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Sobre um futuro da vinha em Portugal – Manuel Cardoso

Um futuro da vinha no continente de Portugal, tomando como certos os vaticínios transmitidos por Gregory-Jones, pela ADVID, pela PORVID, pelas conferências do Adrian Bridge e pela multiplicidade de outras iniciativas e produção científica que tem havido sobre as soi-disant alterações climáticas, poderá resumir-se: a vinha irá subir em latitude e em altitude para sobrevivência produtiva das castas, e algumas darão lugar a outras se se quiser manter a produção nalguns sítios.

À escala europeia, há vinhedos a reinstalar-se em países e regiões em que já tinham estado na Idade Média, antes da Pequena Idade do Gelo, que veio fazer descer as vinhas em latitude e em altitude até recentemente, e de onde tinham desaparecido. Estamos num movimento inverso, hoje em dia, e Portugal não foge à regra, embora uma regra à portuguesa, felizmente: com as nossas biodiversidade vitícola, diversidade climática e multiplicidade de terroirs, o mosaico paisagístico da vinha nacional continuará  interessante. Há empresas que vêm executando investimentos de correcta gestão e conservação da natureza. O homem pode gerir mas a natureza impõe. Também os espanhóis, avisadíssimos, sempre com o seu olho ibérico muito aberto (como todos sabem, a vinha pode e deveria ser entendida ibericamente já que a nossa fronteira em termos de uvas e de fitossanidades é meramente convencional…)  já há anos assim orientam os seus.

Um pouco por todo o lado se adoptam tecnologias tácticas inseridas nesta estratégia de adaptação às alterações climáticas e de investimentos em consonância: sistemas de rega, de controlo de humidade e de drenagens, reinstalações menos ensolaradas, plantações em altitude, inovação de produtos anti escaldão, reestruturação de vinhas com castas e porta-enxertos adequados à subida das temperaturas, plantação de árvores de ensombramento, etc. e é bom ver a inteligência de tal planeamento. A imprevisibilidade é imensa num cenário em que a irregularidade do clima é expectável, com ocorrência de fenómenos extremos de geadas tardias, chuvas e humidades persistentes, fitopatologias, temporais, granizos, enxurradas, escaldões e períodos de dias e noites de temperaturas acima dos 30°C a fazer “esturrar” algumas castas. Não nos referimos a um futuro próximo, referimo-nos já ao presente com a sua irregularidade. Todos os viticultores terão de fazer o seguro vitícola de colheitas… Há soluções já implantadas no terreno que merecem atenção e réplica.

O percutor do tema deste artigo foi um pedido de opinião que tivemos sobre a pertinência, em tese, dum investimento em vinha em Portugal, tendo em perspectiva as alterações climáticas. Sem dúvida que a Península Ibérica é um excelente hot spot vitícola para investir e, em especial, Portugal. E considerámos muitos factores, com a sedução de se estar em futurologia e, como tal, no campo em que o palpite acompanha o sonho e em que o risco da imprevisibilidade fica apagado pelo tempo que decorrer até à sua confirmação ou não…

Considerando que o investimento seria para castas autóctones com horizonte até 2100, achámos que teria de ser concretizado da Bairrada e Dão (inclusive) para cima. Um investidor com vontade de se instalar com visão inovadora mas querendo agarrar a tradição da biodiversidade local e nacional seria bom, ultrapassadas as dificuldades de conseguir emparcelar os terrenos a adquirir. O especial Távora-Varosa também seria boa oportunidade, houvesse propriedades emparceláveis disponíveis sobretudo nos vales onde vicejaram os vinhedos medievos cistercienses: tem altitudes capazes de minimizar os impactos excessivos do sol e temperaturas, tal como a Beira Interior. O Douro tem sítios extraordinários para tal e já hoje estariam a ser ocupados se não fosse a política de limitação ao aumento de área plantada, sobretudo nos vales da margem direita em que há terrenos com matas de pinho ou infestados de ailantos e eucaliptos, com terroirs magníficos e exposições ideais para sobrevivência feliz das castas mais sensíveis. Trás-os-Montes seria incrível: quase todos os microclimas nacionais ocorrem aqui, tem espaços de refúgio em altitude para ter vinhas extensas, não é acaso hoje a procura de uvas trasmontanas, de qualidade fitossanitária!

Mas, então, a Bairrada, Lisboa, o Alentejo, o Tejo, a Península de Setúbal, o Algarve?! O objectivo deste investimento teria/tem pressupostos subjacentes, mencionados acima, focados nas castas autóctones e no impacto das alterações climáticas, sem desprimor para estas regiões e a sua qualidade actual, o que faz com que seja do paralelo da Serra do Bussaco para cima!

Vinhos Verdes: será a região de Portugal que mais terá a ganhar com as alterações climáticas, será um regresso ao passado já algo distante, o do Óptimo Climático Medieval, em que as suas uvas, então maturando regularmente e engordando nos vales fecundos, deram os primeiros vinhos portugueses afamados internacionalmente. O nosso investidor terá de ter castas brancas para rentabilidade imediata mas terá de ter, maioritariamente, castas tintas, porque será nestas a maior evolução que se verificará ao longo deste século. Hoje relegadas para último plano, em si conservam o potencial fantástico dos mais exquisite flavours das castas portuguesas. Dão vinhos adstringentes e ácidos, vinosos, demasiado encorpados? Pois sim. Ver-se-á daqui a uns anos, e breves!

Manuel Cardoso

Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.


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