Manuel Chaveiro Soares

Três marcos científicos na evolução da moderna agricultura – Manuel Chaveiro Soares

Muitos de nós não nos apercebemos da forma verdadeiramente extraordinária como a agricultura evoluiu desde o início do século XX, e especialmente no pós-guerra, até ao presente. Foram inúmeros os contributos dados pela ciência e pela tecnologia, tanto no setor vegetal como no animal.

Relativamente ao primeiro gostaria de assinalar três. Em primeiro lugar o desenvolvimento do processo de Haber-Bosch, o qual permite a síntese do amoníaco: base da generalidade dos adubos azotados, que disponibilizam o principal nutriente vegetal limitante das produções vegetais. Estima-se que metade da atual população mundial (7,8 mil milhões de pessoas) sobreviva graças à utilização dos referidos fertilizantes.

Como segundo marco destaco o avanço alcançado pelo agrónomo Norman Borlaug no melhoramento genético das plantas, designadamente em variedades de trigo anão de elevada produtividade e resistentes a doenças (e, posteriormente, também de milho e de arroz), sendo visto como um homem que terá salvado mil milhões de vidas. Bill Gates (2021) considerou Borlaug (sic) «um dos maiores heróis da história da humanidade».

Como terceiro marco científico relevante na história da moderna agricultura aponto a descoberta da estrutura tridimensional do ácido desoxirribonucleico (DNA), em 1953, por James Watson e Francis Crick, a qual veio permitir um salto radical proporcionado pelo desenvolvimento das técnicas de biologia molecular, designadamente da engenharia genética. No melhoramento das plantas veio a refletir-se na década de 1990, conferindo às plantas transgénicas (OGM) resistência a herbicidas, ao ataque de insetos ou melhorando o seu valor nutricional.

Adicionalmente em 2019 foi lançado no mercado o primeiro fertilizante biológico, desenvolvido com intervenção da biologia sintética. Deste modo mitigam-se as externalidades negativas associadas às adubações azotadas: (i) elevadas emissões de dióxido de carbono devidas à síntese do amoníaco e decorrentes do consumo do gás natural, inerente ao processo Haber-Bosch, e correspondente a 5 por cento do total de gás produzido no mundo; (ii) eventuais perdas de azoto por lixiviação e por escoamento superficial – podendo assim contaminar as massas de água subterrâneas e superficiais – e ainda por volatilização, na forma de óxido nitroso, responsável por cerca de 5 por cento do aquecimento global.

Ora, o fertilizante biológico supramencionado tem como ingrediente ativo uma bactéria geneticamente modificada que estabelece com a planta, nomeadamente cereais, uma relação simbiótica, fornecendo-lhe diariamente o azoto do ar numa forma que a planta consegue absorver.

Também recentemente desenvolveu-se uma nova geração de ferramentas, no âmbito do melhoramento genético das plantas, sem introduzir ADN exógeno – são denominadas Novas Técnicas Genómicas (NTG). Consistem numa metodologia rápida e de baixo custo (acessível a empresas de pequena dimensão), que permite editar o genoma de modo preciso, sem que a modificação efetuada seja detetável. Esta nova tecnologia permite desenvolver cultivares resistentes a pragas e doenças, menos exigentes em fertilizantes e mais adaptadas às condições adversas decorrentes das alterações climáticas (e.g. falta de água).

Acontece, porém, que mesmo tratando-se de plantas com parecer favorável emitido pela Agência Europeia de Segurança dos Alimentos, os decisores políticos da União Europeia têm-se revelado preferencialmente permeáveis às pressões de grupos ideológicos, sem fundamento científico. Esta é a razão por que, diferentemente do que acontece nos EUA e em muitos outros países, aqueles responsáveis políticos não têm facilitado a cultura na UE, tanto de plantas transgénicas, como de variedades vegetais modificadas sem introdução de ADN exógeno.

De salientar que recentemente a problemática da elevada concentração de dióxido de carbono na atmosfera tem sido encarada por alguns investigadores, nomeadamente norte-americanos, também numa nova perspetiva, que consiste em recorrer a poderosos métodos de biologia sintética e de sistemas (SSB) suscetíveis de modificarem as plantas, designadamente alterando a relação entre as raízes e a parte aérea das mesmas e também aumentando a sua eficiência fotossintética.

Como nota final e na minha modesta opinião, na UE devíamos dar atenção a Sir Paul Nurse, geneticista e Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina, quando no seu recente livro (What is life?) escreve (sic): «nós devemos considerar o que a ciência tem para dizer sobre riscos e benefícios, independentemente dos interesses comerciais das empresas, das opiniões ideológicas das ONGs, ou dos interesses financeiros de ambos».

Manuel Chaveiro Soares

Engenheiro Agrónomo, Ph. D.

Como o herbicida glifosato também serve interesses ideológicos, políticos e até publicitários – Manuel Chaveiro Soares


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