A Rússia acusou hoje o Ocidente de provocar uma crise alimentar na Ucrânia ao trocar armas por cereais, que são levados para a Europa em vez de serem destinados a países africanos e do Médio Oriente.
Numa longa declaração divulgada pela agência oficial TASS, a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, disse que o Presidente norte-americano, Joe Biden, falou na exportação de 20 milhões de toneladas de cereais da Ucrânia na mesma altura em que assinou um pacote de ajuda ao país.
“Acontece que Kiev pagará por armas com trigo. De facto, os próprios norte-americanos provocam na Ucrânia uma crise alimentar, privando-a de reservas de cereais”, disse.
Zakharova referia-se ao programa de ajuda de 40.000 milhões de dólares (mais de 37.200 milhões de euros, ao câmbio de hoje), que Biden assinou em 09 de maio, na véspera de ter falado sobre os cereais bloqueados na Ucrânia.
Na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, a União Europeia (UE) e países como os EUA, o Reino Unido ou o Japão têm decretado sucessivos pacotes de sanções contra Moscovo e fornecido armas às forças ucranianas.
Em retaliação, a Rússia cortou o fornecimento de energia a alguns países europeus e ameaçou suspender a exportação de produtos agrícolas.
A porta-voz do ministério liderado por Serguei Lavrov negou acusações de que a Rússia esteja a bloquear o Mar Negro para impedir as exportações de cereais ucranianos.
Disse que os EUA e a UE falaram na necessidade de transportar 20 milhões toneladas de cereais da Ucrânia para países africanos e do Médio Oriente no prazo de dois meses e meio, para evitar uma crise alimentar.
“Na realidade, os cereais são transportados para armazéns na Europa. As rotas ferroviárias, rodoviárias e fluviais são organizadas para a sua entrega em destinos na Alemanha, Polónia, Lituânia, Roménia e Bulgária”, afirmou Zakharova, citada pela TASS.
Zakharova disse que a Rússia, como “maior fornecedor de trigo aos mercados internacionais”, está muito preocupada com a situação alimentar no mundo.
Lembrou que a ONU tem alertado para o aumento dos preços dos alimentos para níveis recordes, mas negou que a razão seja a “operação militar especial” na Ucrânia, como lhe chama Moscovo.
A porta-voz da diplomacia russa disse que a crise era anterior e deve ser atribuída à pandemia de covid-19, que provocou uma “grave rutura das cadeias de abastecimento e a um aumento significativo do custo dos serviços de transporte de alimentos”.
Essa crise, defendeu, foi agravada com as sanções decretadas pelos Ocidente contra a Rússia após a intervenção na Ucrânia, que disse terem causado ruturas nas redes de transportes e de logística a nível global.
“Os EUA e a UE proibiram os navios sob bandeira russa de utilizarem as suas infraestruturas costeiras. Os maiores transportadores de carga do mundo aderiram às sanções contra a Rússia, os seus navios não fazem escala nos portos russos”, declarou.
Zakharova referiu que as sanções da UE abrangem o porto russo de Novorossiysk, um dos maiores da bacia do Mar Negro, por onde sai metade das exportações de cereais da Rússia.
Afirmou que as tropas russas criaram as condições para o funcionamento do porto de Mariupol e noutros portos ucranianos, ao contrário do que dizem “representantes oficiais de Estados estrangeiros”.
Zakharova disse ainda que a Rússia quer “continuar a cumprir conscienciosamente” os contratos internacionais referentes a “produtos agrícolas, fertilizantes, energia e outros produtos críticos”.
“Estamos bem conscientes da importância de tais fornecimentos para assegurar a estabilidade socioeconómica de várias regiões do mundo”, acrescentou.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, acusou esta semana a Rússia de estar a usar “a fome e os cereais” como forma de chantagem.
A crise alimentar é um dos temas em destaque no Conselho Europeu extraordinário que se vai realizar na segunda e na terça-feira, a par da crise energética e de um novo pacote de sanções contra Moscovo no quadro da guerra na Ucrânia.