Um pormenor técnico

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por henrique pereira dos santos, em 15.08.25

Nestas discussões sobre fogo, há uma simplificação típica dos populistas, como Marcelo Rebelo de Sousa, que consiste em ter dez soluções miraculosamente simples para problemas complexos (o exemplo que me vem sempre à cabeça leva-me à ausência total de jornalistas nos vários passeios do fogo com organizados pela Montis em 2016, com vários das pessoas que mais sabem sobre o tema de cada passeio, e o batalhão de jornalistas que acompanharam Marcelo Rebelo de Sousa e Rui Ladeira, o actual secretário de estado das florestas, num número totalmente inconsequente e pedagogicamente errado de arrancar eucaliptos no monte da Senhora do Castelo, em Vouzela, depois dos fogos de 2017).

A mais transversal dessas simplificações é a ideia de que o fogo é todo igual e o mato é todo igual, etc..

Um dia destes surgiu uma pergunta, a propósito de uma discussão absurda resultante do facto de alguém insistir que o que estava a arder na serra Amarela era o mesmo que tinha ardido há três anos, recusando a observação de que a intensidade de fogo que era visível ser incompatível com um fogo anterior há três anos (não quer dizer que é impossível arder o que tinha ardido há três, mas era incompatível com as características do fogo que se observavam).

Alguém pergunta então (tenho muita pena que raramente o jornalismo sobre fogos faça perguntas com esta pertinência): “Qual a diferença entre matos com 20 anos e matos com 4 meses? Não é matéria fina semelhante?”.

A resposta curta de Paulo Fernandes mostra a distância entre ouvir quem sabe e ouvir quem não sabe: “É a diferença de <1 t />20 t/ha e além disso o mato novo tem mais água e nenhuma parte morta”.

Qual a relevância disto?

É que havendo, dentro de alguns anos, condições favoráveis, em especial, ventos fortes e baixas humidades, durante uns cinco ou seis dias, é muito diferente a frente de fogo percorrer áreas com menos de uma tonelada por hectare de combustíveis secos, mas verdes, ou percorrer áreas com mais de 20 toneladas por hectare com material ainda fino, e parcialmente lenhificado.

Tudo o que se decida fazer até esses dias catastróficos que serão de todos e virão (parafraseando Jorge de Sena) que não responda a esta diferença, é perda de tempo.

Felizmente, como o nosso combate aos fogos tem vindo a degradar-se, acentuando as fragilidades decorrente da doutrina errada que continua a ser a nossa, todos os fogos que forem existindo até esses dias catastróficos vão fazendo, de forma socialmente menos útil, aquilo que não queremos fazer inteligentemente.

O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.


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