Tem de ser assim? – Isabel Martins

Por estes dias, sucedem-se manifestações de agricultores um pouco por todo o país que protestam contra aquilo que chamam de “incompetência na gestão pública da pasta da agricultura”. Esta mobilização acontece numa altura em que a secretaria de Estado da Agricultura desapareceu (temporariamente, diz a ministra) e se percebem óbvias dificuldades em recrutar gente capaz e idónea para ocupar o cargo. Somado à integração (extinção) das Direções Regionais de Agricultura nas CCDR e aos atrasos na execução do PDR, o descontentamento é geral.

O que está em causa é muito mais profundo, e grave, do que a extinção de entidades, pastas ou cargos. E aqui há dois movimentos distintos.
Em primeiro lugar, uma opinião pública (ou publicada, como preferirem) que não compreende o papel e a importância da atividade agrícola. Que só entende o agricultor como o velhinho da enxada (que querido que é, mas se não for pobrezinho já não tem graça) ou o empresário ganancioso e explorador de mão de obra barata, sempre à procura de ajudas e subsídios, que consome água desmesuradamente e usa pesticidas para matar tudo o que é ser vivo. Parece uma afirmação simplista e jocosa, mas é a perceção real, queiramos ou não.

Onde está a agricultura capacitada, sustentável, exportadora, sofisticada, tecnologicamente evoluída? Está nos campos a produzir, para que nada falte nas prateleiras dos supermercados. Mas ninguém a vê. Os agricultores encontram-se todos nos congressos, nas conferências, nos grupos de WhatsApp da vida, mas ninguém os vê. Nem reconhece. Quanto mais agradecer. A agricultura é invisível. Tão invisível que rapidamente chegamos ao segundo ponto: o apoio político. Ou, neste caso, a falta dele.

A política vive de votos. Os votos estão nas cidades. As cidades são fartamente abastecidas e não sabem sequer a origem dos alimentos. Os políticos adoram sound bites. E se o que está a dar é o movimento green, então vamos lá surfar a onda! Começamos por explicar, a todas e a todos (ou a todos e a todas, como queiram), que as florestas são o filho querido e por isso saem da esfera da agricultura, para não contaminar. Retiram-se competências aqui, atribuem-se incompetências acolá, baralha, nomeia, demite, extingue… Sobra de tudo isto um ministério da Agricultura esvaziado e sem rumo. Seguro por teimosia. Sem visão, sem estratégia coerente, sem sensibilidade… mas sejamos francos, sem competência para mais. Mas a boa notícia é que, se é para isto, talvez não faça sentido existir mesmo. Com muita probabilidade, o setor não precisa de ter um ministério nestes moldes. Prefere, certamente, uma secretaria de Estado dentro da Economia, por exemplo, robusta e bem apoiada, com espinha dorsal e gente competente a gerir, do que um ministério à deriva. Não é uma ideia peregrina, já aconteceu no passado, e agricultava-se com mais orgulho.

#agricultarcomorgulho

O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.


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