O périplo de Trump por terras de Ásia, salvo as negociações com a China, não passou de um pretexto de promoção de si próprio, na procura, que tanto ambiciona, de ganho de fama, como o grande “pacificador do Mundo”. Com a colaboração de grandes media internacionais, lá o deixaram adicionar mais uma “pacificação” ao currículo, com as escaramuças entre Tailândia e Camboja, o seu primeiro acto público, após a chegada à Cimeira da ASEAN, que se realizou em Kuala Lumpur.
Como é da praxe, antes e por algum tempo, desencadeou uma série de ameaças de teor, sobretudo, económico a cada um dos países, se não parassem a guerra, aplanando, assim, o terreno para a encenação do evento.
Depois, reunidos num determinado local, e aberta a cena das negociações, Trump, de cabeça ao lado, assume o ar de “pacificador”. Só lhe resta mesmo concluir: “acordo perfeito”, siga a cena dos cumprimentos. O caldo ficou malcozinhado, pouco interessa! O que vem depois, já não é com ele. Averbados ficaram, pensa ele, uns pozinhos com vista ao nobel da paz do próximo ano! Se Corina Machado o ganhou!… lá no fundo, revolta-se Trump, mas não perdeu tudo, até porque Corina não o esqueceu!!!
Terras raras
O busílis para Trump era/é a China. Sabia difícil colher os resultados que pretendia para mostrar ao mundo. Sabia isso porque tinha/tem a noção que se excedera “nas políticas” das taxas que dizia aplicar às importações da China, até porque Xi Jinping respondeu-lhe na mesma moeda, não como a UE que se acobardou!
Daí, a encenação em torno de Xi Jinping ter de ser diferente. A encenação foi a do elogio. Um grande Presidente!! Um magnífico político mundial que, numa escala de 0 a 10, merecia 12, disse Trump. Não sei (tenho as minhas dúvidas), se este tipo de teatro é do agrado dos dirigentes chineses, bem mais formais e circunspectos, menos exteriorização e mais conteúdo!
Para a reunião na Coreia do Sul de 30 de Outubro, havia trabalho prévio em comissões mistas, que terá conduzido não a um acordo, mas a uma trégua, algo incómoda e pouco segura, balizada a um ano. No entanto, correspondeu a um certo “alívio” nas tensões comerciais entre os dois países.
Assim, as tarifas do “fentanil” baixaram 10%, ficando por um valor próximo das aplicadas a outras economias asiáticas. Também, se abordou a retoma (?) das importações chinesas de soja, não se sabendo em que montantes. Admite-se ou tem-se a certeza de que não atinja os níveis anteriores, porque, entretanto, a China assumiu compromissos com outros países, entre eles o Brasil, quando decidiu substituir a compra da soja americana.
De qualquer modo, com este desanuviamento, o prosseguimento de negociações ao nível das comissões mistas e a atribuição de subsídios, houve um apaziguamento dos agricultores americanos – uma das grandes bases de apoio eleitoral de Trump que enfrentavam uma situação dramática (falências e atrasos de pagamentos).
Relacionado com a importação da soja, há dias, na leitura de um artigo sobre geopolítica, tomei nota da seguinte questão. E se a China atinge, em breve, a produção de suínos de que precisa para o seu consumo e começa a ter excedentes e procura mercado internacional para colocar a carne, o que poderá acontecer a países/zonas como a Europa que têm exportação significativa?! O artigo não avançava soluções, antes aconselhava os potenciais atingidos a não descurar o problema e a começar a antecipar saídas para uma “realidade” bem possível.
Centrando-nos agora no busílis das terras raras, há um certo desnorte por parte de Trump. Vejamos, a China aceitou adiar os controlos de exportação de cinco dos elementos de terras raras, anunciados em princípios de Outubro último. São 5 elementos importantes, necessários ao funcionamento de alguns sectores chave da economia americana. Mas os controlos sobre a exportação de 7 outros elementos, decretados, em Abril, alguns deles muito críticos para os semicondutores e indústrias da defesa, esses continuam como estavam, ou seja, continuam com restrições à exportação. Trump não conseguiu demover Xi Jinping a mudar de posição, pois em contrapartida tudo indica a China pretendia obter a importação de semicondutores de alta tecnologia da Nvidia, para a inteligência artificial.
Permanece, por aqui, uma certa “nebulosa”, onde a China tem alguma vantagem (e poderá usá-la), porque esta alta tecnologia precisa de incorporar elementos de terras raras. Há quem admita que, sem negociações mais profundas, as tensões comerciais podem saltar a qualquer momento.
Bem sabemos que, na competição tecnológica, o período de recuperação, comparando a China e EUA, é muito rápido, ou seja, quando algum dos países ultrapassa o outro num produto inovador – diz o Bruegel – o país ultrapassado recupera com um produto similar em cerca de seis meses. Já o mesmo não acontece com a Europa que precisa, no mínimo, do dobro do tempo. Eis, como se manifesta o resultado da perda de competitividade da Europa comtra os dois antagonistas, situação difícil de recuperar sem grandes transformações de fundo na UE, que não se visualizam no horizonte.
Como atingiu a China esta situação de quase monopólio?
Nos inícios dos anos 80 do século XX, os EUA eram o maior produtor mundial de terras raras. A mina de Mountain Pass, na Califórnia, a céu aberto, era muito conhecida. A França, líder mundial no domínio do tratamento e refinação. A China, apenas, um produtor quase ausente. Conclusão: o Ocidente tinha o domínio de toda a fileira das terras raras.
A partir de meados dos anos 80, a China entra em velocidade de cruzeiro, um processo que a leva a ultrapassar os EUA nos anos 90. Em 1992, já Deng Xiaoping, o dirigente da reforma económica, cunhou a frase que ficou célebre: “o Médio Oriente tem petróleo e a China terras raras”.
Este processo deve-se, no mínimo, a três razões. A China “fabrica” pensamento à distância e, para isso, montou as ferramentas de análise prospectiva, há muito tempo, e usa-as para antecipar “potenciais realidade” e incorpora na feitura dos seus planos de desenvolvimento os ensinamentos que colhe do trabalho dessas Instituições. Segundo, o ambiente mundial estava, então, em fase de deslocalização industrial nomeadamente de produções poluentes (Poluir sim, mas em casa alheia). Terceiro elemento, o preço relativo da mão de obra, sem dúvida, bem mais baixo na China face aos EUA e à Europa.
O Ocidente nunca interiorizou o modo de funcionamento integrado da sociedade chinesa (e perdeu). A China não se limita a imitar. Cria novos produtos, investindo em I&D, inovação e tecnologia ao longo da fileira e na criação de clusters completos e, por isso, construiu uma situação bem confortável. E, desta forma, acabou por dominar as cadeias de abastecimento globais das terras raras, hoje, a grande ferramenta competitiva em termos económicos e de política. O Ocidente, por sua culpa, criou dependência e tem de aprender a negociar se pretende uma situação mais desafogada, de não paralisação.