Troglodita e… Agricultor – Ricardo Freixial

Tal como Miguel Sousa Tavares, também eu sou heterossexual (“fulltime”), fumo, bebo, como pezinhos de porco de coentrada e outras comezainas que posso apanhar, aproveito uma caçada às perdizes para conviver com amigos, vibro com o futebol, gosto de touradas e mais…sou agricultor!

Estou, portanto, ainda para além do troglodita, constando por isso da listagem divulgada publicamente pelo MADRP (Ministério da Agricultura Desenvolvimento Rural e das Pescas) e na qual é dado a conhecer o montante de ajudas recebidas pela minha actividade. É a segunda vez que figuro numa listagem pública. Escapei-me, ou não terei tido conhecimento de ter figurado durante o PREC na listas de “reaccionários” a abater e nas quais quase por inerência, os agricultores em geral eram incluídos, e a minha primeira vez foi num Edital afixado, como era então costume, na Praça do Geraldo em Évora, através do qual fiquei a saber que relativamente à minha situação militar, tinha passado à Reserva de Incorporação, estatuto que ainda hoje não sei o que significou. Figurar na “Listagem da Transparência” até nem é mau de todo pois dá conta publicamente da nossa existência e faz prova pública de manutenção de uma actividade séria, pois o Estado não pagará seguramente a ladrões. Pertencer à lista dos implicados no “caso CASA PIA” será porventura bem pior…

Sem entender qual o beneficio que a divulgação da “Listagem da Transparência” traz para a Agricultura o Desenvolvimento Rural e as Pescas (e muito menos para mim), não posso deixar de anotar mais este importante contributo para a tentativa de “criminalização” e “linchamento” públicos da classe a que pertenço e simultaneamente fazer algumas sugestões ao MADRP e ao Governo em geral:

Para uma ainda mais transparente “transparência” que explique o MADRP de forma séria e também publicamente o porquê da existência destas ajudas e o que elas representam para o agricultor em particular e para o país em geral e também já agora os montantes perdidos em ajudas da União Europeia pela incapacidade negocial e pela insensibilidade e incompetência que têm por vezes ocupado o referido MADRP;

Que venham “Listagens da Transparência” porque “a gente” quer é mais listagens – a listagem da transparência dos políticos, a listagem da transparência dos Ministros, a listagem da transparência da competência, a listagem da transparência da forma como o nosso dinheiro é “transparentemente” gasto e todas aquelas listagens que julguem por bem publicar para que tudo fique, também para nós, transparente.

Finalmente e não menos importante, que o MADRP, faça também o favor de publicar a listagem dos agricultores a quem, por força da decisão comunicada na sua Nota Informativa de 16 de Fevereiro, vai de forma “transparente” deixar de pagar os montantes relativos aos compromissos anteriormente assumidos, sem que qualquer motivo transparente apresente. E já agora, que publique o MADRP também, uma listagem com as acções por ele desenvolvidas nesta Legislatura, e das quais tenham resultado benefícios para a Agricultura, para o Desenvolvimento Rural, ou para as Pescas.

Para pertencer à “Listagem da Transparência”, carrego ainda com outros sufixos que alguns mal informados e outros maliciosamente me aplicam, tal é a forma distorcida como esta coisa da Política Agrícola Comum (PAC) transparece para a opinião pública e nos é imposta. Senão vejamos:

Entre outras bizarrias, cumpro com rigor as regras técnica e ambientalmente absurdas que impedem durante seis meses o pastoreio nas áreas do “Set-aside” qual provocação não só às minhas ovelhas como também às vacas do vizinho que não conseguem entender o porquê de as obrigarem a passar abaixo das suas necessidades quando ali mesmo ao lado se desaproveitam recursos, sabendo elas que vivem em zonas com épocas por vezes prolongadas de escassa ou nula produção de pastagem e que actualmente gozam de alguns direitos no que respeita ao bem estar animal. Estou ainda impedido de, coerentemente e de acordo os critérios técnicos que tenho como ajustados, intervir nessas áreas com vista à instalação da próxima cultura. Sou obrigado a ver morrer animais na fase final da sua vida produtiva, não os podendo fazer sair da exploração ainda em condições de poderem entrar na cadeia alimentar, só porque os organismos de controlo, da inteira responsabilidade do Ministério da Agricultura, não têm capacidade de controlar em tempo aceitável… Entretanto sou controlado até à exaustão, administrativamente, no campo, por satélite, pelos controladores dos controladores…

Só me falta mesmo é ser um dia controlado também no exercício das práticas mais íntimas, quiçá em função não dos meus desejos e performances, mas sim em função das classes de “produtividade” erradamente estabelecidas por Freguesia, ou ver as mesmas práticas limitadas a determinadas “parcelas”, ou ser mesmo delas impedido temporariamente, talvez com a instituição futura pelos “cérebros” de Bruxelas claro, do “Sex-aside”.

Ser controlado é sempre motivo (ou vil desculpa), para no mínimo, não receber atempadamente as ajudas a que me candidatei e a que tenho direito, quando as tardias datas de controlo são da responsabilidade única dos organismos controladores IFADAP/INGA, da tutela do Ministério da Agricultura. Ser controlado é, antes de mais, ser quase sempre tratado como potencial “criminoso” ainda que o crime possa ter como causa, apenas uma falta de atenção ou um mero erro de preenchimento de formulário e… pode resultar em INCUMPRIMENTO.

E todos nós agricultores sabemos o que representa para toda a complexa e pesada pirâmide dos controladores, controladores dos controladores e auditores dos controladores dos controladores, a gravidade de estar em INCUMPRIMENTO…

Estar em INCUMPRIMENTO é um estado tal que, não beneficiando o agricultor de qualquer tipo de imunidade face às regras desta agricultura, o coloca quase ao nível do mais perigoso cadastrado à luz do Código Civil.

Como se tudo isto não bastasse…
Como agricultor, não sou minimamente responsável pela elaboração de programas políticos de aplicação de medidas comunitárias para a agricultura embora quando entendem oportuno, alguns políticos, como arma de arremesso, me tenham acusado a mim e a alguns colegas meus de responsabilidade no desaproveitamento de verbas comunitárias por falta de adesão a medidas tão desajustadas tecnicamente, tão complexas e absurdas e tão carregadas de normas burocráticas que só de pensar no risco de incumprimento nos fazem parar.

Como agricultor tive até 2005, oportunidade de me candidatar a algumas Medidas Agro-Ambientais (Sistemas Arvenses de Sequeiro e Sementeira Directa), tal como outros agricultores se candidataram a estas e a outras medidas como os Sistemas Forrageiros Extensivos, Protecção e Produção Integradas e Redução de Lixiviação de Agroquímicos para Aquíferos. Assim, alterei profundamente o meu sistema produtivo, adoptei novas práticas, investi no reforço da minha formação, (outros, em função das medidas cumpriram obrigatoriamente programas de formação), adquiri equipamento específico e sobretudo, todos nós equacionámos (ingenuamente), o planeamento da nossa exploração em função das mesmas. Do vínculo contratual por um período de cinco anos e das inerentes ajudas, seria suposto resultarem para o agricultor, simultaneamente a compensação pela eventual perda de rendimento resultante da adopção das referidas medidas e uma importante contribuição para a sustentabilidade económica dos seus sistemas produtivos. Como contrapartida, a comunidade em geral beneficiaria de uma importante contribuição para a sustentabilidade ambiental através da melhoria da qualidade do ar que todos respiramos e da água que todos bebemos e resultantes do impacte ambiental positivo de tais práticas.

Ao que parece (os agricultores como parte interessada ainda não foram oficialmente informados, o que só por si revela a falta de respeito como os tratam), uma Nota Informativa do Gabinete do Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas de 16 de Fevereiro, comunica a rescisão unilateral das Medidas Agro-Ambientais contratadas em 2005. A confirmação da rescisão unilateral das Medidas Agro-Ambientais, co-financiadas pela União Europeia em 85%, revelará toda a falta de estratégica global deste Ministério e deste Governo para o sector e para a comunidade em geral, associada não só a uma muito elevada dose de incompetência, como também a uma enorme falta de respeito pelos cidadãos em geral e pelos agricultores em particular.

