Para abastecer o regadio na região de Huelva, as autoridades espanholas transvasam ilegalmente do rio Guadiana 75 hectómetros cúbicos (hm3) por ano, mas com o aumento da área de regadio pretendem subir a captação para os 150 hm3. Esta água rega citrinos, frutos vermelhos, olival, amendoal e hortaliças.
Na bacia do Guadiana, “permanece por resolver a utilização (indevida) da captação Boca-Chança, por parte de Espanha, que tem a intenção de tornar definitiva e até ampliar essa situação, que foi sempre provisória, e que prejudica Portugal”. A denúncia é feita pelos investigadores Raquel Palermo, José Eduardo Ventura e Margarida Pereira no artigo “Bacias hidrográficas luso-espanholas – Desafios da governança para a sustentabilidade”, publicado em Março deste ano na revista Recursos Hídricos. Esta posição, na sua essência, já tinha sido corroborada em Março de 2021 pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
A água captada pelo sistema designado Boca-Chança é debitada por Alqueva para garantir o caudal ecológico no troço do Guadiana internacional, que se prolonga desde a aldeia ribeirinha do Pomarão até Vila Real de Santo António. No entanto, o volume de afluentes, estimado em 75 hectómetros cúbicos (hm3) anuais, é desviado por Espanha para a região de Huelva, conhecida como a “horta da Europa”.
Nos esclarecimentos que então prestou ao PÚBLICO, a APA explicou que a captação de Boca-Chança foi “instalada de forma “provisória” em 1974, para resolver o problema de abastecimento de água à cidade de Huelva e respectivo pólo industrial, enquanto estivesse em construção a barragem do Chança”, entre 1979 e 1985.
Após a conclusão da infra-estrutura, “alegadamente, a captação apenas é utilizada quando o nível da albufeira (do Chança) não permite a utilização da captação ali existente”, refere a APA, acrescentando que Portugal aceitou que esta situação se “mantivesse até à conclusão da barragem de Andévalo”, inaugurada em 2003 na zona de Huelva, a montante da barragem do Chança.
Contudo, o sistema de captação “continua instalado com carácter provisório e a sua exploração em definitivo não foi alvo de autorização pelo Estado português”, realça a APA, frisando que, em Março de 2021, estava a “proceder a diligências, através da CADC (Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção de Albufeira), para apurar esta matéria.” No início do mês em curso, o PÚBLICO voltou a questionar a APA sobre eventuais desenvolvimentos relativos à captação de Boca-Chança, mas não obteve resposta.
Os investigadores Raquel Palermo, José Eduardo Ventura e Margarida Pereira, da Universidade Nova de Lisboa, concluíram no seu artigo que “Espanha nunca deixou” de recorrer à água captada a partir do Boca-Chança, “apesar de esta prática reiterada ter sido abordada em várias reuniões bilaterais” no seio da Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (convenção de cooperação luso-espanhola em matéria de recursos hídricos, em vigor desde 2000).
Com base num documento publicado pela Confederação Hidrográfica do Guadiana (CHG), entidade gestora da bacia do Guadiana em território espanhol, e datado de 2020, é afirmado: “Presentemente, essa captação transfere em permanência, mesmo em anos de não seca e estando as barragens de Andévalo e Chança com elevadas percentagens de armazenamento, o máximo de água permitido”.
Para superar uma situação que as próprias autoridades espanholas consideravam “ilegal”, em 2008, a Agência Andaluza de Água (AAA), solicitou durante a XIII reunião plenária da CADC autorização para captar água a partir da estação de Boca-Chança.
O memorando então apresentado fazia referência ao fornecimento de “volumes médios anuais […]