Segurança alimentar

Num contexto inflacionista e de incerteza, com origem num cenário de guerra sem fim à vista e com as cadeias logísticas bastante comprometidas é desde logo primordial que a UE e Portugal se concentrem no reforço da sua soberania alimentar, não numa lógica nacional, mas sim numa lógica europeia.

O arroz é um dos principais produtos quando se fala de segurança alimentar e com a especificidade de apenas poder ser produzido em alguns países no mundo, nomeadamente Portugal.

É um privilégio termos condições edafoclimáticas para produzir arroz carolino de grande qualidade, não devendo ser desperdiçado tal potencial. É por isso um imperativo nacional que se olhe para este sector de uma forma estratégica e responsável, tanto mais porque a UE perdeu mais de 60.000 hectares de produção (30.000 hectares dos quais somente nos últimos 6 anos ).

Se por um lado, esta quebra na área cultivada na EU-27 levou a uma diminuição de 8% na produção de arroz ao longo dos últimos 10 anos, por outro o consumo aumentou 16% e as importações 68%. Este ano os números são avassaladores, pois Espanha, que costumava produzir 100 mil hectares, ficou-se pelos 53 mil hectares e a Itália teve um decréscimo ainda mais acentuado.

Em suma, a produção de arroz na UE tem atravessado vários problemas estruturais, nomeadamente a disponibilidade de água, o aumento dos custos de produção e o crescimento das importações, que determinaram que os produtores de arroz europeus estejam hoje numa posição delicada. Esta posição poderia ter sido evitada caso tivessem sido definidas políticas publicas e acompanhassem as alterações estruturais que o setor atravessou e está a atravessar.

A Estratégia dos Cereais

O sector assistiu com entusiasmo à publicação da Estratégia dos Cereais em 2018, mas hoje consideramos que é apenas um documento com objetivos aspiracionais e desligado do mundo real.

A sua materialização depende muito mais de opções estratégicas do decisor político do que propriamente da vontade e condições tecnológicas de que o sector hoje está munido. A vontade política tantas vezes propalada teria de ter disponibilizado meios financeiros coincidentes com a ambição da Estratégia dos Cereais, provenientes diretamente do OE ou do PDR. Na realidade, nenhum dos instrumentos teve uma dotação orçamental à altura que permitisse que o sector vivesse hoje uma situação de tranquilidade a médio/longo prazo.

Olhando para factos, Portugal este ano semeou 27 000 ha, um decréscimo de 2 000 ha em relação ao período homólogo do ano passado e Espanha e Itália ainda tiveram decréscimos mais acentuados.

Daqui podemos concluir imediatamente três pontos para Portugal: i) necessidade de uma responsabilidade alimentar e estratégica em termos de autossuficiência alimentar; ii) surgimento de uma oportunidade comercial realista e iii) possibilidade de aumento das exportações.

PEPAC

As políticas publicas têm que garantir um contexto que permita ao sector operar em condições de performance aceitável como agente económico e produtivo. Foi precisamente neste contexto que a AOP apresentou atempadamente as medidas que considerou essenciais para o sector quando se negociava a reforma da PAC :

  • Pagamentos Ligados Arroz > 388 €/ha de Arroz;
  • Pagamentos Eco-regime > 157 €/ha de SPE;
  • Medidas Agroambientais (PRODI + novas) > valor atualmente recebido;
  • Reforço das Organizações de Produtores (prémio à comercialização; bonificação nos projetos de investimento) e simplificação do processo de reconhecimento.

No PEPAC agora aprovado só existe total garantia dos Pagamentos Ligados, sendo que as restantes medidas ou não foram sequer apresentadas a Bruxelas por Portugal (como o prémio à comercialização) ou apresentam um grau de condicionalidade que não dá garantias apriorísticas de apoio ao rendimento, por via do 1º ou 2º pilares. Não havendo garantia efetiva de sustentabilidade económica do sector, o PEPEC aprovador fica aquém das nossas expectativas, como já transmitimos diretamente ao decisor politico em diversas ocasiões !

Comércio Internacional

A falta de reciprocidade nas condições exigidas aos produtores UE vs não produtores UE provoca problemas graves de distorção na concorrência, originando grandes debilidades de competitividade ao sector.

A ausência de reciprocidade das exigências Farm to Fork para países produtores de arroz de países terceiros não é aceitável, desde logo porque existem exigências acrescidas para os  produtores europeus.

As propostas no Conselho UE tendentes a uma liberalização do sistema de salvaguarda, contrária aos interesses dos produtores e de tradição liberalizadora devem ser rejeitadas.

Os interesses comerciais de países como a Alemanha, Holanda e antes Reino Unido são claramente mercantilistas, sobretudo nos sectores agrícolas em que não têm interesses defensivos, como é o caso do arroz.

Conclusão

Temos hoje uma UE menos autossuficiente do ponto de vista alimentar, mas com normas quiçá tão ambiciosas que provavelmente não permitirão a sobrevivência de largos milhares de agricultores. Temos uma UE com exigências ambientais e sociais muito restritivas, que funcionam apenas num sentido e que só são aceitáveis se for exigida a respetiva reciprocidade às importações alimentares que nos chegam do outro lado do mundo, que no caso do arroz falamos sobretudo da Ásia e Caribe.

É certo que ninguém antecipava há dois anos que os fertilizantes tivesse am um acréscimo de 300%, a energia de 150% ou os fitofármacos de 50%. É precisamente por estas serem variáveis não controláveis de uma equação mais complexa que teria feito sentido existir uma reforma da PAC com um orçamento à medida da importância do sector agroalimentar. A UE e Portugal, por via da Reforma da PAC, deviam ter estabilizado ao máximo a produção agroalimentar europeia, sem pudor de assumir que ter um sector agroalimentar sólido e competitivo, significa não depender de outros países no mundo no que à segurança alimentar diz respeito, assumindo um espirito protecionista dadas as delebilidades que estamos a assistir.

Essa oportunidade chamou-se Reforma da PAC em Bruxelas e dá pelo nome de PEPAC em Portugal. As opções tomadas vão ditar o futuro alimentar de Portugal na próxima década, numa lógica de transferência da decisão para os EM, pois desta feita e por via do princípio da subsidiariedade, o decisor politico teve uma latitude de decisão que será proporcional em termos de responsabilização politica sobre cada uma das decisões por si tomadas.

Quanto ao sector do arroz cá estará para continuar a produzir de forma empenhada, como sempre tem feito e esperar que a implementação do PEPAC que causa enorme apreensão ao sector, nomeadamente por falta de informação, permita alavancar investimento e torne o sector mais competitivo e resiliente.

Carlos Amaral

Presidente da Associação de Orizicultores de Portugal


Publicado

em

,

por

Etiquetas: