Francisco Avillez

Será que a modernização das explorações e a melhoria dos rendimentos dos agricultores nos últimos 15 anos levou ao crescimento do setor? – Francisco Avillez

1.  Introdução

São inegáveis as melhorias apresentadas pela agricultura portuguesa nestes últimos anos, as quais consistiram na introdução de novas culturas, na difusão de novas tecnologias, numa utilização mais eficiente dos recursos disponíveis, numa maior e melhor organização da produção, numa maior qualificação técnico-profissional do respectivo tecido empresarial e na cobertura de novos mercados nacionais e internacionais.

No entanto, contrariamente àquilo que se tem vindo muitas vezes a afirmar, estas melhorias, apesar do impacto muito positivo que têm tido sobre o aumento das exportações de diversos bens agroalimentares, só muito marginalmente se têm refletido no crescimento económico da agricultura, o que, em minha opinião, resulta da existência de claras contradições entre a evolução sofrida pela produtividade e o rendimento agrícolas por um lado e o valor acrescentado agrícola por outro.

O objectivo deste meu texto é o de procurar chamar a atenção para a evolução destes três indicadores da economia do sector agrícola nacional na última década.

Se, por um lado, é verdade que sem ganhos de produtividade dos factores não há crescimento económico num sector como o da agricultura, não é menos verdade que nem todos os ganhos de produtividade agrícola geram aumentos no respectivo valor acrescentado sectorial.

Se, por outro lado, é verdade que uma melhoria sustentada dos rendimentos dos produtores agrícolas implica um crescimento económico sustentável do sector, não é menos verdade que é possível, com base nas medidas de política agrícola, criar condições para que sejam obtidos aumentos no rendimento dos produtores agrícolas num contexto de evolução menos favorável do respectivo valor acrescentado.

O que se tem passado com a agricultura portuguesa nesta última década é um bom exemplo destas duas aparentes contradições, uma vez que, entre os triénios “2005” e “2015”, enquanto a produtividade do conjunto dos factores de produção agrícola cresceu a uma taxa média de 1,5%/ano e o rendimento dos respectivos produtores aumentou a uma taxa média de 1,9%/ano, o valor acrescentado bruto gerado pelo sector agrícola nacional teve uma evolução negativa, com uma taxa média anual de -0,9%.

2.  Produtividade dos factores de produção agrícola

A produtividade do conjunto dos factores de produção agrícola é, hoje em dia, medida por um indicador designado por Produtividade total do factores (PTF), com base no qual se procede à comparação do volume total de outputs com o volume total de inputs utilizados na produção desses outputs.

 O PTF é, portanto, um rácio que reflete o output gerado por um dado conjunto de inputs utilizados na sua produção e cujo aumento (ou redução) de valor exprime ganho (ou perda) do volume de produção que resulta de um decréscimo (ou acréscimo) no uso do conjunto dos respectivos factores de produção.

De acordo com as estimativas da Comissão Europeia de Dezembro de 2016, a produtividade total dos factores utilizados pela agricultura portuguesa cresceu nos últimos dez anos a uma taxa média anual de 1,5%, cerca de três vezes superior à estimada, não só para o conjunto da UE-15 (0,6%/ano), como também, para a agricultura portuguesa entre 1995 e 2005 (0,5%/ano). Importa sublinhar que, de acordo com as estimativas da CE, Portugal faz parte, conjuntamente com a Espanha e a Áustria, dos Países da UE-15 que maior crescimento apresentaram, nos últimos dez anos, na produtividade total dos factores agrícolas.

Na prática, o PTF obtém-se através da agregação de diferentes indicadores de produtividade parcial (terra, trabalho, factores intermédios e capital), cuja evolução reflete o efeito conjunto das alterações resultantes da adoção de novas tecnologias, de ganhos de eficiência por uma melhor utilização dos recursos disponíveis, de economias de escala e de uma melhor capacidade de gestão e de organização da produção agrícola.

Para se poder perceber as razoes que levaram aos ganhos alcançados pelo PTF na agricultura portuguesa nesta última década, importa analisar o comportamento de cada uma das respectivas produtividades.

2.1.      Produtividade parcial da terra

A produtividade parcial da terra, medida pelo volume de produção agrícola obtido por hectare de superfície agrícola cultivada (VP/SAC), teve um crescimento de 1,7%/ano entre os triénios “2005” – “2015”, taxa de crescimento média anual esta que foi mais significativa entre “2005” e “2010” (2,1%/ano) do que nos últimos cinco anos (1,3%/ano) (Quadro 1).

Estes ganhos de produtividade da terra foram, no essencial, consequência da redução ocorrida na SAC que atingiu os -1,6%/ano na última década, a qual foi acompanhada por um aumento no volume de produção agrícola de, apenas, 0,5%/ano. Importa, no entanto, sublinhar que nos últimos cinco anos os ganhos de produtividade alcançados foram, apenas, consequência do crescimento observado para o volume da produção agrícola (1,4%/ano entre “2010” e “2015”).

Quadro 1 – Produtividade parcial da terra e respectivos componentes: evolução na última década

2.2.      Produtividade do trabalho

A produtividade parcial do factor trabalho, medida pelo volume da produção agrícola por unidade de trabalho ano agrícola (VP/UTA), teve um crescimento de 4,4%/ano entre “2005” e “2015”, taxa de crescimento médio anual que atingiu os 2,8% entre “2005” e “2010” e 6%/ano, nos últimos cinco anos (Quadro 2). Estes ganhos de produtividade são, em grande medida, explicados pelo decréscimo do volume de mão-de-obra agrícola observado entre “2005” e “2015”(-3,8%/ano), o qual foi mais elevado no último quinquénio (-4,2%/ano) do que no primeiro (-3,2% ano). Significa isto que, ao longo dos últimos dez anos a saída de mão-de-obra da agricultura explica cerca de 85% dos ganhos de produtividade alcançados pelo factor trabalho, percentagem esta que, no entanto, se reduziu para 70% nos últimos cinco anos.

 

Quadro 2 – Produtividade parcial do trabalho e respectivos componentes: evolução na última década

 

2.3.Produtividade dos factores intermédios

A produtividade parcial dos factores intermédios (VP/CI), medida pelo valor da produção por unidade, em volume, dos factores intermédios de produção utilizados pela agricultura portuguesa, decresceu a uma taxa média de -0,6%/ano entre “2005” e “2015”, evolução esta que foi um pouco mais negativa entre “2005” e “2010” (-0,8%/ano) do que nos últimos cinco anos (-0,5%/ano) (Quadro 3).

Quadro 3 – Produtividade parcial dos factores de produção intermédios e respectivos componentes: evolução na última década


Esta perda de produtividade foi consequência de um crescimento no consumo dos factores intermédios entre “2005” e “2015” (1,1%/ano), duas vezes superior ao do volume da produção agrícola (0,5%/ano), evolução relativa esta que foi menos desfavorável  nos últimos cinco anos em que os CI e o VP em volume cresceram, respectivamente, 1,9%/ano e 1,4% ano. Importa realçar que são estas perdas na produtividade dos factores intermédios que explicam a quebra significativa verificada na eficiência no uso destes factores que vem bem expressa na taxa média de crescimento negativa observada para o valor acrescentado bruto gerado por unidade de volume de produção agrícola (VAB/VP) que atingiu os -1,3%/ano, nos últimos 10 anos (-1,7%/ano entre “2005” e “2010” e -1%/ano entre “2010” e “2015”).

2.4.      Produtividade do capital

A produtividade parcial do capital, medida pelo volume de produção agrícola por unidade de capital investido (VP/FBCF), também teve um comportamento negativo nos últimos dez anos (-0,8%/ano), o qual tendo sido nulo entre “2005” e “2010”, atingiu os -1,5%/ano nos últimos cinco anos.

Significa isto que, o aumento do volume de investimento agrícola nos últimos cinco anos (2,8%/ano), foi acompanhado por um acréscimo no volume de produção agrícola de, apenas, 1,4%/ano, o que nos deve alertar para a reduzida eficiência económica do esforço de investimento realizado com o apoio dos fundos comunitários (Quadro 4).

Quadro 4 – Produtividade parcial do capital e respectivos componentes: evolução na última década


Pode-se, assim, concluir que o ganho alcançado pela produtividade total dos factores agrícolas nesta última década (+1,5%/ano) resultou, quase exclusivamente, na melhoria das estruturas de produção das explorações agrícolas portuguesas, expressa pela evolução favorável observada para os hectares de superfície agrícola cultivada por unidade de trabalho  agrícola (SAC/UTA) a qual cresceu a uma taxa média anual de 2,6%/ano entre “2005” e “2015” e de 4,5%/ano nos últimos cinco anos, evolução esta que em quase nada influenciou  a capacidade do sector para gerar mais valor acrescentado.

Neste contexto, torna-se fácil compreender porque é que os ganhos alcançados na produtividade agrícola em Portugal não foram acompanhados por um crescimento económico do sector.