Ou então, o que não será menos grave, será a forma encapotada do socialista e socializante Capoulas Santos ex ou actual (?) Ministro da Agricultura (tenho para mim que Jaime Silva terá sido despachado de Bruxelas para cá, por outras razões que não as directamente relacionadas com a agricultura…), tentar impor a modulação nas ajudas, pela qual sempre se tem batido e que por cobardia política e alguma oposição nossa não levou a cabo durante o “Guterrismo”. Tudo isto porque, no perfeito espírito da PAC e em função da estrutura e actividades de cada empresa agrícola, os montantes recebidos nas ajudas ultrapassam os limites do que é por ele (Capoulas Santos) aceitável. Assim mesmo, sem qualquer fundamento técnico subjacente e de forma tão arbitrária como há 25-27 anos atrás, nos Serviços de Gestão e Estruturação Fundiária da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo, arbitrariamente tentava impedir que os processos de atribuição de reservas no âmbito da Lei da Reforma Agrária, elaborados pelo Gabinete Jurídico da referida Direcção Regional, seguissem os seus trâmites normais, contrariando o espírito da Lei e simultaneamente agradando na sua acção a Jorge Sampaio (que com argumentos incipientes e até falaciosos assegurava a defesa de algumas UCPs) o que esperemos, não tenha estado na base da recente condecoração que por este lhe foi atribuída…

Independentemente das razões, o Estado estará pois em Incumprimento. Incumprimento deliberado, unilateral e não menos grave, motivado por razões alheias à sustentabilidade do seu património e ambiente, ao bem estar social da sua população (só de forma redutora se pode crer que a agricultura diz respeito apenas aos agricultores…), enfim…ao próprio Estado.

O não cumprimento dos contratos por parte do MADRP, significará que os montantes desta forma sonegados aos agricultores, reverterão para os cofres comunitários (co-financiamento a 85% pela UE), não beneficiando nem o Estado nem os agricultores em particular, beneficiando quiçá esta acção, o curriculum-vitae do Ministro Silva, que regressado a Bruxelas após a sua “comissão de serviço” como responsável do MARDP em Portugal, será seguramente, no mínimo, louvado pelo seu “bom comportamento”.

Este é o mesmo Estado ao qual fui obrigado a repor (com juros), mais de 10 000 € por incumprimento relacionado com o facto do meu montado de azinho não ter 40 mas sim trinta e tal árvores /ha, o que abonando a favor da minha transparência, esteve relacionado com o que entendo ter sido uma interpretação enviesada das normas.

Ou seja, este Estado, faz cumprir mas… não cumpre!

Na gíria futebolística, quando as regras mudam durante o jogo favorecendo uma das partes e lesando outra, costuma dizer-se que o jogo não foi limpo. A parte lesada sente-se roubada. Por analogia, poderemos entender a falta ao pagamento das verbas contratadas e portanto devidas, como muito próxima de uma… VIGARICE, que ainda que motivada por imperativos de natureza política não deixará por isso de o parecer!

Não sei neste momento quais as armas que tenho à mão contra um Estado em incumprimento. Tenho no entanto perfeitamente identificados, todos aqueles que a coberto do Estado e motivados por interesses menos nobres e estranhos, me remetem para esta reacção. E a esses, eu sei o que já há muito faço e o mais que ainda me apetece fazer…Entretanto, desenganem-se aqueles que podem destas palavras entender que faço da violência a da agressão a minha principal arma. De todo, tenho para mim que longe vão os tempos em que a justiça por vezes era feita com recurso a um simples pau de marmeleiro…Até porque estes “artistas” desenvolvem invariavelmente, uma notável capacidade de encaixe que lhes permite suportarem “o que calhar” para atingirem os seus objectivos. Nem que para isso tenham que prejudicar uma classe, uma actividade, por norma a mais sensível e indefesa como é o caso presente da agricultura e dos agricultores portugueses, classe cuja existência parece continuar a perturbar, como há 25-27 anos já perturbava, alguns ortodoxos que não obstante o seu “ressabiamento” até chegam, infelizmente para todos nós, a cargos com poder de decisão.

Eu e os restantes agricultores nestas condições, e não são poucos, não tivemos qualquer responsabilidade na má gestão orçamental do Ministério da Agricultura, nem este pode de forma leviana invocar falta de cabimentação orçamental para verbas a maior parte delas contratualizadas anteriormente.

A falta de respeito, o descaramento, e a falta de bom senso atingem o seu clímax com a saída do Despacho de 22 de Fevereiro, que com efeitos retroactivos (estão a ler bem…com efeitos retroactivos) a 30 de Setembro suspende, o pagamento da ajuda financeira ao consumo de energia eléctrica nas explorações, designada por Electricidade Verde e existente desde 1994.

Nenhuma destas inúmeras bizarrias, nem todas elas em conjunto, nem as outras que aqui não descrevo para não carregar ainda mais este escrito, foram suficientes para me impedir de continuar a ser agricultor. Continuarei a ser até que a minha capacidade de resistência o permita. Continuei a ser do Sporting mesmo tendo esperado 18 anos para comemorar mais uma vitória no campeonato…

Não só por toda esta capacidade de resistência, mas também porque isto de ser agricultor, vai muitas vezes para além de uma simples actividade empresarial. Encerra muito de tradição e sobretudo de cultura. Uma cultura naturalmente diferente daquela que atipicamente nos impõem de Bruxelas. Será, sem qualquer ponta de chauvinismo, uma forma muito particular de estar e sentir-se no campo, distinta pois daqueles que o utilizam como mero espaço físico para dele sacar proventos sabemos nós por vezes de que forma, e sobretudo muito distinta dos Comissários para a agricultura e seus pesados “stafs”, desajeitados ministros e secretários de estado, seus colaboradores e outros “patos bravos” que dele descaradamente se aproveitam para se promoverem, para promoverem as suas políticas, os seus próprios interesses, ou para nele fazerem a sua “quinta” porque é chique e está “fashion” …

Os meus avós e os meus pais, também eles agricultores, e a minha formação na área das Ciências Agrárias, ensinaram-me a conviver com a Natureza. Não estou portanto preparado para suportar “fenómenos” anti-natura. As secas e as intempéries, causando transtornos à minha actividade, fazem parte do risco que assumo ao ser agricultor. Não têm é paralelo com a “seca de ideias”, a falta de estratégia para a actividade e a “intempérie de asneiras” que não raras vezes sai da cabeça (sob a forma de Despacho, Lei ou Nota Informativa), destes iluminados quais “cromos da bola “, daqueles mesmo do fundo da lata…

Pior que a doença das vacas loucas, são “loucos e doentes” a intervir na área das vacas.
Bem pior que a língua azul são “línguas de trapo” a palrar demagogia.
Pior que a gripe das aves será termos que suportar autênticas “aves de arribação” a largar sentenças que pelo absurdo que encerram mais parecem resultar de delírio provocado por estados febris associados a outras “doenças” que não a gripe.
Pior que os nitrofuranos são pois… estes fulanos!!!
É mais que tempo para dizer, no mínimo…BASTA!

Estou farto desta PAC, de quem a elaborou, de quem a reformula, de quem de forma tacanha, mesquinha e errada a faz aplicar, também de quem a controla e sobretudo daqueles que aproveitando-se dela tentam assim de forma desbragada cumprir os seus ideais políticos à custa de alguns de nós…

Estou farto deste Governo, estou farto deste Ministro, do real e do “sombra”, sem sequer saber qual é qual…

E você? Até quando vai ter paciência e capacidade para aguentar? E a sua empresa vai aguentar por muito mais tempo? E a sua região aguentará social e ambientalmente tudo isto? E o País merece e é obrigado a aguentar?

A acreditar no meu horóscopo para a próxima semana, gentilmente cedido por “Folha do Café” – Mafra, a vida parecer-me-á uma caixinha de surpresas com presentes agradáveis surgindo inesperadamente…novas perspectivas profissionais, encontros com os amigos e boa conversa. Quem sabe, se o da próxima semana não virá a anunciar a “agradável surpresa” do desaparecimento de cena de todos aqueles que tanto nos atrapalham.

Ricardo Freixial, agricultor, apesar de tudo…


Publicado

em

por

Etiquetas: