Vaca algarvia esteve extinta, mas agora está de volta

O animal que puxava a charrua não resistiu à concorrência das raças estrangeiras, a francesa ou a inglesa. Mas agora a vaca algarvia foi recuperada com recurso a “barrigas de aluguer”.

Na herdade do Espojeiro, Lagos, o Palhete, no meio da manada, tem postura de “rei e senhor” como se estivesse num harém. As vacas em seu redor, num final de tarde de chuva miudinha, pastam até mais não querer. O espectro da seca ainda não desapareceu, mas o verde da erva a despontar dá sinais de esperança. O touro, ao ver aproximarem-se estranhos, ergue a cabeça e mostra um olhar interrogativo. “Já pediram licença para entrar?”, graceja o dono, António Figueiras. “O animal é bravo e força não lhe falta!”, avisa.

Até às décadas de 1960 e 1970, descreve o técnico da Direcção Regional de Agricultura João Cassinello, “a vaca algarvia, rústica e bem adaptada ao meio, tinha lugar de destaque nas feiras da região”. Além da capacidade de trabalho, refere, também dá carne e leite. Porém, a raça autóctone não resistiu à concorrência estrangeira. Os criadores de gado, diz, deixaram-se seduzir pelas vacas francesas – charolesa e a limousine –, mais produtivas em leite e carne.

A mecanização da agricultura levou a pôr de lado a vaca algarvia, um animal de força, rústico, usado nos trabalhos agrícolas. Daí até à sua extinção, na década de 1980, foi um pulinho – ou um salto de galinha, como se diz na serra do Algarve. O tractor substituiu a força bovina.

Ora, está a procurar-se contrariar esse desaparecimento. No âmbito desse esforço, nasceram na Quinta Pedagógica de Silves, há seis meses, dois vitelos da nova geração através da transferência de embriões em vacas de outra raça. “Mas o touro fui eu que emprestei”, diz António Figueiras, chamando a atenção para a capacidade reprodutiva do seu Palhete, animal que exibe um valente par de chifres, além de outros atributos. A raça autóctone, segundo o livro genealógico, conta apenas com 16 exemplares – 13 fêmeas e três machos.

António Figueiras, antigo primeiro-sargento do Exército, com duas comissões em Angola, assim que deixou a carreira militar regressou ao campo, não para gozar a reforma, mas para seguir o exemplo do pai que era criador de gado. “Todos os dias levanto-me às 6h00 da madrugada, mas não quero outra vida.” A manada, 300 vacas, mais dois rebanhos de 50 ovelhas e outras cabras, estão distribuídos por três propriedades, no concelho de Lagos, onde vive.

“Sempre fui um gajo operacional.” Não precisava de o afirmar: a forma enérgica como se movimenta, aos 82 anos, diz tudo. De entre os muitos episódios passados na infância, destaca a história de um “boi bêbado”, que o pai comprou no mercado do Rogil. O bicho, descreve, aparentava ser calmo. Mas, na realidade, tinha um temperamento agressivo. “Embebedaram o boi, com malandrice”, diz. “[Uma vez passado o efeito do álcool,] ficou com uma fúria tal que não o conseguíamos levar para casa”, recorda.

A quinta da reprodução

A Quinta Pedagógica de Silves é um dos três sítios – os outros dois são Tavira e Lagos – onde a linhagem da raça autóctone está a ser recuperada com recurso à inseminação artificial ou transferência de embriões para “barrigas de aluguer”. Neste espaço, que esteve perto de ser atingido pelo grande incêndio de Monchique, desenvolve-se um projecto com várias entidades para preservar o património genético que constituiu esta raça bovina. Com um dia de diferença, nasceram já nesta quinta a Papoila e a Mimosa.

A raça foi dada como extinta em 1980 depois de nas décadas de 1950 e 1960 terem chegado a existir 20 mil exemplares. Actualmente existe no Banco Português de Germoplasma Animal, no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), em Santarém, sémen congelado de quatro machos reprodutores, o que tem […]

Continue a ler este artigo no Público.


Publicado

em

, ,

por

Etiquetas: