1. A 11 de Fevereiro, o Papa Bento XVI anunciou a sua resignação devido à idade avançada e falta de forças face às exigências das funções que ocupava e às necessidades da Igreja. Depois da surpresa inicial, fica o exemplo de saber sair pelo próprio pé e dar lugar à renovação. Um bom exemplo para muitos dirigentes agrícolas que mesmo ao fim de muitos anos não conseguem deixar o poder. Quanto mais tempo passa, mais difícil é sair. Para onde vou? Que vou fazer? Como vou ocupar o tempo? Quem virá para o meu lugar seguirá o caminho que me parece correcto? Não escrevo a pensar em qualquer pessoa ou organização em particular. Vou tendo conhecimento de casos de pessoas agarradas aos lugares de poder e protagonismo nas várias regiões e sectores produtivos. Também não vou fazer julgamento de intenções. Por princípio, vou admitir que as intenções são boas e que está sempre por cima o valor do bem comum. Para outros casos não vale a pena gastar latim. Para os homens de boa vontade, deixo um apelo ao limite voluntário de mandatos, quando os estatutos ainda não os impõem. Partilhemos esforços, decisões e tarefas. Estejamos ao serviço algum tempo e saibamos partir. Um bom orador sabe calar-se antes de maçar. Um bom líder prepara a sucessão e sai por cima. Um mau líder agarra-se ao poder com unhas e dentes e sai derrotado pela idade, pela doença ou pelo desmoronar da organização envelhecida ou falida.
2. A Resignação de Bento XVI permitiu a eleição do Papa Francisco. O até agora Cardeal Bergoglio escolheu Francisco por sugestão de outro Cardeal, em homenagem a Francisco de Assis, que há 800 anos revolucionou e renovou pela pobreza uma Igreja então cansada, opulenta e desgastada por 1200 anos de história e poder. Deixemos os pecados da Igreja para outra análise mas pensemos no desgaste, na opulência e nalguns salários excessivos das nossas organizações agrícolas. Olhemos não para os erros mas para o exemplo e para os sinais de simplicidade do novo papa que soube ser simples e viver pobre e parece mais livre e feliz do que quem vive no luxo.
3. Na primeira audiência com os jornalistas o novo papa relatou as palavras do Cardeal Humes ao seu ouvido, momentos depois de eleito: “Os pobres! Não te esqueças dos pobres”. E depois o Papa Francisco acrescentou “Quero uma igreja pobre e para os pobres”. E disse-o num tom que cativou a todos e desarmou (por agora) aqueles a quem isso vai incomodar por implicar mudança e despojamento.
Queria eu conseguir falar ou escrever de forma simples, terna e desarmante como o Cardeal Humes ou o Papa Francisco. Quem tiver oportunidade de falar ao ouvido dos poderosos (e ser ouvido!), fale-lhes dos pobres e dos agricultores escravos que se arruínam a trabalhar.
4. Ao tocar nestes assuntos de poder e dinheiro, arriscamos mais depressa seguir o exemplo de João Baptista, que há 2000 anos também viveu a pobreza, propôs o arrependimento e a renovação, denunciou os pecados de Herodes e pagou com a vida por isso. No Portugal do Século XXI já não devemos ter medo de ficar literalmente sem a cabeça como João Baptista, mas quem incomodar o “poder” com palavras de denúncia, posições firmes ou a hipótese de ser alternativa deixa de ser uma promessa simpática para o futuro e torna-se uma ameaça e alvo a “abater”. É próprio da natureza humana que assim seja, mas, ao longo da história, desde o antigo testamento até aos dias de hoje, nunca deixamos de ter profetas e também hoje alguém tem de assumir essa tarefa. Pode custar, mas tem que ser.
Carlos Neves
Nota do Editor:
Carlos Neves é produtor de leite em Árvore – Vila do Conde e Presidente da Associação dos Produtores de Leite de Portugal (APROLEP).
Participa ou participou nos corpos sociais de diversas organizações agrícolas (AJADP, AJAP, CAVC).