Uma Troika de Soluções – Carlos Neves

Passaram os fenos, sementeiras de milho, regas, silagens, sementeiras para o Inverno e até as tempestades depois do Verão no Outono. Mais dia, menos dia, telhados e muros estão reparados. É tempo de fazer contas à vida para ver o que sobrou no bolso além das facturas por pagar. Pouco ou nada. Depois da tempestade vem a bonança mas depois da crise na agricultura a crise continua. Que fazer, então? Proponho três caminhos ou, se preferirem, uma troika de medidas:

Arrumar a casa

Em todas as casas paredes que racham, telhados que envelhecem, canalizações que se rompem. Em todas as máquinas há peças que se gastam e revisões a fazer. Uma empresa agrícola é uma máquina que consome factores de produção e produz alguma coisa: leite, carne, vinho, hortícolas, etc. Há máquinas que consomem muito e produzem pouco. Há campos que levam muito adubo e produzem pouco milho, vacarias onde entra muita comida e sai pouco leite. Em tempo de crise há que “afinar a máquina” e fazer a manutenção da estrutura. Ver onde desperdiçamos, onde podemos cortar, onde estamos a perder, onde podemos aumentar a eficiência. Nos campos? Na vacaria? E aí dentro, na alimentação, na reprodução, na saúde dos animais, no maneio, na qualidade do leite? A diferença entre ganhar pouco ou perder muito está em casa.

As telhas do telhado tapam muita coisa e algumas tapam muitas dívidas. Pior do que a lista dos que faliram é a lista dos que podem fechar. O crédito nos fornecedores não parou de aumentar, mas a corda não estica sempre e começa a apertar. Também foi assim com o nosso país, a tal ponto que tivemos de pedir ajuda externa porque no “mercado” não havia mais crédito. E a “ajuda” em forma de crédito veio, mas acompanhada pelas medidas negociadas com a troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional), que basicamente se resumem a isto: reduzir os gastos do país para equilibrar com o rendimento, a única forma de mostrar aos credores que teremos capacidade para pagar as dívidas no futuro, porque só assim nos emprestarão mais dinheiro… Não vou agora entrar no debate sobre a dose correcta de austeridade, mas apenas aproveitar esta ideia para as nossas empresas em dificuldades: Quando um agricultor precisa de crédito no banco ou no fornecedor, é preciso ver o que correu mal e corrigir ou, sendo caso de investimento, se ele vai ter retorno. Pedir empréstimo sem mudar de vida empurra o problema para a frente mas soma juros à despesa, isto é, adia mas agrava o problema. É tempo de pensar nisto a sério: tal como precisamos de ajuda de um treinador para perder peso ou deixar de fumar, precisamos de alguém que, caso a caso, em sigilo, numa relação de confiança, ajude o empresário a cortar despesas, melhorar o rendimento, renegociar créditos, etc. Há gente que trabalha de sol a sol e pode perder tudo o que tem se não tiver ajuda na gestão, nomeadamente na gestão financeira.

Valorizar a produção

O rendimento da nossa produção agrícola depende do mercado e da Política Agrícola Comum, que regula o mercado e dá ajudas directas quando não consegue regular o mercado para níveis de preço justo aos produtores. As ajudas já foram ligadas à produção, depois desligadas no RPU, agora aponta-se um valor fixo por área que mantém diferenças entre países mas agrava a situação de sectores com pouca área disponível para cultivo, como a produção de leite em Portugal. Adiante. As reformas de PAC nunca são tão más como parece quando surgem nem tão boas como os governos pintam depois da negociação. Mas não esperem muito de um país endividado e de uma Europa sem dinheiro para acudir a tantas dívidas de tantos países.

Há que lutar no mercado e na sociedade para vender o mais possível ao melhor preço. Já evoluímos alguma coisa desde o tempo em que defender a agricultura e a produção nacional era pregar no deserto. Presidente, Governo, Assembleia da República, jornais, revistas e televisões descobriram finalmente a agricultura e querem acabar com o défice agro-alimentar. Os nossos apelos ao consumo nacional tiveram finalmente eco mas restam dois grandes problemas: a falta de dinheiro nos consumidores e as guerras entre a distribuição e a agro-indústria. A ministra da agricultura já prometeu “calibrar” essas relações, veremos como e quando passa das palavras aos actos.

Arrumar as casas comuns

Com a falta de dinheiro nos consumidores, não é boa altura para andar na rua a exigir aumentos do preço, sobretudo se tivermos telhados de vidro, na nossa casa ou nas casas comuns, nomeadamente as cooperativas. Muitas estão quase falidas, outras podiam emagrecer despesas e passar mais valor ao produtor. Também aqui há “aeroportos” a parar e “gorduras/regalias” a cortar. Certamente será doloroso, fazer dieta custa muito. Mas é urgente rever o sistema que temos. Com a redução brutal de produtores e a melhoria de vias e meios de comunicação, faz sentido mantermos as mesmas cooperativas, uniões, federações, empresas participadas, associadas, subsidiárias ou, muitas vezes, subsidiadas? Procuremos bons exemplos nos países que estão melhor. Procuremos bons exemplos entre nós. Não vou agora entrar em detalhes, mas tão só apontar algumas características comuns entre as melhores cooperativas do mundo: transparência, democracia, gestão profissional, directores qualificados e com limite de mandatos, organização clara, boa comunicação com os sócios, posição clara no mercado… Cada um veja e actue na sua cooperativa, como lhe compete. Comece por ir à assembleia-geral. É um direito e um dever.

Nenhum destes três caminhos é a solução única para os nossos problemas, mas nenhum pode faltar. E não vale a pena discutir qual o mais urgente ou importante. Temos de os percorrer em simultâneo, para que sejam pilares sólidos da ponte que nos leve da crise a um futuro melhor.

Carlos Neves
Presidente da APROLEP E AJADP

PS – Já depois de escrito este texto, precisamente no dia da sua publicação no Jornal “Terras do Ave”, decorreu a primeira reunião da “PARCA – Plataforma de Acompanhamento das relações na cadeia agro-alimentar”. Está dado o primeiro passo para um diálogo efectivo e permanente entre Produção, indústria e distribuição. Certamente será um caminho longo e difícil, mas estaremos atentos e faremos força…

Agricultura, Paz e Desenvolvimento – Carlos Neves


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