Sobre ordenamento do território

image

Por causa de uma intenção (ou decisão, não sei, nem procurei) do Governo alterar uma questão na lei dos solos, um colega meu fez um comentário muito áspero sobre o que iria acontecer.

Eu, que não conheço a proposta e tenho dúvidas de que este Governo faça a mínima ideia do que pretende da política de ordenamento do território (admitindo que a tem), dúvida que aliás estendo às políticas de conservação da natureza ou de gestão do fogo, por exemplo, voltei a dizer o que já disse muitas vezes: a actual estrutura administrativa e legal de ordenamento do território deveria ser exterminada.

Claro que é uma afirmação retórica, semelhante à que o meu pai fazia dizendo que se se extinguisse o ministério da agricultura e se distribuísse o dinheiro gasto com esse ministério os agricultores ficavam a ganhar.

No essencial, e sendo mais rigoroso, a política de ordenamento do território e o colete de forças legal que a condiciona, embora condicione menos que a cultura administrativa dominante, não serve para ter paisagens mais ordenadas, sendo muito duvidoso que a qualidade das paisagens em Portugal fosse menor se se tivesse deixado andar tudo sem regras.

Não é que eu seja contra regras de ocupação do espaço, sou até bastante radical com algumas delas, como a ocupação urbana de leitos de cheia ou de solos de elevada produtividade, o que acho é que a natureza dessas regras deveriam mudar radicalmente, o objectivo deveria deixar de ser a imposição de um modelo de paisagem para passar a ser a mera defesa de valores considerados fundamentais.

E o processo de gestão também deveria ser radicalmente alterado, em vez do modelo de coerção administrativa que hoje é esmagadoramente dominante, deveríamos caminhar para modelos contratuais em que o Estado se entretém a definir incentivos para que as pessoas comuns tomem decisões que se consideram melhores, em vez do Estado se entreter a escrever em papéis o que deve existir em cada sítio, e depois as pessoas que se amanhem com as dificuldades de sustentabilidade do que se pretende (esta ideia está, pelo menos parcialmente, nos programas políticos da Iniciativa Liberal mais inicial, nos mais recentes, não).

Um bom exemplo é a porcaria da legislação de protecção do sobreiro e da azinheira, com a qual se pretende conservar espécies que estão longe de estar ameaçadas (ou, sequer, em diminuição relevante, as dúvidas que possam exisitir prendem-se com o impacto de doenças, um assunto que não se resolve com legislação), mas cujo principal impacto é condicionar grandemente o investimento na produção relacionada com estas duas espécies porque, com a actual legislação, ter sobreiros ou azinheiras num terreno é transferir direitos de propriedade para um Estado em que as pessoas não confiam.

Tanto quanto percebo, o Governo reconhece que há problemas no acesso à habitação, deve ter ouvido uns autarcas (não precisa de ir muito longe, há vários no Governo) que lhe disseram que os PDMs e a Lei dos Solos não deixam construir e o Governo passou a querer mudar a lei dos solos.

Eu acho que isto não é maneira de tratar do assunto, entre outras razões porque me parece que o Governo está a ser simplista na análise do problema (mas, como digo, não fui verificar bem o que está em causa), mas acho pouco relevante, os Governos têm muito menos importância nas dinâmicas sociais do que geralmente se admite, nomeadamente nestes sectores de actividade.

Mas os riscos não me parecem grandes, basta olhar à volta para qualidade da paisagem que nos rodeia, que inclui a nossa incapacidade de ter paisagens que convivam serenamente com o fogo, a nossa incapacidade para produzir biodiversidade em níveis óptimos, a nossa capacidade para lidar com fenómenos meteorológicos extremos, etc., para perceber que o grande aparato administrativo e legal que existe não tem dado grandes resultados.

O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.


Publicado

em

, ,

por

Etiquetas: