Francisco Toscano Rico

Sustentabilidade: Autorregulação ou Esta(la)dão, eis a opção! – Francisco Toscano Rico

Conseguirá o IVV federar as associações do setor ou assumirá o papel de mero ajuntador de músicos para tocar o réquiem da autorregulação no vinho ? Veremos surgir um referencial privado ou ser-nos-á imposto um modelo público de sustentabilidade que ninguém quer nem pediu ?

Um pouco por todo o mundo vemos surgir referenciais de sustentabilidade, coexistindo modelos de autorregulação com referenciais puramente comerciais. Estes últimos vêm engrossar a longa lista de referenciais que proliferam no setor agroalimentar, sendo já considerado por muitos como a principal praga do séc. XXI. Coisa bem diferente são os referenciais nascidos por iniciativa empresarial, dos próprios agricultores e agroindústria, sendo este o modelo adotado nos principais países ou regiões vinhateiras do mundo, como seja o Chile, Espanha, Nova-Zelândia, Austrália e Califórnia.

Com o reconhecimento da Viniportugal em 2015 como organização interprofissional do setor vitivinícola e com a publicação em 2020 da nova Lei-Quadro das Regiões Demarcadas, muitos julgaram que iríamos finalmente assistir ao primado da autorregulação neste setor.

Puro engano, não só a Viniportugal não dá mostras de querer extravasar a sua atuação para além da promoção externa como também, como agora se percebeu, a autorregulação será sempre uma falácia enquanto a arquitetura institucional do setor estiver fundada num modelo de taxas públicas, pelo menos nos moldes em que está legislado. Este modelo de taxas públicas, que captura as poupanças do setor, impondo-lhe assim um voto de pobreza coletiva e uma cultura de mendicidade, anula em grande medida a capacidade de iniciativa e de intervenção do próprio setor. São estas duas as principais causas responsáveis por não termos ainda um referencial de sustentabilidade nacional, sendo que ambas estão fortemente correlacionadas pois a capacidade de intervenção privada está, por Lei, espartilhada e menorizada pelo modelo publico de taxas vigente, o mesmo sucedendo ao nível regional com as Comissões Vitivinícolas Regionais (CVR). Ou seja, o que ajudou inicialmente a fazer crescer o setor está hoje a sufocá-lo.

Entretanto o IVV surge em cena, propondo-se liderar os trabalhos de construção do referencial de sustentabilidade para o setor. Sinceramente, não vejo no quadro atual melhor alternativa a este caminho, saiba o IVV juntar à sua volta as associações e constituir com elas uma equipa técnica capaz de abraçar este desafio, que culmine num grande referencial de sustentabilidade nacional, célere na sua conceção, credível e simples e barato para os produtores.

A bem do setor nacional, é importante que as associações respondam favoravelmente a este repto do IVV, mas com uma condição de base intransponível, o referencial tem de ser privado e como tal ser objeto, como manda a nova Lei-Quadro, de um acordo interprofissional aprovado em sede da assembleia geral da Viniportugal e posteriormente reconhecido nesses termos pelo IVV. Às Regiões (CVR) caberá um papel da maior importância, o de fazer acontecer no terreno, passando do papel à prática (é aqui que entram os planos de sustentabilidade).

Só assim podemos garantir que o caminho será feito de acordo com as necessidades e ambições do setor. Se enveredarmos por um referencial publico, ainda que no primeiro momento se revele como o pináculo da perfeição, não é preciso ser grande estadista ou visionário para antever que, logo de seguida, iremos assistir a todo o tipo de pressões externas por parte de entidades e organizações que tudo farão para impor as suas ideologias e convicções, muitas vezes radicais e tecnicamente infundadas e desfasadas da realidade e alheias aos objetivos e visão dos produtores e da sociedade civil. O agroalimentar está sob ataque cerrado e vemos como o poder político é permeável a estes discursos e pressões, como todos assistimos, incrédulos, por ocasião da discussão do orçamento de estado de 2021.

A sustentabilidade é o grande tema do momento. A opção que se coloca é se caminhamos para um referencial nacional privado, sedimentando assim o primado da autorregulação, ou se porventura iremos assistir à sua capitulação logo no primeiro “round” e nesse caso, veremos quem serão os dignitários merecedores de terem o seu nome inscrito nas lápides do mortório da autorregulação vitivinícola, seja por ação seja por omissão, e não sei qual delas é a mais grave.

Francisco Toscano Rico

Eng.º Agrónomo e Presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa

Álcool e Saúde – “À chacun son métier, à chacun sa responsabilité” – Francisco Toscano Rico


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