Recentemente, soube que agora a ARS (Administração Regional de Saúde) também está a fazer inspeções aos estabelecimentos de produção e distribuição de alimentos.
Sinceramente já não me surpreendeu!
Lembro-me bem de quando a GNR e a PSP começaram a entrar pelos cafés e pelos restaurantes adentro, para levantar autos por falta de HACCP, sem saberem sequer do que se tratava. Sem quê e nem para quê, começámos a vê-los a fazerem controlos oficiais no âmbito da legislação alimentar, em vez de fazerem segurança pública.
Agora é a ARS! Já nem sei que diga! Quantas mais autoridades poderão aparecer a fiscalizar o HACCP?!
A nossa administração pública e as nossas forças policiais, são por demais criativas!
Temo, contudo, que esta criatividade não seja mais do que um estratagema para conseguir receita própria através das coimas aos operadores económicos, quando a infração se relaciona com a falta de implementação do HACCP, já que o valor da coima pode ir até 44 890€.
O que só poderei lamentar, se assim for!
No meu percurso profissional, recebi por várias vezes e de forma surpreendente, autos de notícia lavrados por agentes da GNR, por agentes da PSP, sobre supostas infrações relativas ao não cumprimento (eventual) da legislação alimentar, nomeadamente a falta de HACCP!
Lembro-me de, nos momentos em que recebi esses autos de noticia para lhes dar sequência, ter pensada-….”Este mundo está perdido!…”
Na altura, só pensei, como é que o GNR e a PSP se dedicam a competências que não são da sua responsabilidade?!
Não é que não exista abrangência legal para o fazer, pois os diplomas legais dão sempre margem para que as forças policiais possam “meter o bedelho” onde, na verdade, “não são chamados!”
Em regra, os diplomas legais da legislação alimentar estabelecem na cláusula “Fiscalização” que esta é da responsabilidade das autoridades tais como a ASAE e a DGAV, mas mantém quase sempre a frase comum, que se transcreve de seguinte:
….” Compete à DGV e à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, no âmbito das respetivas competências, assegurar a fiscalização do cumprimento das normas do presente decreto-lei, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades….”
Ora, a frase acima sublinhada, “…sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades…” , dá a possibilidade às restantes autoridades competentes, tais como a GNR, a PSP, e agora também até a ARS, de poderem intervir.
Mas, pelo amor de Deus, em que circunstâncias, é que a GNR e a PSP e mesmo a ARS podem ter as competências para fazerem controlos oficiais no âmbito da legislação alimentar?
Quer isto dizer que:
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-Sim! Existem muitas autoridades com legitimidade para poderem fazer controlos oficiais, mas há que perceber se estas autoridades têm pessoal habilitado e com competências para o fazer!
Sempre tive como máxima, que o bom senso é fundamental nas nossas vidas, pessoal ou profissional.
Por mais que sejam capazes de lerem a legislação e atirar para o ar frases feitas, a verdade é que é necessária muita formação em termos de legislação alimentar antes de se afirmar, por exemplo, que o Plano HACCP, está ou não bem implementado!
Quem percebe desta matéria sabe bem e reconhece a dificuldade em implementar e acompanhar os assuntos da legislação alimentar. O que leva a que, quem não sabe desta matéria, inevitavelmente, em caso de dúvida, levanta um auto de notícia!
Mas não são estes técnicos e estes controlos oficiais que queremos, pois são desajustados, injustos, incoerentes e levam a prejuízos desnecessários sem que resultem nenhuma mais-valia para a segurança dos alimentos!
O que queremos é que os controlos oficiais (quer seja, inspeção, colheita de amostra ou auditorias) sejam adequados, que sejam coerentes e assertivos, sem causar danos escusados aos operadores económicos.
Também queremos que, durante os controlos oficiais, se houver infrações, que as medidas a impor pelas autoridades competentes sejam proporcionais às infrações detetadas.
Esta capacidade de análise e de tomar medidas adequadas e proporcionais ao risco, só se conseguem quando os representantes do Estado que efetuam os tais controlos oficiais forem pessoas qualificadas e de bom senso.
Caso contrário, teremos apenas tempo gasto pelos técnicos (pois no final não resulta em nenhuma coima para o Estado, se o auto não for sustentado), tempo gasto pelos operadores económicos (que têm de justificar uma não infração) e tempo gasto pelos técnicos que fazem a instrução dos processos, que na grande maioria serão arquivados por não estarem bem lavrados (por falta do devido enquadramento técnico) ou por não terem matéria de facto (quando analisada a prova apresentada no âmbito do auto de notícia, não há infração).
O tempo é muito caro, não podemos nos dar ao luxo de o desperdiçar!
Os operadores económicos têm de ter, cada vez mais, especialistas nas suas indústrias, mas as autoridades competentes por força do Regulamento que estabelece as regras para a execução dos controlos oficiais (Regulamento 2017/625), também são obrigadas a disporem de pessoal técnico com a formação adequada.
Todavia, entendo que a especialização das autoridades competentes, deve existir não só por força do diploma citado, mas também por respeito aos operadores económicos e ao erário publico.
A Fiscalização/Inspeção/Controlos oficiais, têm de ser feitos, mas sem amadorismo! Não vale tudo e muito menos à molhada!
Fonte: APIC