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“Temos obrigação de imprimir as mudanças que sejam necessárias” em matéria de incêndios

Secretária de Estado da Proteção Civil afirma ser “extemporâneo dizer que houve descoordenação no combate aos incêndios”. Patrícia Gaspar admite pensar num novo modelo de organização e não tem razões para pensar que os bombeiros deixem de cumprir a lei.

A secretária de Estado da Proteção Civil garante independência e transparência na avaliação dos grandes incêndios deste ano e considera que é dever do Governo fazer correções à reforma lançada depois de 2017.

Em entrevista à Renascença, Patrícia Gaspar diz que a opinião dos peritos será aproveitada para avaliar a própria reforma, embora não possa pôr em causa tudo o que já foi feito nos últimos cinco anos.

Dos especialistas convidados, e das entidades públicas que vão analisar a época de incêndios no Grupo das Lições Aprendidas, a secretária de Estado diz que espera a verdade. Mas, até que exista esse tipo de avaliação, a governante diz que é extemporâneo dizer que houve descoordenação no combate.

Nesta entrevista, a mais recente de uma série que a Renascença publica sobre os incêndios deste ano, Patrícia Gaspar também comenta as divergências com a Liga dos Bombeiros.

Admite pensar num novo modelo de organização dos bombeiros – embora não se comprometa com a criação de um comando nacional de bombeiros – e diz que não tem razões para pensar que os voluntários deixem de cumprir a lei.

Desde o ano trágico de 2017 que os números dos incêndios não eram tão elevados. Façamos as contas que fizermos, é uma evidência em todos os parâmetros de análise. Não foi um ano fácil.

O ano ainda não acabou. Sabemos pela experiência dos últimos anos que outubro e novembro podem ser meses complicados do ponto de vista meteorológico. Portanto, eu diria que ainda não é altura para balanços, talvez só para um ponto de situação.

E nesse sentido, até hoje temos cerca de 10 mil incêndios, e um total de 110 mil hectares de área ardida. As ocorrências mantêm uma tendência decrescente face à média dos últimos anos, mas a área ardida teve de facto um aumento significativo.

E porquê? É algo que se verifica na maior parte dos países da União Europeia, sobretudo na bacia do Mediterrâneo. Nós temos condições meteorológicas cada vez mais complexas, temos uma severidade meteorológica muito acentuada. Estamos perante uma realidade cada vez mais distinta da que tínhamos há dez ou 20 anos. Hoje em dia existem incêndios inextinguíveis.

Mas não é só uma questão de números. Este ano vimos o fogo a ameaçar povoações, e até o sobressalto das autoridades.

Sem dúvida. Uma coisa são as estatísticas, outra é a perceção de quem passa por situações como as da Serra da Estrela, Ourém, ou até o Algarve. As pessoas ficam com uma imagem de tragédia, uma imagem de grande desespero.

Tivemos incêndios que deflagraram em áreas periurbanas, o que provoca uma pressão enorme nas comunidades, nas pessoas, porque veem obviamente o seu património em risco. Isto causa desespero a todos.

“É extemporâneo dizer que houve descoordenação no combate”

E a somar a esse contexto de severidade meteorológica, não houve também alguma descoordenação no combate?

Estamos a falar de operações de enorme complexidade, que colocaram desafios muito expressivos a quem está no terreno, e a quem tem que comandar estas operações. São milhares de operacionais envolvidos em diferentes momentos, e comandar uma operação desta dimensão é efetivamente muito difícil.

Acho que é perfeitamente extemporâneo fazer reflexões ou conjeturas sobre se houve ou não descoordenação. Já percebemos que houve momentos muito difíceis, mas também já se sabe que o Governo desencadeou um processo de avaliação global aos incêndios mais complexos deste ano. Foi criado um comité de peritos independentes vindos da academia, da ciência, pessoas que há muitos anos estudam estas matérias, não só dos incêndios rurais, mas também da questão do ordenamento florestal, da meteorologia, e das alterações climáticas.

Eu estou absolutamente convencida que desta avaliação nós vamos ter, aí sim, uma ideia mais concreta daquilo que efetivamente possa não ter corrido tão bem.

O que é que o Governo espera desses peritos? Que tipo de informação?

O Governo espera uma apreciação honesta, correta, imparcial e técnica daquilo que aconteceu. Não estamos à procura de culpados, estamos à procura de soluções, de termos na mão aquilo que nos possa apontar um caminho futuro.

A transformação a que estamos a assistir no clima, corre mais rápido do que a transformação que conseguimos implementar no sistema.

E admite que essa nova avaliação possa alterar a reforma lançada há cinco anos?

Terá que ajustar, se for esse o caminho. Sem dúvida nenhuma. Aliás, não interessaria a ninguém fazer um processo de avaliação, se no fim não fossem corrigidas as situações apontadas.

Há cinco anos definimos um modelo que tem uma janela temporal de pelo menos dez anos, e sabemos que nesse período de tempo há fatores externos que vão seguramente alterar-se e, portanto, a chave para o sucesso reside nesta monitorização e na honestidade e na transparência de perceber o que é preciso corrigir.

Nós não queremos um dossiê feito em gabinete muito bonitinho, com um papel fantástico em que tudo aparenta estar bem, mas que depois não tenha colagem com a realidade.

Nos últimos dias realizou-se a primeira reunião entre os peritos e as entidades que compõem o sistema. Com que impressões ficou sobre o que pode vir a ser ajustado?

O trabalho ainda agora começou, mas nessa reunião fiquei com duas perceções. Uma, que existe um grande alinhamento entre as entidades do sistema e este comité de peritos, e a outra, que existe uma enorme vontade de contribuir para o sistema. Todos, sem exceção, revelaram uma enorme sintonia, e um enorme sentido de Estado e de compromisso com a missão que lhes foi atribuída.

E é uma missão muito importante. Olhar para este conjunto de incêndios que em 2022 assumiram uma dimensão de maior complexidade, trabalhar com as entidades que estiveram no terreno, e tentar chegar a conclusões. E esta é a avaliação que nós esperamos.

Com um compromisso: em função daquilo que venha a ser transmitido ao Governo por este comité, nós teremos a obrigação e o dever de revisitar o sistema e imprimir as mudanças que […]

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