A guerra na Ucrânia fez temer o pior cenário de fome em países vulneráveis, nomeadamente africanos, mas a reabertura dos portos ucranianos e iniciativas de Kiev para ganhar influência em África evitaram-no, revelam dados oficiais e organizações internacionais.
O bloqueio da Rússia, durante cinco meses, às exportações agrícolas ucranianas através do Mar Negro provocou uma escassez global de cereais e fertilizantes, pondo em risco milhões de pessoas, até que um acordo, em julho de 2022, permitiu retomar o movimento nos portos, e o efeito foi que os preços dos cereais caíram para níveis de antes da ofensiva militar russa.
“O acordo de exportações de cereais através dos portos da Ucrânia, teve um impacto enorme. Independentemente dos países para onde vão, qualquer navio que saí tem efeito a nível global” e na segurança alimentar mundial, realçou esta semana em declarações à agência Lusa a porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM), Jane Howard.
A Iniciativa de Cereais do Mar Negro, nome oficial dado ao acordo assinado pela Ucrânia e pela Rússia, com o apoio das Nações Unidas (ONU) e Turquia, entrou em vigor a 01 de agosto de 2022.
Desde então, e até 09 de fevereiro, o movimento nos portos ucranianos de Chornomorsk, Odessa e Yuzhny/Pivdennyi soma mais de 800 navios, segundo os dados obtidos pela agência Lusa junto do Centro de Coordenação Conjunto da Iniciativa de Cereais do Mar Negro.
Desse total, mais de 100 tiveram nas suas rotas países africanos, como o Egito (33), a Tunísia (23), a Líbia (20), Argélia (oito), Etiópia (sete), Quénia (quatro), Marrocos (três), Djubouti (dois), Somália (dois) e Sudão (um).
O efeito foi “massivo”, com “os preços a cair, regressando aos níveis de dezembro de 2021”, e fez toda a diferença para o PAM, que “antes da guerra, obtinha metade dos cereais para as suas ações no mercado ucraniano e ainda assim é”, salientou a responsável desta organização humanitária.
Os preços dos cereais nos mercados internacionais eram de cerca de 386 dólares por tonelada métrica de trigo e 302 dólares por tonelada de milho no final de dezembro de 2022, segundo dados do Banco Mundial, depois de terem atingido em abril picos de mais de 522 dólares por tonelada o trigo e mais 348 dólares o milho.
Ainda assim, este é o preço mais alto dos últimos 10 anos e o problema da insegurança alimentar de partes de África, Médio Oriente e Ásia persiste e cresce por várias razões, relembrou Jane Howard.
“Há países que estão sempre dependentes de importações de comida” e “há múltiplos outros fatores” que agravam a situação, como inundações severas e secas decorrentes das alterações climáticas, além dos conflitos internos, mas a reabertura dos portos ucranianos tem sido “crucial” para eviatr que a crise alimentar mundial seja mais grave, repetiu.
A somar à Iniciativa de Cereais do Mar Negro, a Ucrânia está a usar o seu excedente alimentar como um instrumento humanitário e diplomático para aumentar a Graõs sua acção e presença em África e combater a significativa influência da Rússia na região.
Em novembro, lançou uma iniciativa própria a que chamou “Grain from Ukraine”, ou Grão da Ucrânia, e estabeleceu como objetivo fornecer cereais, doados e com custos de tranporte e outros suportados por outros países, a pelo menos cinco milhões de pessoas em África até ao final desta primavera.
O vice-ministro da Política Agrária e Alimentação da Ucrânia, Markiyan Dmytrasevych, fez no final de janeiro um balanço dessa iniciativa, que beneficia países como a Etiópia, o Quénia, o Sudão, a Somália mas também o Iémen, e da visita de uma comitiva do governo de Kiev a vários países africanos.
Dmytrasevych disse que já saíram dos portos ucranianos quatro navios com cereais no âmbito desta iniciativa e “está atualmente a ser preparada a saída de mais três”.
Quanto à visita da delegação ucraniana ao Senegal, Gana, Quénia e Nigéria, segundo o governante os quatro países manifestaram interesse em estabelecer relações próximas com os produtores e exportadores ucranianos e há “negociações ativas para a criação de silos de cereais nos portos africanos”.
A Ucrânia desempenha um papel fundamental na garantia da segurança alimentar em alguns dos países mais pobres do mundo. Juntamente com a Rússia, outro grande exportador, cobre cerca de 30% do fornecimento mundial de milho e trigo e mais de metade do fornecimento mundial de óleo de semente de girassol.
A África e a Ásia são os principais destinatários da produção agrícola da Ucrânia. Entre 2016 e 2021, mais de metade (58%) de todas as exportações de trigo foram para a Ásia e 34% para África.