Também no (Sector do) Leite se constroem muros… – João Freire

Foi publicado em Diário da República, no passado dia 9 de Junho, o Decreto-Lei n.º 62/2017, que “estabelece o regime aplicável à composição, rotulagem e comercialização do leite, dos produtos derivados do leite e aos produtos extraídos do leite”. Entre outras obrigações, estabelece a da indicação (nas embalagens) da origem do leite utilizado como ingrediente nos produtos lácteos, devendo ter a menção do País de ordenha e do País de transformação.

Depois de França e de Itália seguiu-se Portugal e, acreditando nas notícias que nos chegam do País vizinho, também Espanha implementará até final do ano igual disposição.

Não estou certo de que caminhemos na direcção certa. Não creio que a resolução dos problemas que afligem (e muito!) este sector, passe por uma “renacionalização” da PAC.

Sendo aparentemente uma “boa medida” do ponto de vista da protecção da produção nacional, o que acontecerá às nossas exportações quando a Europa “mais próxima” tiver implementado a “sua” Lei da Origem? Como vão encarar os nossos vizinhos a entrada de leite e de outros produtos lácteos “estrangeiros” nos seus Países? Como nós?

Dir-se-á que existe espaço no nosso País para produzir aqueles produtos que hoje (cada vez menos) importamos, consumindo assim um maior volume de leite em natureza e até dando espaço e condições de crescimento aos nossos Produtores de leite. Mas existem condições de rentabilidade e de mercado, actuais e futuras, para se promoverem e amortizarem os investimentos que se venham a revelar necessários? Com o inevitável aumento de custos estará o consumidor disposto a pagar mais por um produto que hoje lhe fica mais barato? E o que faremos quando se colocar a questão “que fazer aos excedentes de leite crú?” que, ciclicamente, se geram? Se hoje, quando essa situação se coloca a exportação é uma via de escoamento, o que faremos com eles quando essa possibilidade não existir ou for dificultada?! Que efeito terá nos preços nacionais de aquisição do leite crú à produção a diluição desses volumes “extra” no mercado nacional? E não nos esqueçamos de que continuará sempre – como hoje – a existir a tentação de colocar alternativas mais baratas no linear de venda ao público…

Por outro lado, também é comum ouvir falar-se em “inovação” e da necessidade (exigência, mesmo!!!) que existe de os Industriais “inovarem” por forma a serem cada vez mais competitivos, colocando à disposição do consumidor mais e melhores produtos. Só alguém muito distraído (para ser simpático…) pode dizer tal coisa. Alguém pode, hoje, ficar verdadeiramente indiferente perante a oferta e diversidade de produtos lácteos que se encontram num linear de supermercado, à disposição do consumidor?! Desde o leite aos iogurtes, passando pelos queijos e manteigas, é de tal forma diversa e abundante a oferta que nenhum segmento da população se vê hoje “obrigado” a ficar excluído do consumo de leite e lacticínios.

Não resulta isto da inovação? da resiliência? do querer e da vontade que a Indústria tem demonstrado?

Creio firmemente que também por falta de debate e esclarecimento (vontade de?) entre todos os intervenientes no Sector se perdeu mais uma oportunidade para valorizar um produto tão nobre e que tanto esforço implica na sua obtenção como é o leite. A excelente ideia de fornecer ao consumidor a “identidade” daquilo que está a consumir não resistirá, por muito “pó” que se queira levantar à sua volta, não resistirá dizia, aos baixos preços praticados no nosso mercado. Enquanto a Europa iniciou há meses atrás uma lenta mas firme recuperação vendo os produtores a melhoria das suas condições, por cá, continuamos exactamente iguais, imersos numa profunda crise da qual alguns teimam em não nos deixar sair. Não é possível dar melhores condições seja a quem for enquanto continuarmos a assistir a políticas de preços extremamente baixos, agravadas por constantes e agressivas promoções, que mais não fazem que depreciar o produto. A delapidação de valor é tremenda, repercutindo-se com enormes danos em toda a cadeia a montante da venda.

Assim sendo, a construção de “muros” hoje tão em moda e que mais não fazem do que fechar-nos sobre nós próprios dando uma falsa sensação de segurança, deve ser substituída pela construção de “pontes” que, elas sim, nos permitem ultrapassar as dificuldades e divergências que todos sentimos e sabemos ser urgente resolver.

 

João Freire

Técnico de Lacticínios

 


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