3.  Crescimento económico da agricultura 

O crescimento económico da agricultura portuguesa, medido pelo valor acrescentado bruto a preços no produtor constantes (VAB), apresentou, entre os triénios “2005” e “2015”, uma taxa média anual negativa de -0,9%/ano, a qual, tendo sido muito negativa (-2,1%/ano) no período “2005”-“2010”, melhorou nos últimos cinco anos, se bem que para um valor, apenas, ligeiramente positivo (0,4%/ano)(Quadro 5).

Foram três os aspectos que influenciaram mais directamente a evolução sofrida pelo VAB nesta última década:

  • a evolução da superfície agrícola cultivada;
  • a evolução da produtividade parcial da terra;
  • a evolução da eficiência com que os factores de produção agrícola foram utilizados.

 

Quadro 5 – Crescimento económico da agricultura portuguesa na última década (I)

Como já anteriormente referi, a SAC nacional decresceu a uma taxa de -1,6%/ano nos últimos dez anos, evolução esta que foi bastante diferente entre os triénios “2005” e “2010” (-2,6%/ano) e nos últimos 5 anos (0,2%/ano).

Por outro lado, a produtividade parcial da terra, medida pelo volume da produção por hectare de superfície agrícola cultivada, cresceu a uma taxa média anual de 1,7%/ano nos últimos dez anos, crescimento este que foi bastante mais positivo entre “2005” e “2010” (2,1%/ano) do que nos últimos cinco anos (1,3%/(ano). Estes ganhos de produtividade foram consequência, principalmente, da concentração da produção agrícola nos solos com maior aptidão e só complementarmente de melhorias resultantes, quer de alterações tecnológicas, quer de um uso mais eficiente dos recursos disponíveis.

Como os ganhos de produtividade da terra foram, na pratica anulados pelo decréscimo na SAC, o comportamento pouco favorável do VAB ao longo do período considerado, foi, no essencial, consequência das perdas de eficiência no uso dos factores intermédios de produção que vêm bem expressas pelo ritmo negativo apresentado pelo valor acrescentado bruto gerado por unidade de volume da produção agrícola (VAB/VP) que foi de -1,3%/ano nos últimos dez anos tendo, no entanto, apresentado melhorias entre os primeiros (-1,7%/ano) e os últimos (-1,0%/ano) anos do período analisado.

Uma outra forma de abordar o crescimento do VAB agrícola nacional é o de relacionar a sua variação com:

  • o número de unidades de trabalho agrícola ano (UTA);
  • a produtividade parcial do factor trabalho;
  • o VAB gerado por cada unidade de volume de produção.

Como já anteriormente sublinhei, apesar de entre “2005” e “2015” os ganhos de produtividade do trabalho (4,4%/ano) terem mais que compensado o decréscimo verificado no volume da mão-de-obra agrícola (-3,8%/ano), este saldo positivo não foi suficiente para compensar as perdas de eficiência no uso dos factores intermédios (-1,3%/ano). Importa, no entanto, sublinhar que o resultado da evolução destes três indicadores foi mais favorável nos últimos cinco anos, uma vez que a produtividade do trabalho cresceu 6%/ano, a redução do número de UTA foi de -4,2%/ano e o VAB gerado por cada unidade de volume de produção agrícola decresceu, apenas, -1%/ano (Quadro 6).

Quadro 6 – Crescimento económico da agricultura portuguesa na última década (II)


Pode-se, assim, concluir que os ganhos de produtividade da terra e do trabalho nestes últimos dez anos foram significativos, mas não suficientes para gerarem um crescimento económico aceitável para o sector agrícola português, uma vez que eles resultaram, no essencial, da redução quer da superfície agrícola cultivada, quer do volume de mão-de-obra agrícola e, não, como desejável no aumento da eficiência no uso dos factores.

4.  Rendimento dos produtores agrícolas portugueses

Para procedermos à análise da evolução do rendimento médio do conjunto dos produtores agrícolas portugueses, recorremos aos dados anuais das Contas Económicas de Agricultura referentes ao Rendimento Empresarial Líquido (REL). Este indicador corresponde à remuneração anual dos factores trabalho, terra e capital que são pertença dos respectivos produtores, ou seja, trabalho familiar, terra própria e lucros da exploração.

Para podermos analisar a evolução do REL ao longo do tempo procede-se à sua determinação por unidade de trabalho agrícola familiar (UTAF) e deflaciona-se o respetivo valor com base no índice de preços implícito no PIB, obtendo-se assim o indicador REL/UTAF a preços reais.

Da análise dos resultados deste indicador ao longo do período “2005”-“2015” pode-se concluir que o rendimento médio anual do conjunto dos produtores agrícolas cresceu a uma taxa média de 1,9%/ano, crescimento este que teve um comportamento muito distinto nos dois quinquénios em causa, uma vez que sofreu uma forte redução de -3,9%/ano, entre “2005” e “2010” seguido de um elevado crescimento (8%/ano) nos cinco anos seguintes.

Comparando estas taxas médias anuais com as que anteriormente apresentámos para o crescimento económico do sector agrícola nacional, verifica-se uma clara divergência entre estes dois tipos de resultados nos últimos dez anos.

Entre “2005” e “2010”, ambas as taxas de crescimento são negativas, sendo, no entanto, muito mais negativas para a evolução do rendimento dos produtores agrícolas (-3,9%/ano) do que para a evolução do VAB a preços no produtor constantes (-2,1%/ano).

Nos últimos cinco anos, ambas as taxas médias de crescimento são positivas, mas muito mais elevadas na evolução do REF/UTAF (8,0%/ano) do que no crescimento económico do sector (0,4%/ano).

Para melhor compreendermos estas divergências, importa desagregar o REL/UTAF nas três seguintes componentes (Quadro 7):

  • o REL sem PDP por hectare de superfície agrícola cultivada, que nos dá uma indicação da evolução do rendimento dos produtores agrícolas, independentemente da evolução das transferências de rendimento geradas pelos pagamentos directos dos produtores em vigor;
  • o PDP por hectare de SAC, que exprime a evolução, por hectare de superfície cultivada, das transferências de rendimento geradas pelos PDP em vigor;
  • os hectares de SAC por unidade de mão-de-obra familiar utilizada, que dão conta do processo de evolução estrutural sofrido pelo conjunto das explorações agrícolas portuguesas.

Quadro 7 – Rendimento dos produtores agrícolas portugueses e respectivas componentes:


Em relação ao ocorrido entre “2005” e “2010”, pode-se concluir que a evolução muito negativa sofrida pelo REL/UTAF se ficou a dever, no essencial, a uma quebra muito acentuada no REL sem PDP por hectares de SAC, que se reduziu a uma taxa média anual de -9%.

No que se refere aos elevados ganhos de rendimento dos produtores agrícolas (8%/ano) alcançados nos últimos cinco anos, conclui-se que estes foram consequência do efeito conjunto da melhoria, por hectare de SAC, do REL sem PDP (3,5%/ano) e, principalmente, da alteração estrutural expressa pelo indicador SAC/UTAF (6,1%/ano) a qual resultou, no essencial, de uma redução de -4,2%/ano do volume de mão-de-obra agrícola utilizada.

Importa, ainda, sublinhar que em ambos os períodos a evolução das transferências de rendimento geradas pelos PDP em vigor, pouco influência tiveram nas perdas ou ganhos do REL/UTAF, se bem que o seu peso, ao longo do tempo, tenha evoluídos de 51% no triénio “2005”, para 41% no triénio “2010” e para 44% no triénio “2015”.

Pode-se, neste contexto, concluir que as variações no rendimento dos produtores agrícolas portugueses não se encontram directamente relacionados com as variações observadas no crescimento económico do sector, o que parece indicar a existência de um conflito entre os interesses individuais e os interesses sectoriais, medidos respectivamente pelo REL/UTAF e o VAB a preços no produtor constantes.

5.  Conclusões

Do anteriormente exposto pode-se concluir que um dos principais desafios a vencer nos próximos anos vai ser o de promover decisões de âmbito empresarial e político-institucional capazes de contribuir para a resolução das contradições existentes entre, por um lado, a produtividade dos factores de produção e o rendimento dos produtores agrícolas e, por outro lado, o crescimento da economia do sector agrícola.

As decisões tomadas, nestes últimos dez anos, pelos agentes económicos ligados ao sector agrícola, num contexto desfavorável de preços relativos, deram origem, no essencial, as mudanças de natureza estrutural que pouco ou nada se refletiram no crescimento económico do sector. Só uma aposta futura em mudanças de natureza predominantemente tecnológica é que, em minha opinião, irá possibilitar uma maior solidez e sustentabilidade futura do crescimento da economia da agricultura portuguesa.

Assim sendo, as decisões empresariais e sectoriais a tomar no futuro devem dar prioridade quer a uma melhor eficiência no uso dos factores de produção, quer uma gestão mais sustentável da terra e da água, o que irá ter necessariamente implicações no tipo de medidas de política a privilegiar no âmbito da PAC pós-2020.

Francisco Avillez

Professor Emérito do ISA, UL

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