As companhias de navegação estão apreensivas com os riscos de segurança que pode envolver o transporte das várias toneladas de cereais ucranianos agora desbloqueadas e a levantar dúvidas sobre o recente acordo para permitir corredores seguros no Mar Negro.
Os armadores temem que ainda existam minas à deriva nas águas do Mar Negro, pelo que o transporte dos cereais que estiverem retidos durante vários meses nos portos ucranianos e que na passada sexta-feira foram desbloqueados após um acordo assinado em Istambul está a decorrer em ritmo lento e cauteloso, segundo o relato da agência norte-americana Associated Press (AP).
A meta nos próximos quatro meses é retirar cerca de 20 milhões de toneladas de cereais de três portos marítimos ucranianos que estavam bloqueados desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro.
Este objetivo implica que quatro a cinco grandes embarcações transportem diariamente os cereais dos portos ucranianos, com vista a alimentar milhões de pessoas em todo o mundo e evitar uma grave crise alimentar.
As exportações russas de fertilizantes também tiveram uma queda de 25% no primeiro trimestre do ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, em parte devido às sanções ocidentais.
As dúvidas e receios sobre o processo de transporte e de exportação começaram poucas horas depois do acordo assinado em Istambul pela Rússia, Ucrânia, Turquia e as Nações Unidas, quando mísseis comandados por Moscovo atingiram o porto ucraniano de Odessa.
O acordo celebrado em Istambul, sob a égide de Ancara e da ONU, oferece garantias de que o transporte dos cereais ucranianos e fertilizantes russos não serão alvo de ataques militares, mas os armadores não revelam confiança na aplicação do tratado.
“Temos de trabalhar muito para entender os pormenores de como vai funcionar na prática”, disse Guy Platten, secretário-geral da Câmara Internacional de Navegação, que diz representar as associações nacionais de armadores, que correspondem a cerca de 80% da frota mercante mundial.
“Podemos garantir a segurança das tripulações? O que vai acontecer com as minas? Há muitas incertezas e incógnitas neste momento”, afirmou Platten.
“O principal risco que podemos enfrentar, obviamente, serão as minas”, disse, por sua vez, Munro Anderson, chefe do departamento de informação e sócio fundador da Dryad, uma empresa de consultoria de segurança marítima que está a trabalhar com seguradoras e corretores para avaliar os riscos que os navios podem enfrentar ao longo da rota.
O Governo da Turquia anunciou hoje que a remoção de minas das águas do Mar Negro não é necessária, para já, mas admitiu que os planos para os esforços de limpeza de minas podem vir a ser feitos, se forem exigidos posteriormente.
Retirar os cereais e outros alimentos é fundamental para a sobrevivência dos agricultores da Ucrânia, que estão a ficar sem capacidade de armazenamento para as novas colheitas.
Por outro lado, estes cereais são vitais para milhões de pessoas em África, em partes do Médio Oriente e no sul da Ásia, que já enfrentam escassez de alimentos e, em alguns casos, fome.
A Ucrânia e a Rússia são os principais fornecedores globais de trigo, cevada, milho e óleo de girassol.
Com o início de combates no Mar Negro – uma região conhecida como o “celeiro do mundo” – o preço dos alimentos aumentou, ameaçando a estabilidade política nos países em desenvolvimento e levando alguns a proibir algumas exportações de alimentos, agravando a crise.
As autoridades ucranianas expressaram a esperança de que as exportações possam ser retomadas dentro de dias, mas também reconheceram que pode levar até duas semanas para que os portos voltem a funcionar.
Enquanto isso, armadores, fretadores e seguradoras estão a tentar entender as novas regras de jogo, alertando para o aumento de custos do transporte de cereais naquela região.
“Ainda precisamos de saber a posição das seguradoras marítimas e que taxas adicionais vão colocar, para os navios em zona de guerra”, disse Michelle Wiese Bockmann, analista da Lloyd’s List, uma publicação global de notícias sobre transporte marítimo.
Toda a operação, incluindo a programação de navios ao longo da rota, será supervisionada por um Centro de Coordenação Conjunta em Istambul, com funcionários da Ucrânia, Rússia, Turquia e das Nações Unidas, uma estrutura que foi hoje inaugurada.