Sobre o fogo derramado – Miguel Freitas

Voltou o “espectáculo” do fogo às nossas casas. Todas as notícias são tomadas pelos incêndios florestais. Há vítimas a lamentar. Três bombeiros perderam a vida. Não podemos ficar indiferentes. É preciso continuar a avançar.

O fogo é o inimigo que nunca nos deixará sossegar. Mesmo sabendo que quase tudo melhorou no dispositivo operacional. Hoje há uma efectiva coordenação entre entidades. Há uma primeira intervenção com elevado grau de eficácia. Há meios aéreos suficientes e bem adaptados. Há corpos de bombeiros mais bem formados e melhor equipados. Há 250 equipas de sapadores a trabalhar na floresta. Há uma boa rede de vigilância e de fiscalização. Há um programa de voluntários para a floresta que envolve milhares de jovens. Temos um dispositivo consolidado.

Mas dependemos muito da meteorologia. E da mão humana. O número de ocorrências continua abissal. Há dias com mais de 450 ignições. Com um dispositivo preparado para 200 ignições diárias. E quando assim é há sempre um “fogo que foge”. Não se consegue chegar a tempo a todas. De qualquer modo, mais de 90% dos fogos são apagados na primeira hora. Absolutamente notável.

É preciso haver uma avaliação correcta e profunda de tudo quanto se passou. Uma investigação apurada aos grandes fogos. Uma discussão séria sobre as campanhas de sensibilização. E dar informação continuada sobre os inquéritos realizados pela Polícia Judiciária e sua sequência para acabar com essa ideia de impunidade para com os incendiários. Mas há uma evidência. O combate é, no essencial, eficaz.

A questão continua na floresta que temos. E no esforço de alteração estrutural que é preciso fazer. Para isso a floresta tem de ser uma prioridade nacional. Pelo que representa para a economia, para a ecologia dos territórios e para a sociedade. Não vale a pena chorar sobre o fogo derramado. É preciso prevenção. Com responsabilidade.

Nesta matéria, arrisco um conjunto de propostas em três frentes: a coordenação política, o ordenamento e a organização florestal e o financiamento e a fiscalidade na floresta.

Para consolidar o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios deve existir um comando político único na coordenação da prevenção e combate aos fogos florestais, que permita uma maior articulação interministerial, continuidade nas mudanças estruturais e estabilidade no terreno operacional.

Os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, peça essencial deste puzzle, têm de ser concretizados e vertidos nos Planos Municipais com um quadro claro para o financiamento das suas acções prioritárias. O cadastro predial da propriedade rústica tem de avançar. Tem custos elevados. Mas sem ele tudo é muito mais difícil. As Zonas de Intervenção Florestal são um elemento determinante da política de gestão florestal, sendo necessária a flexibilização na sua constituição e clarificação nos apoios. Deve-se dar maior responsabilidade às Organizações de Produtores Florestais, através de um regime de contratualização com o estado, com plafonamento e auto-regulação e criar um sistema de certificação e avaliação de desempenho das entidades.

O Fundo Florestal Permanente é um instrumento importante, sendo necessário avaliar a distribuição e aplicação das suas verbas e introduzir mecanismos para melhorar o acompanhamento da sua execução. O PRODER deve prever a criação de uma bateria de indicadores de gestão e uma estrutura de acompanhamento dos projectos de silvicultura preventiva. A revisão da moldura fiscal deve-se adequar aos ciclos longos do sector florestal e à necessidade de investimento e gestão sustentável da floresta.

Espero que no próximo ano o “espectáculo” sobre a floresta não seja o fogo. É o Ano Internacional da Floresta. Os programas de informação televisiva, os jornais e as rádios de referência devem-se unir. Para uma grande campanha de prevenção e defesa da floresta contra incêndios. E cumprir assim, também, a sua responsabilidade social.

Miguel Freitas
Deputado do PS
Relator da Comissão Eventual para os Fogos Florestais de 2005


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