José Palha

Será que é desta? – José Palha

No início de outubro o mundo assistiu, quase com incredulidade, à falha nas redes sociais mais populares por um período de mais de seis horas. Eu, tal como a maioria das pessoas, não achava possível o que estava a acontecer, e a minha primeira reação foi reiniciar o telefone – obviamente o problema seria meu… Não era, de facto. Pela primeira vez o Facebook, o WhatsApp e outras redes sociais estavam em baixo!

Neste momento no mundo, e em Portugal também, estamos a viver um período em que a falta de produtos já começa a ser uma realidade. Situações que decorrem da adaptação das empresas à pandemia. Refiro apenas dois exemplos dos muitos que existem: as fábricas de automóveis não tem componentes para trabalhar e não há veículos para vender; os fabricantes de papel, que se adaptaram às necessidades dos clientes na pandemia, e começaram a produzir caixas para fast food em cartão, agora não produzem folhas, o que faz com que já haja falta de papel. Aliado a isto, um aumento de preços generalizado, nomeadamente da energia, dos combustíveis, dos fretes marítimos, etc.… Juntamos ainda um forte consumo de matérias-primas pela China e a também forte especulação, que nestes momentos se mostra com grande exuberância, e temos uma tempestade perfeita.

No caso da agricultura, e especialmente no caso dos cereais, Portugal depende em cerca de 90% de países terceiros (na UE apenas Malta tem uma situação pior que a nossa). A situação é particularmente grave no caso do trigo mole para o pão e do trigo duro para massas. Ou seja, o nosso grau de autoaprovisionamento não atinge os 10% pelo que, nos tempos conturbados em que vivemos, a falta deste cereal pode mesmo ser uma realidade. Os países que nos fornecem podem parar as exportações, os cargueiros carregados podem ser desviados para países que paguem mais, ou podem simplesmente não conseguir descarregar devido à enorme pressão que se vive nos portos.

Algo que ninguém imaginava possível, no mundo global em que vivemos, pois aquilo que não produzimos, compramos a outros. Tal como ninguém imaginava uma falha no Facebook…

Os tempos são diferentes, em constante mutação e, na minha opinião, alguns produtos básicos deviam ser olhados com outra atenção. Os cereais são o exemplo maior deste problema. É urgente uma mudança de política para inverter esta situação. O caminho já está identificado e é bem claro: em 2018, o primeiro governo do Dr. António Costa aprovou uma estratégia para a promoção da produção de cereais, contruída pelo Ministério da Agricultura com o total envolvimento da produção e que, em 17 medidas específicas, trilhava o caminho para um grau de autoaprovisionamento de 25%, nível ainda baixo, mas que nos colocava uma situação de menor dependência.

Passados três anos, e apesar do “alegado” empenho do Ministério, nada aconteceu. Aliás, a medida mais emblemática desta estratégia – que passava pela reativação de uma ajuda ligada à produção de cereais no âmbito da PAC, a arrancar já em 2022 – foi pura e simplesmente descartada, ainda que esta já estivesse preparada, discutida com a produção, a Comissão Europeia e, até, amplamente anunciada. E, convenhamos, não era uma novidade. Falamos de uma medida que já existe em 10 países da EU…

A tutela tem ido exatamente em sentido contrário ao da resolução do problema, mas, e tanto quanto sabemos, no novo PEPAC a situação finalmente será corrigida, assim esperamos…!

Neste momento o problema é real, existe, e é o momento de olhar para o sector agrícola como um sector estratégico para o País e não como o parente pobre da economia, bode expiatório e moeda de troca em jogos de política doméstica, alvo de cedências a outros partidos a troco de apoio parlamentar.

A agricultura não para, e não falha! Nos momentos mais críticos da pandemia nada faltou na mesa dos portugueses. Este trabalho da produção nacional deve ser olhado pela sociedade com outro olhar. Uma sociedade que, em períodos de fartura, anda distraída a procurar problemas nos modos de produção e a classificar os agricultores como inimigos do ambiente, quando o que se passa na realidade é o contrário. A generalidade dos agricultores e de todos que os trabalham nesta área são os principais protetores do ambiente e da biodiversidade, produzindo com cada vez mais eficiência e tecnologia, para que nada falte à mesa dos portugueses, com o menor impacto ambiental possível.

Esperemos que não aconteça com os bens de primeira necessidade o que aconteceu com as redes socias, que o sector agrícola passe a ser olhado pela sociedade em geral e pelo poder político em especial, com a importância que tem para Portugal e para os Portugueses. Será que é desta?

José Pereira Palha

Agricultor

Presidente da direção da ANPOC – Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais

A sustentabilidade, a digitalização e a PAC – José Palha


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