O quadro negocial actual do Health Check da PAC e em especial as matérias ligadas com a OCM-Leite, a forma como o processo está a ser conduzido pela presidência francesa, a evolução da posição portuguesa em relação ao dossier “leite” e as próximas eleições regionais (agendadas para 19 de Outubro) nos Açores, dão o mote para esta “viagem”.
Em Bruxelas, parece, pelo menos em relação a um conjunto substancial de matérias, estar-se na parte final da recta negocial do dossier do Health Check da Política Agrícola Comum. Depois do Conselho informal de Annency (junto aos Alpes), organizado pela presidência francesa, na próxima semana decorrerá o Conselho de Ministros de Setembro, altura em que, ao que sabemos, terão início reuniões trilaterais (Comissão, Presidência e Estado-membro), reuniões essas que visam conhecer quais as contrapartidas essenciais para cada país visando a aprovação daquele pacote legislativo.
De lado de Bruxelas, a Comissária Fischer-Böel foi dizendo que essas contrapartidas não podem envolver dispêndios adicionais, fazendo finca-pé que as dotações financeiras estão ‘encerradas’ e apostando essencialmente no alargamento (e eventual co-financiamento) da modulação para a disponibilização (e o novo artigo 68.º para a sua distribuição) dos meios necessários a apagar os ‘fogos’ que o Health Check poderá gerar.
Do conjunto de matérias enquadradas no Health Check, a reforma da OCM-Leite e, muito em especial, o desmantelamento do sistema de quotas leiteiras, é seguramente o aspecto mais polémico e o que tem motivado um mais amplo leque de posições e a mais aprofundada (e acalorada) discussão. As posições da Comissão, apesar de menos ambiciosas nos documentos de Maio, do que o que havia sido anteriormente enunciado, não deixam, contudo de apontar decididamente para o desmantelamento das quotas em 2015 e de considerar que a chamada ‘aterragem suave’ deverá ser feita através de cinco aumentos lineares de um por cento das quotas leiteiras dos 27 (a que se adicionam os 2% de aumento aprovados em Março para a campanha em curso).
Às sucessivas referências em relação à necessidade de estabelecer compensações para os impactos negativos que esse desmantelamento terá em diferentes zonas da Europa, foi a Comissária respondendo invariavelmente que não possuía fundos adicionais para fazer face a esses impactos e que uma utilização cuidadosa do novo artigo 68.º deveria permitir aos Estados-membro minimizar as consequências da liberalização do mercado lácteo comunitário. Aspecto curioso passa por verificar que, nesta altura do processo, todos os países, mesmo os mais competitivos como a Dinamarca ou a Irlanda, reclamam que terão impactos negativos nas respectivas fileiras do leite, reivindicando, por isso contrapartidas adicionais…
O actual executivo de Paris possui, reconhecidamente, uma elevada sede de protagonismo, sendo que o Presidente Sarkozy elegeu a agricultura e, mais especificamente, a Revisão da PAC para o topo das suas prioridades. Apoiado na muito bem oleada máquina diplomática francesa, sucederam-se os contactos com os vários parceiros comunitários, ‘forçando’ um acordo ainda durante a sua presidência (para além de existir algum temor sobre as consequências da eventual entrada em vigor do Tratado de Lisboa para a futura decisão em relação a este tipo de dossiers). As grandes bandeiras da presidência francesa têm sido a gestão de riscos e crises e o processo de transição para o desmantelamento do sistema de quotas.
Muito significativa tem sido a posição assumida pelo governo alemão, em que depois de algumas hesitações, parece ter definitivamente encontrado o seu rumo, o qual passa – em relação à reforma da OCM-Leite – por duas posições de base: o apoio ao desmantelamento do sistema de quotas, muito embora de forma muito mais cautelosa, na forma e no tempo, do que a defendida pelo executivo de Bruxelas e a exigência (entendida aqui para lá da mera semântica) da constituição de um Fundo Lácteo para fazer face aos impactos negativos da progressiva liberalização do mercado do leite na Europa.
