Será possível uma LEI DA ÁGUA… sem o Mundo Rural ? – Ilídio Martins

Após anos de benefício da dúvida, verifica-se (infelizmente) que a aplicação da Lei da Água em Portugal poderá confirmar-se um total fracasso. Uns dirão que é pessimismo, eu afirmo que é realismo e passo a expor as razões.

Por um lado os cidadãos em geral não estão minimamente informados e muito menos motivados e empenhados na implementação pratica de uma nova regulamentação que deveria visar a melhoria da qualidade e a sustentabilidade do recurso água. Por outro lado o divórcio da Administração relativamente aos cidadãos, leva que se tomem medidas totalmente desfasadas da realidade, colocando os cidadãos à margem das decisões. Cai assim um dos principais pilartes da Directiva Quadro da Água, que seria o grande envolvimento e participação dos cidadãos na nova politica da água.

Mas houve consulta publica!! Pois claro que houve. Houve a consulta publica que estava na Lei e a consulta publica que interessava á Administração, com os resultados que previamente já se anteviam. A Administração lamenta que a consulta publica foi pouco participada. É obvio que os cidadãos em geral já se aperceberam que algumas consultas publicas são apenas para cumprir uma obrigação legal e não para ouvir e atender os contributos que são efectuados.

Neste caso, conforme calendário da execução das medidas, todas as acções estão atrasadas em dois anos, com excepção da cobrança da Taxa de Recursos Hídricos (TRH), a qual foi antecipada em dois anos relativamente ao anunciado em processo de consulta pública. Esforçamo-nos para perceber o atraso e até já estamos habituados. Os cidadãos que receberam factura para pagar a TRH, sobretudo os que possuem actividades económicas dependentes da água, é que tem dificuldade em perceber e em participar em futuras consultas publicas porque se sentem defraudados, enganados.

A Directiva Comunitária foi publicada em 2000, a transposição para a legislação nacional iniciou-se em 2005 e prolongou-se até 2008, os resultados deverão obrigatoriamente ser obtidos até 2015. Passados todos estes anos, o Ministério do Ambiente, para além de não investir e de deixar degradar as poucas estruturas de monitorização existentes, não tem uma estratégia clara para levar ao terreno as medidas necessárias, ou melhor se tem, só os seus dirigentes o sabem, não deixando de ser estranho que, numa matéria de tão grande importância, como é a água, não se procurem envolver todos os cidadãos e os diversos sectores de actividade ligados a este recurso.

Poderá estar-se perante uma oportunidade perdida de levar a efeito uma das mais importantes reformas ambientais. A constituição das cinco ARH – Administrações de Região Hidrográficas é a demonstração pratica da falta de estratégia e da forma atabalhoada como está a ser levada á pratica a Lei da Água. Constituídas em 2008, sem dotação orçamental para um efectivo funcionamento, sem meios humanos e materiais adequados, restou aos seus dirigentes e funcionários o empenho e brio profissional, o qual se afigura manifestamente insuficiente. Estes novos organismos do Estado, em vez de ocuparem a capacidade dos seus técnicos na definição e implementação de medidas efectivas da melhoria da qualidade da água, começaram por ocupar todo o seu pessoal na necessidade de cobrar a Taxa de Recursos Hídricos, quais cobradores de impostos, quando de facto esse deveria ser um mero expediente secundário. A recente polémica com a tentativa do registo dos milhões de captações e utilizações de recursos hídricos existentes em Portugal, veio mais uma vez atestar da inoperância destes novos institutos. Os cidadãos ameaçados por multas astronómicas, acorreram aos serviços das ARH, as quais com algumas centenas de processos e sem qualquer sistema informático para tratamento de dados, ficaram desde logo inoperantes. Acresce a este facto a pouca e descoordenada informação, a pouca preparação dos funcionários, os quais apesar do seu voluntarismo e profissionalismos, se sentem impotentes para levar a cabo uma politica da água que, pese embora todos concordemos com os princípios gerais, discordamos na forma como está a ser aplicada.

Os agricultores e as actividades ligadas ao mundo rural desde logo manifestaram interesse e disponibilidade para colaborar neste processo. Todas as actividades ligadas ao mundo rural necessitam de água, quer para produzir, ou mesmo para poder subsistir, num meio cada vez mais desertificado em termos humanos. Quem vive no campo sabe da importância de poupar e preservar a água, quer para a sua sobrevivência, quer para os seus descendentes.

O Ministério do Ambiente poderia e deveria saber da importância do envolvimento do mundo rural numa verdadeira politica da água. É sabido que o Pais sofre de graves desequilíbrios ao nível do ordenamento, com excesso de população na faixa litoral e desertificação humana no interior. É sabido que o grande número de incêndios dos últimos anos também está associado ao abandono das áreas rurais, sobretudo aquelas que dependiam de agriculturas de sequeiro e actividades de subsistência. É sabido que face às irregularidades e sazonalidades temporais e territoriais do nosso clima, só uma actividade agrícola ligada ao regadio é viável economicamente, permitindo manter povoado o interior do Pais. Uma politica da água que não reconheça as externalidades positivas do regadio e apenas veja a agricultura como fonte de receita para financiar novos institutos do Estado, é uma politica míope e sem perspectivas.

Para o cidadão, pagar a TRH junto com a factura de consumo doméstico é apenas pagar mais um imposto, nada interferindo com o bom ou mau uso do recurso água. Para as actividades económicas que utilizam a água, a TRH é mais um custo que vai prejudicar a sua fraca competitividade. E sejamos claros, o principal alvo da TRH é o mundo rural e o sector agrícola de regadio em particular.

Será que todos os sectores da economia estão em crise e apenas o sector agrícola está prospero e em franca ascensão. Só acredita nisso quem não conhece a realidade, neste caso o Ministério do Ambiente. Será razoável que todos os sectores da actividade económica sejam objecto de medidas de apoio e que o sector agrícola, para além de ser desprezado, ainda lhe seja aplicada uma factura de milhões de euros do novo imposto? Porque somos o primeiro Pais da UE que aplica este imposto? E a troco de quê? Numa primeira fase para instalar mais cinco organismos do Estado, com mais funcionários, novas instalações e mais viaturas e regalias, numa altura em que, aparentemente, o Estado deveria reduzir o número de funcionários e o seu peso na sociedade. Numa segunda fase logo se verá o que pode fazer para melhorar a água.

A Directiva Quadro da Água está a ser desvirtuada com uma politica errada, que não une os cidadãos e os diversos sectores em torno do objectivo comum de preservar e melhorar a qualidade água e que, de uma forma intransigente, prejudica as actividades produtivas e põe em causa a competitividade da economia nacional. Isso mesmo já fizeram sentir a CAP, a FENAREG e a Associação de Municípios (pressionados pelo mundo rural), os quais tem uma oposição clara á forma como as medidas estão a tentar ser aplicadas.

Naturalmente que só o Ministério do Ambiente e quem não conheça a realidade do nosso Pais não vê o que é obvio. É lamentável que assim seja, uma vez que a água não pertence ao Ministério do Ambiente, é de todos e todos devemos procurar defendê-la e preservá-la para as gerações vindouras.

Ilídio Martins
Técnico da ARBCAS (Ass.de Regantes e Benef. de Campilhas e Alto Sado)
Vice Presidente da FENAREG (Federação de Regantes de Portugal)

Aplicar uma Lei da Água sem os Agricultores? – Ilídio Martins


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