviaram-se cartas abertas e bem, haverá uma reunião com a Ministra da Educação e Agricultura, o que é óptimo, mas e depois? Quem reunirá com os editores ? Quem colocará pressão constante nos governo ? Quem levará o problema aos grupos parlamentares da AR? Quem reunirá com as associações de pais e com os agrupamentos de escolas ? Quem contactará a OCDE para denunciar este problema? Quem pensará numa estratégia para que o problema tenha eco continuado na comunicação social ate estar resolvido?

O autismo do sector

Há uma certa tendência de autismo sectorial dentro do sector agroalimentar que aliás existe em todos os outros sectores e que deve ser combatida de forma vigorosa. Hoje o agroalimentar ganha prémios internacionais, recorre às melhores técnicas de agricultura de precisão, tem uma performance económica invejável em termos de contribuição para o PIB, é campeão de exportações, mas ainda assim é alvo de críticas e de mitos que, sem base científica, vão formando mentalidades. É preciso ver de fora para dentro e não de dentro para dentro como se tem feito até hoje. Não importa como o sector agroalimentar se vê quando se olha no espelho, pois essa é uma imagem de Cinderela, o que é preciso é perceber a dinâmica da sombras refletidas nas paredes das cavernas, à boa maneira platónica, para perceber que aquilo que nós vemos, não é aquilo que os outros vêem, mesmo que o problema seja da visão limitada que os seus olhos alcançam ou do par de óculos que grupos de interesse lhes emprestam de forma aparentemente inocente. A imagem de cada sector não é mais que um jogo de sombras chinês, em que o espectador vê o que lhe mostram e não realmente o que está a acontecer.

Este combate tem um princípio e há métricas que nos permitem perceber como está a correr, mas não tem um fim. Recorrendo a uma imagem mais metafórica: é como tratar de uma planta de forma preventiva, é um custo operacional que carece de investimento e que para a conta de cultura seria mais simpático não o fazer, mas sabe-se que se não for feito para o próximo ano a praga voltará a aparecer e talvez com mais força. Ou ainda como um seguro agrícola que sendo voluntário é um investimento, mas no dia em que houver uma intempérie que não manda anunciar quando chega, não haverá apólice de seguro para ser reclamada.

Uma corrida de fundo

É tempo de o sector perceber que o esforço tem que ser feito de uma forma combinada, por forma a criar sinergias. A individual para que haja campeões sectoriais com boas histórias para contar em que, por exemplo, a internacionalização de certo produto leva ao patriotismo no consumo desse mesmo produto a nível local e a coletiva, em que o sector agroalimentar age e comunica em bloco, sem invejar o exemplo escolhido que se está a utilizar estrategicamente em determinado momento, pois há que perceber de uma vez por todas que a sobrevivência individual passa pelo sucesso da dinâmica de grupo, neste caso do sector agroalimentar como um todo.

Um caminho obrigatoriamente diferente

Durante muito tempo, o sector agroalimentar considerou que para evitar más notícias, a solução era cerrar fileiras e negar-se a declarações, quando o que deve ser feito é precisamente o contrário. Para se fazer parte deste novo mundo, é preciso saber interpretá-lo e conviver com ele de forma mais colaborante e menos maniqueísta. Os primeiros tempos serão de dissabores, depois virá uma certa normalidade e só depois as vitórias. Serão ciclos de derrotas e vitórias, mas o mais relevante é colocar o sector agroalimentar numa velocidade de cruzeiro constante que lhe permita usufruir de um respeito inequívoco, por parte da sociedade, da comunidade científica e da classe política, por forma a não viver em constante sobressalto.

Sucesso acompanhado de uma visão estratégica e uma nova forma de comunicar é o que desejo a um sector que tem tudo para dar certo, mas com grandes desafios pela frente, veja-se a muito recente estratégia “Farm to Fork” que acaba de ser apresentada pela Comissão Europeia !

Gonçalo Almeida Simões
Consultor para o setor agroalimentar e especialista em Public affairs, Governmental affairs e Assuntos europeus

http://rss.agroportal.pt/a-reforma-da-pac-e-o-atraso-do-orcamento-ue-2021-2027-goncalo-almeida-simoes/

Publicado

em

,

por

Etiquetas: