Catorze entidades da sociedade civil fazem um apelo público à Secretaria de Estado da Conservação da Natureza para evitar que a recente entrada em vigor do novo sistema de indemnização de danos causados pelo lobo-ibérico não ameace a coexistência com esta espécie ameaçada em Portugal.
Ao longo dos anos, várias ONGAs e investigadores portugueses têm vindo a alertar o Estado português para os problemas que o sistema de indemnização de danos causados pelo lobo-ibérico levanta, nomeadamente junto dos produtores pecuários. Este descontentamento tem-se agravado nos últimos anos, após a entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 54/2016, que veio prever um novo mecanismo para o cálculo da indemnização, e que consideram representar um risco preocupante à conservação do lobo-ibérico em Portugal.
Com a proximidade do término da norma transitória1 prevista nesse diploma, introduzida com o objetivo de permitir a adaptação de modos de pastoreio existentes ao novo regime indemnizatório, e perante várias preocupações sobre os moldes em que funciona este sistema de indemnização, desde outubro de 2021 que 14 entidades da sociedade civil têm vindo a alertar o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a Secretaria de Estado da Conservação da Natureza sobre a necessidade de rever o Decreto-Lei nº 54/2016 de forma participativa com todas as partes interessadas e de prorrogar a sua norma transitória antes do seu término, no final de 2021.
Após quase cinco anos de aplicação do referido Decreto-Lei, as entidades signatárias alertaram assim para a existência de uma série de problemas. Entre eles, está a maior dificuldade na declaração dos danos pelos produtores que, por ser realizada digitalmente, constitui um processo menos inclusivo. Ou a redução dos valores das indemnizações devido ao regime de redução progressiva e de penalização adicional sempre que não se cumpram todos os requisitos de proteção, quando não se facilitou suficientemente o acesso e o apoio técnico para a correta implementação dessas medidas em diferentes sistemas de maneio pecuário existentes na área de distribuição do lobo-ibérico. É ainda de realçar que muitos dos sistemas extensivos de maneio do gado não se coadunam com os requisitos do Decreto-Lei, como é o caso dos equinos e bovinos em algumas regiões do país. Por outro lado, o novo Decreto-Lei não resolveu o problema dos atrasos no pagamento das indemnizações, existindo processos pendentes de pagamento desde 2018, segundo dados disponibilizados pelo ICNF até ao momento.
Inação do Estado põe em perigo espécie ameaçada: norma transitória de compensação por danos causados ao gado pelo lobo-ibérico devia ter sido prolongada para 2022. Fonte: ICNF.
As entidades signatárias alertaram ainda para o facto de que a insatisfação com o atual sistema e a redução do número de danos declarados ao ICNF (Figura 2), está a levar a que muitos produtores não vejam compensadas as suas perdas, percecionando-se a desresponsabilização do Estado pelos danos causados pelo lobo-ibérico. Esta situação pode conduzir a retaliações, resultando no aumento do furtivismo direcionado ao lobo, com impactos não apenas neste predador mas na biodiversidade em geral. Este risco é inaceitável, desnecessário e pode comprometer a conservação e a recuperação da espécie, que está ainda “Em Perigo” de extinção em Portugal, estando protegida por lei desde 1988 (Lei n.º 90/88, de 13 de agosto).