Um vinho natural não tem de cheirar a esgoto e saber a vinagre

Agora que se percebeu que os vinhos naturais não são uma moda, convém explicar que, lá por ser natural (seja lá o que isso for) o vinho não tem de ser nauseabundo. Os vinhos de Hélder Cunha provam-no.

Por aqui no Terroir prepara-se um trabalho mais demorado sobre os vinhos naturais porque, goste-se ou não, eles vieram para ficar. Como este é um assunto fracturante, procuramos uma metodologia anti-fundamentalista, visto que o assunto coloca, de um lado da barricada, aqueles que erguem altares aos vinhos ditos naturais e, do outro, os que ficam com arritmia cardíaca quando se fala do assunto. Quando, volta e meia, irrompe uma discussão sobre esta matéria (e isso já é um desporto), sugerimos às partes o Caros Fanáticos, do Amos OZ (Dom Quixote). São 144 páginas que se lêem rapidamente e que explicam porque é que o mundo não deve ser a preto e branco. A tese do escritor israelita, que faleceu em 2018, é a seguinte: um fanático é um indivíduo que só sabe contar até um, não tem sentido de humor, vive entre os seus, mas, por razões de fé, está sempre disponível para dar a sua vida para salvar a alma dos outros (desde que o outro comece a pensar como ele, claro).

Quando, por razões profissionais e antropológicas, frequentamos bares de vinhos naturais, a fé é, visivelmente, um elo fortíssimo entre os clientes habituais. A fé, e, claro, a genuína vontade de beber porque há gente que se atira ao vinho convencida de que, lá por ter baixos níveis de sulfuroso e álcool, o fígado não acusará nada, mas depois acorda incrédula na manhã seguinte com as dores de cabeça da praxe. Um amante de vinhos naturais gosta de provar como se o mundo acabasse nessa mesma noite. Fazem lembrar os doidos por cervejas artesanais — nunca acabam a jornada sem provar tudo o que é novidade e está disponível.

A ronda por esses espaços de culto leva-nos a concluir que para se encontrar um vinho aceitável é necessário provar amostras de umas cinco ou seis garrafas e para se encontrar um vinho bom é necessário passar por dez garrafas. De quando em vez aparece um vinho mesmo muito bom. Todavia, no meio de tanto vinho a cheirar a vinagre e a outras coisas cuja decência impede-nos de escrever, notamos que há um denominador comum nos tais vinhos bons: são quase todos feitos por enólogos. Parecendo que não, faz diferença.

O vinho dito natural (não vale a pena confundir com vinho de baixa intervenção, que isso é outra coisa) é uma filosofia de vida, disponível a qualquer pessoa que tenha acesso a uvas e a uma adega […]

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