Em Vila de Frades, o senhor Apolónia diz que uma simples “brandura” nas vinhas muda tudo. No Douro, o mestre António Magalhães recomenda calma e espera pela lavagem dos cestos.
Diz-nos a experiência que, no início da vindima, os enólogos vêem o filme em tons de cinza. A meio, alegram-se porque têm umas coisas boas na adega e, no final das fermentações, é só foguetes porque, afinal de contas, o ano será de grande nível. Um clássico.
Acontece que, este ano, o cenário é diferente. Tão diferente que nem dá para disfarçar. Nalgumas regiões a desgraça está à vista de quem estaciona o carro à beira de uma vinha. Cachos secos, bagos não secos mas pequenos, cachos com uvas que ainda não amadureceram mas com bagos já pobres, perdas consideráveis de produção (se calhar bem superiores às anunciadas estatisticamente) e por aí fora. Pior ainda, as análises laboratoriais revelam desequilíbrios entre os três componentes determinantes para a vida do vinho: açúcar (que está baixo), acidez total (evaporou-se a um ritmo impressionante) e pH, que está a disparar para níveis não vistos há muito. Se olharmos para as tabelas que registam o estado de alguns mostos à entrada das adegas ficamos com a sensação de que estamos perante uma vindima em modo de electrocardiograma.
Um viticultor que descarregava uvas à entrada de uma adega no Douro confessou-nos que nunca tinha visto nada igual: “Vim trazer este Tinto Cão para um rosé. As uvas até estão com bom aspecto, mas, em matéria de doçura, acidez e peso, é uma desgraça”. No Alentejo, Duarte de Deus, da Torre de Palma, relata-nos que, embora as perdas no Alvarinho tenham sido de 20 por cento, no Arinto – casta determinante para os brancos de uma região quente –, “as quebras serão de 50 por cento”.
Mais abaixo, em Reguengos, olhamos para algumas vinhas e vemos cachos bonitos, luzidios e sem podridão, mas dizem-nos que têm de fazer uma paragem na vindima “para ver se o grau aumenta”. Descendo, na Vidigueira, um enólogo com muita experiência garante-nos que “as perdas este ano serão à volta dos 30 por cento”, sendo que, mais preocupante, é a perda de ácido málico. “Por regra, o ácido málico está entre os 2 e os 3 gramas por litro de vinho. Este ano está abaixo de 1 grama, de maneira não me venham cá falar em ano épico”.
Virando o carro para Oeste encontramos o senhor Apolónia em Vila de Frades, curvado sobre uma cana a fazer de bordão por causa dos males da coluna, mas feliz a contemplar uma vinha que plantou há 42 anos (na região é uma vinha velhíssima). Meio minuto depois dos bons dias a conversa corre como se nos conhecêssemos dos bancos da escola. A vinha com dois hectares não só é velha como nos parece uma Babel de castas. Umas conhecemos, outras, nem fazemos a mínima ideia do que se trata. Nem nós nem o senhor Apolónia. Algumas (90 por cento são brancas e 10 por cento tintas) até nos parecem uva de mesa. E segue-se o seguinte diálogo.
Terroir: Que castas tem aqui nestes dois hectares?
Apolónia: Sei lá. Umas dezenas.
Terroir: Onde foi buscar o material para fazer a vinha?
Apolónia: Por aqui, ao redor, nas vinhas velhas, onde é que havia de ser?
Terroir: Num viveirista, não?
Apolónia: Essa agora! Nada disso. Isso plantavam-se os bravos e depois vinha o Xico Escuro […]