A importância do uso de máquinas agrícolas na agricultura há muito que representa mais do que um mero fator de produtividade. Com a sua evolução têm-se oferecido melhores condições de conforto e segurança aos seus operadores, e instrumentos de gestão ao agricultor. Mas, para isso é importante garantir uma boa utilização e o cumprimento de regras de segurança que salvaguardem a ocorrência de acidentes.
O tema não é novo, e infelizmente continua atual e preocupante! A verdade é que quando se dá um acidente não há alibi que ressuscite uma vítima mortal, mas à face da lei há sempre a probabilidade de pena de prisão para quem possa ser identificado como responsável pelo mesmo.
Mas, a solução de um problema requer o conhecimento de dados, que neste caso nem sempre são fáceis de obter e por vezes se tornam confusos de entender. Fica por isso a primeira questão sobre este assunto: porque não foi ainda constituída a plataforma comum de registo de informação relativa a acidentes com tratores e máquinas agrícolas, independentemente de ocorrerem em propriedade privativa ou na via pública…?
Ainda assim, alguns factos: Segundo o observatório europeu de segurança rodoviária, em 2016, Portugal continua a ser um dos 3 países da União Europeia com maior número de acidentes com tratores agrícolas Entre 2013 e 2018 foram registadas pela Autoridade para as Condições de Trabalho 416 vítimas e em 2019 estão já contabilizadas pela Guarda Nacional Republicana mais 57, cujas principais causas são atos inseguros que resultam em despiste e capotamento do trator e a condição insegura resultante da falta de arco de proteção. Em ambas as situações a consequência é a morte por esmagamento.
Recorde-se, ainda, o atual estudo publicado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) na sua Ficha Temática Veículos Agrícolas 2004 – 2013, em que se demonstra que a incidência de acidentes mortais por cada 100 condutores é 8 vezes superior no caso de tratores agrícolas quando comparada a acidentes com veículos ligeiros. A mesma fonte refere como causas frequentes na origem dos acidentes, o estado de conservação dos veículos e a formação dos operadores.
Estes dados entristecem-nos a todos pelo peso social que acarretam, em nada contribuindo para a economia nacional ou para a sua retoma, nem para a boa imagem do sector agrícola que se pretende atrativo e inovador.
Relativamente ao estado de conservação, este aparenta ter uma correlação positiva com a idade dos tratores acidentados, sendo que no período compreendido entre 2004 e 2013, 32% dos tratores agrícolas envolvidos em acidentes tinha mais de 20 anos de idade, o dobro preconizado tecnicamente para a vida útil deste tipo de veículos.
As causas estão sobejamente identificadas, e se nos atos inseguros a origem pode mesmo ser a falta de atitude na utilização correta do trator e ou das máquinas agrícolas, relacionada com comportamentos de excesso de confiança e falta de formação, para a condição insegura contribui decididamente o envelhecimento do parque de tratores nacional conforme é referido no estudo da ANSR. Observando o panorama nacional de tratores agrícolas segundo os últimos dados pelo Ministério da Agricultura, em 2015, sobre veículos inscritos no benefício do gasóleo agrícola, fica demonstrado que existiam um total de 168.067 tratores e conjuntos industriais sendo que, apesar de ter havido um aumento na ordem dos 7% do número de tratores agrícolas inscritos relativamente ao ano de 2012, nomeadamente dos tratores com potência útil superior a 80 CV, continua a manter-se a tendência para o envelhecimento do parque de máquinas agrícolas a nível nacional. De acordo com a mesma entidade em 2013 a percentagem de tratores com mais de 20 anos passou de 46% para 47% e a percentagem de tratores com menos de cinco anos passou de 10% para 9%.
Ora, este cenário é sinónimo na sua maioria de veículos agrícolas sem estruturas de segurança, frequentemente com pouca manutenção, não inspecionados e tecnologicamente obsoletos o que também resulta em veículos menos produtivos e menos amigos do ambiente.
Ainda assim, segundo dados da Associação de Comércio Automóvel de Portugal, em 2019, o número de matrículas registadas de tratores agrícolas novos em Portugal alcançou um total de 6.705 unidades, predominando os tratores compactos e convencionais com potencias entre os 40 e 79 cv, o que fez do ano de 2019 o melhor da última década, valor só aproximado pelo de 2017 com 6.005 unidades.
Considerando que a aquisição destes veículos se faz maioritariamente assente em linhas de crédito ao abrigo dos programas-quadro comunitários, os números do mercado português são lisonjeiros quando comparados com os da esfera europeia o que evidencia do lado do agricultor um esforço de investimento, interesse e preocupação nesta matéria.
Mas, independentemente do tipo de trator e da gama de potência, o trator agrícola é um veículo com caraterísticas para trabalhar no campo que também circula na via pública, sendo que o seu bom funcionamento depende do cumprimento por parte dos operadores dos planos de manutenção periódica e verificações intercalares prescritos pelo fabricante no respetivo manual de operador. O não cumprimento destes planos, alem de colocarem em causa os termos de garantia previstos pelos fabricantes, está frequentemente na origem de avarias e risco acrescido de falhas de estruturas de segurança que põem em causa a vida do operador e de todos os que circulam na via pública.
No contexto da União Europeia, o Comité Europeu de Indústria de Máquinas Agrícolas (CEMA), num estudo realizado em 2017, reportando à necessidade de implementação de medidas para a redução de sinistralidade na agricultura, propõe quatro grandes áreas de intervenção:
1. Segurança p.d, através da implementação de soluções que visam estruturas de proteção contra capotamentos, sistemas de retenção do operador através de cintos de segurança, sistemas de iluminação mais eficientes e mecanismos de Inspeção Técnica Periódica de máquinas agrícolas;
2. Formação, impulsionar a formação contínua dos operadores de modo a garantir a sua consciencialização nos cuidados a ter na condução de máquinas agrícolas e a sua atualização para novos instrumentos de navegação (condução e operação);
3. Divulgação, criando campanhas de prevenção rodoviária relativas aos perigos de circulação de máquinas agrícolas, nomeadamente em zonas rurais e desde logo junto das populações escolares locais;
4. Inovação, impulsionado a indústria de fabricantes de máquinas agrícolas ao desenvolvimento de novos sistemas de segurança e visibilidade ativa, como sistemas de comunicação ativa entre veículos que alertem para a sua presença na via publica ou possam emitir um código em XXcaso de emergência como última medida de prevenção de acidentes.
Sobre as estruturas de segurança recordo que as mesmas não sendo de origem, requerem homologação e uma vez montadas no veículo agrícola requerem a homologação deste com a respetiva estrutura pela entidade competente – IMT, Instituto da Mobilidade e dos Transportes.
Relativamente às Inspeções Técnicas Periódicas, não sendo infelizmente ainda um tema de consenso na União Europeia, são hoje já um requisito obrigatório em países como a Alemanha, Itália, Espanha, Bélgica, Áustria e Hungria estando em fase de discussão na Holanda. O modelo de inspeção não sendo totalmente uniforme em todos os países, obriga, contudo, a que tratores que apresentem determinada idade e ou caraterísticas técnicas sejam sujeitos periodicamente à revisão de funcionamento dos seus órgãos de iluminação e visibilidade, travagem, condição de conservação dos pneumáticos, circuito de exaustão de gases de escape e órgãos de acoplamento de máquinas, incluindo veios mecânicos para engate à tomada de força de máquinas operadoras.
Citando o exemplo de Espanha, todos os tratores são obrigados a serem inspecionados a partir dos 8 anos de idade, dos 8 aos 16 anos a inspeção realiza-se a cada período de 2 anos e a partir dos 16 anos realiza-se anualmente, podendo a mesma ser feita em centros de inspeção fixos ou por unidades móveis que se deslocam à exploração agrícola à semelhança do que já acontece com os serviços de inspeção de pulverizadores. Ainda em Espanha, mais recentemente foi atualizada esta regulamentação legal no sentido de todos os tratores com velocidade superior a 40km/h sejam obrigados a serem inspecionados a partir dos 4 anos de idade.
Em Portugal, onde o tema tem sido alvo de alguma discussão, está, contudo, implementada desde 2004, no arquipélago dos Açores, a necessidade de inspeção de tratores agrícolas e seus reboques independentemente do seu peso bruto, quatro anos após a data da primeira matrícula e em seguida anualmente (Decreto Legislativo Regional nº 18/2004/A de 13 de maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional nº40/2006/A, de 31 de outubro).
Assim, face à realidade descrita, a segunda pergunta que me ocorre é saber qual o motivo pelo qual ainda este procedimento não foi alargado a todo o território nacional? Constituirá esta decisão uma ameaça ao custo de utilização de máquinas na atividade agrícola e florestal, ou pelo contrário uma oportunidade para pelo menos se alcançarem melhores níveis de qualidade do trabalho e segurança dos operadores e demais condutores que todos os dias utilizam ou se cruzam com estes veículos? Ainda a propósito deste item, lembrem-se os mais velhos, o que era em Portugal o parque automóvel antes e depois da introdução do regime de inspeção periódica de veículo automóveis…
A formação (foto1) é um ponto-chave para a prevenção de acidentes! A atual permissão de condução de veículos agrícolas apenas com a licença de condução de ligeiros não forma o condutor sobre os comandos no posto de condução de um trator agrícola, e este simples facto pode estar na origem de um acidente. Assim, a obtenção de licença profissional de condução de máquinas agrícolas em Portugal requer uma das seguintes opções:
1. Licença de condução de máquinas agrícolas obtida numa escola de condução;
2. Licença de condução de categorias B, C e D + Curso de Operar o Trator em Segurança (C.O.T.S);
3. Licença de condução de máquinas agrícolas obtida em Centros de Formação Certificados e reconhecidos pelo Ministério da Agricultura.
Sobre este assunto, cuja regulamentação prevê, em fevereiro de 2021, o início de ações inspetivas aos condutores sobre esta titularidade por parte das entidades competentes (Despacho n.º 1819/2019 que regulamenta o Decreto Lei n.º 151/2017 de 7 de dezembro), apesar do esforço que tem sido realizado, estima-se que apenas 30.000 operadores de máquinas já estejam na posse desta competência legal. Importa por isso, junto de todos os intervenientes (entidades formadoras, operadores, entidades públicas e privadas com o uso destes veículos) sensibilizar, motivar e agilizar este processo de modo a não deixar que o mesmo siga o já conhecido fado da prorrogação de prazos e adiamento do problema.
Complementar às ações de formação são igualmente importantes as ações de divulgação e sensibilização para a prevenção dos acidentes de trabalho com máquinas agrícolas. Estas podem constituir um verdadeiro instrumento para a mudança de atitude geracional ao iniciarem-se no ensino secundário, tomando em consideração que muitos estudantes nessas idades em zonas rurais são potencias utilizadores destas máquinas – recorde-se que a categoria II da licença de condução de máquinas agrícolas pode ser obtida aos 16 anos de idade; sendo estes operadores mais jovens os primeiros a alertar pais e avós para a necessidade de corrigir atos e condições inseguras na sua atividade profissional.
Relativamente à inovação na área de segurança, todos os tratores fabricados a partir de 1 de janeiro de 2018 cumprem um conjunto de novos requisitos de segurança, fruto da entrada em vigor do Regulamento Europeu 167 de 2013 (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/IT/TXT/?uri=celex:32013R0167) conhecido por “Mother Regulation”, que implica alterações significativas ao nível de órgãos de iluminação e visibilidade, sinalética de emergência, estruturas de conforto e apoio ao operador, sistemas de travagem, design e funcionalidade dos painéis de proteção de órgãos ativos do veículo, entre outros. Muito continua a poder ser feito, mas os fabricantes estão atentos e a dar sinais disso mesmo.
Assim sendo, deixo-vos esta minha terceira questão: porque é que em Portugal, contrariamente ao que já foi implementado em Espanha com o plano ‘PIMA Tierra 2014’, não foi ainda proposto um programa de abate de veículos agrícolas antigos com substituição por novos de maior eficiência energética, menos poluidores e pelas razões já expostas, mais seguros…? ou em alternativa, um incentivo ao renting que permita ao agricultor acesso ao que de mais recente se fabrica em matéria de tratores agrícolas?
Atenção, que a segurança não passa apenas pela montagem de um arco de segurança…até porque os tratores que não o têm são de idade elevada conforme já aqui descrito e por isso tratores frequentemente sem valor comercial e que em muitas caraterísticas estão aquém do desejado para um posto de trabalho. Por exemplo, se a montagem apenas de um arco (devidamente homologado) não for acompanhado pela colocação de um dispositivo de retenção do condutor (o conhecido cinto de segurança), o risco de esmagamento do operador contínua a poder ocorrer.
Muitos outros factos e reflexões podiam aqui ser abordadas em prol da segurança em máquinas agrícolas, como a obrigatoriedade de fiscalizar o uso do EPI (Equipamento de Proteção Individual) por parte dos operadores, a definição do regime sancionatório associado à imposição de montagem de avisador luminoso (o conhecido pirilampo) ou o controlo efetivo de máquinas e tratores no mercado de segunda mão, em especial as importadas e não homologadas em Portugal.
À data de escrever este artigo, sei que estão previstas algumas alterações legais sobre esta matéria; tenho esperança de que venham por bem e suficientemente ponderadas naquilo que é efetivamente preciso resolver – a adequação dos instrumentos mecanizados à atual realidade do sector agrícola de forma segura, moderna e sustentável.
Como última nota e não menos importante, recordar a importância dos comportamentos preventivos na redução dos acidentes de trabalho. Não é por acaso que o transporte aéreo continua a ser considerado o transporte mais seguro do mundo – a prevenção é a chave do sucesso! No caso do trabalho com máquinas agrícolas, a prevenção passa por cada um de nós, mas também pela consciencialização de todos quantos estão envolvidos na agricultura da avaliação de risco que a utilização de tratores e máquinas agrícolas implicam, e de quais as medidas que dela podem resultar ao nível da empresa, do trator, do local de trabalho e dos seus operadores.
Com a criação do CC InovTechAgro é dado mais um passo para a discussão e procura de soluções nesta área da mecanização através de um fórum alargado, representado por 65 entidades do sector privado e do sector público, que de acordo com o seu objeto e fins prevê a realização de atividades de dinamização, investigação e transferência de conhecimento junto dos agentes envolvidos no âmbito da agricultura de precisão, digitalização e mecanização agroflorestal, articulando estas ações com os demais centros de competencia de forma transversal às diferentes fileiras de produção e desta forma contribuindo decididamente para a competitivdiade e melhores condições de segurança para todos quantos trabalham no sector.
Texto de Luís ALcino Conceição, InovTechAgro
Professor Adjunto do Instituto Politécnico
Publicado na Edição nº 138 da revista Espaço Rural.
O artigo foi publicado originalmente em Rede Rural Nacional.