As posições básicas dos diferentes países, são, na maior parte dos casos, de há muito conhecidas, no entanto a forma como é lida a conjuntura sectorial a cada momento, torna os Estados-membro mais afoitos ou mais reservados na defesa das “suas damas”. Depois daquilo que foi entendido, pelos poderes políticos, como um “ano magnífico”, com sinais de escassez de matéria prima e inflacionamento dos preços à produção e, obviamente, dos preços ao consumidor, surge um 2008 (ou pelo menos grande parte dele) com excedentes produtivos, quebras dos preços na origem, quebras inequívocas do consumo, tensão no campo, tensão nos espaços comerciais,…
Provavelmente esta conjugação de sinais, adicionados, queremos crer, às sucessivas posições assumidas pelas mais relevantes entidades ligadas ao sector em Portugal, perecem ter estado na base de recentes posições públicas do nosso Ministro da Agricultura, agora sim, colocando-se no lado dos que defendem o não desmantelamento do sistema de quotas e exigindo justas compensações para o caso de tal desmantelamento e consequente liberalização de mercado se efectivarem. Julgamos, mesmo, face ao restante quadro do Health Check, que o único sector em que Portugal poderá conquistar uma consistente vitória política será no do leite, invertendo algumas ‘certezas’ insistentemente ‘gritadas’ pela Comissária Fischer Böel, apostando correctamente na escolha dos nossos parceiros de ‘caminho’, tentando ganhar antecipadamente no tabuleiro das contrapartidas, mas insistindo, em simultâneo, no deslizar no tempo de um desmantelamento do sistema de quotas, que todos sabemos que, mais cedo ou mais tarde, virá aí.
Provavelmente, em face da actual conjuntura sectorial, será nesta altura mais fácil ganhar aquelas batalhas, do que apostar num mero adiamento da discussão (para 2010??) que, em face da enorme volatilidade que os mercados vêm mostrando, levanta a interrogação de saber em que fase do ciclo estaremos, surgindo, assim, a dúvida sobre o impacto da conjuntura na discussão a realizar. Ao aceitar o nosso convite para encerrar o World Dairy Fórum do próximo dia 17 de Outubro, julgamos estar agendada uma oportunidade única para de viva voz e perante uma super-atenta plateia nacional e internacional, o Dr. Jaime Silva traçar os vectores fundamentais da posição portuguesa relativamente à política comunitária para o sector do leite.
Finalmente, uma referência ao ciclo eleitoral açoriano… Com a data de 19 de Outubro a aproximar-se rapidamente, sucedem-se os contactos das forças políticas com as ‘forças vivas’ do arquipélago e as repetidas declarações sobre os temas mais mediáticos. A generalidade dos partidos fez o ‘corridinho’ das associações agrícolas das diversas ilhas, contactando de quando em vez com as mais representativas cooperativas transformadoras. Em relação à liderança nacional de alguns partidos políticos, fica-se com a ideia de que não tendo ao longo dos últimos anos dedicado uma palavra que fosse ao sector, ao aterrarem em solo açoriano e provavelmente por contágio da atmosfera local, tornam-se rapidamente em especialistas sobre a fileira, seus problemas e desafios… Uma outra ideia é a de que (não obstante a enorme importância do sector para a região) o tema do leite é apenas importante nos Açores e para os Açorianos.
Apesar disso e com algumas nuances, parece haver um claro alinhamento de posições sobre os dossiers essenciais para a fileira do leite açoriana e que, apesar de por vezes parecer transparecer o contrário, essas posições distam muito pouco das defendidas pelas organizações do sector sedeadas no continente. A ANIL, como é sabido, tem obrigações quer no continente, quer na região, e tem tentado, ao longo dos anos, estabelecer pontes e desenvolver temas para o sector (e não para qualquer das regiões) e apesar de ‘marginalizada’ pelas forças políticas, não deixa de seguir com expectativa aquele acto eleitoral e as suas consequências para o futuro da fileira.
Porto, 24 de Setembro de 2008
Pedro Pimentel
Secretário Geral da ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios
Dez Razões para defender as Quotas Leiteiras – Pedro Pimentel