Trazer a economia circular para o sector agroalimentar – Daniel Murta

Por mais eficiente que seja a produção de géneros alimentícios existem sempre perdas ao longo da sua cadeia de produção e distribuição, e assim quantidades significativas de produtos são perdidas na forma de resíduos e subprodutos. Na verdade, cerca de 30% da produção alimentar a nível mundial é desperdiçada e enviada para aterro ou para compostagem, com consequente perda dos seus nutrientes, um importante recurso ambiental e económico.

Por outro lado, a produção mundial de alimentos compostos para animais acompanha o aumento progressivo do consumo de produtos de origem animal, ultrapassando os mil milhões de toneladas em 2016, estando este aumento de produção associado ao crescimento da procura mundial por proteína de origem animal. Aliás, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que em 2050 a procura por alimentos a nível mundial tenha aumentado em 60% face aos valores atuais e que a produção de proteínas de origem animal cresça 1,7% ao ano. Destes, espera-se que a produção de carne aumente 70%, a aquacultura 90% e a produção leiteira 55%. Estes aumentos no consumo prendem-se não só com o aumento da população, para nove mil milhões em 2050, mas também com as alterações nos hábitos alimentares a nível mundial, com um aumento do consumo de produtos de origem animal, principalmente nos países em desenvolvimento.

Atualmente os ingredientes usados na formulação de alimentos compostos para animais incluem farinha de peixe, óleo de peixe, soja e vários tipos de grãos. Estes ingredientes, escassos em Portugal, correspondem a uma parte muito significativa dos custos de produção de alimentos compostos para animais e, devido aos aumentos de produção, os seus preços têm sofrido fortes flutuações no mercado mundial.

Esta situação leva os produtores mundiais de alimentos compostos para animais a procurar alternativas sustentáveis às fontes proteicas tradicionalmente utilizadas. No caso de Portugal a situação é mais preocupante, pois a dependência destes ingredientes leva a que os mesmos sejam importados na sua quase totalidade, em especial a soja, a preços sempre elevados, acarretando ainda emissões de CO2 associadas ao transporte de outras partes do globo. O desenvolvimento de uma alternativa nutricional seria extremamente vantajoso para produtores e industriais de alimentos compostos para animais em Portugal. O ideal seria encontrar soluções que possam ser empregues no espaço nacional e que aproveitem recursos economicamente acessíveis.

A procura de soluções para estes desafios é foco central na atividade de várias empresas a nível mundial. De entre as diferentes estratégias a utilização de insetos como ferramenta na valorização de subprodutos e como fonte nutricional tem ganho cada vez mais adeptos. Contudo, esta solução é apenas viável se estes animais forem produzidos em larga escala de forma controlada, eficiente e económica. No entanto esta aposta tem ganho relevo pois, para além do potencial para valorizar subprodutos da produção agroalimentar, a utilização de insetos assegura ainda a produção de uma fonte nutricional inovadora de elevada qualidade e competitiva no mercado internacional da alimentação animal.

O principio por detrás do recurso aos insetos é a economia circular, e o objetivo é valorizar nutrientes, devolvendo-os à cadeia de valor agroalimentar. O maior aliado nesta demanda é a Mosca Soldado Negro, espécie de inseto que na sua fase larvar tem capacidade de converter uma grande variedade de resíduos.

As larvas destas moscas são atualmente alimentadas exclusivamente com subprodutos vegetais que em poucos dias são convertidos em fertilizantes orgânicos, os quais podem ser utilizados diretamente nos solos agrícolas. Este processo resulta ainda na produção de grande quantidade de larvas, insetos que nunca atingem a fase de mosca e são posteriormente processadas e farinadas para poderem ser utilizadas como fonte nutricional na alimentação animal (Figura 1).

 

A utilização de insetos na alimentação de animal, e também humana, é um tema quente a nível internacional e estão a surgir várias empresas a investir neste tipo de solução em vários pontos do globo. Além disso, começam também a existir as primeiras alterações regulamentares para a utilização de insetos como fonte nutricional. Assim, uma destas primeiras alterações entra este mês de Julho em vigor, e permite a utilização de proteína de inseto na alimentação de peixes de aquacultura no espaço europeu, um passo extremamente importante para este sector e para a indústria internacional de produção de insetos.

Existem fortes indicadores que esta solução inspirada na natureza fará parte do futuro da produção agropecuária, pois não só vem maximizar a rentabilidade dos recursos naturais e nutricionais, como contribui ainda para uma maior sustentabilidade do sector agroalimentar.

 

Daniel Murta

Fundador EntoGreen

→Entogreen no diretório do Agroportal←


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