Vacas “queimadas”

O Avelino Rego, um colega agricultor e criador destas vacas maronesas na Serra do Alvão, contou-nos ontem a seguinte história:

«Uma altura recebia aqui na exploração um grupo de pessoas e a dada altura, de passagem por este lameiro com estas mesmas vacas a pastar, alguém pára, faz uma pausa para observar tudo em redor e comenta para todos ouvirem:

– “Esta paisagem é mesmo linda!”

E remata:

– “Só é pena as vacas…”

Conto este pequeno episódio para dar conta de como é difícil interpretar a paisagem, nomeadamente as relações causais que nos levam por um ou outro caminho.»

A pessoa em causa, explicou depois o Avelino, tinha a firme convicção de que as vacas estavam ali “a poluir o ambiente”. Após uma longa conversa, terá ficado “pensativa”. Não sei mais detalhes, mas posso imaginar que Avelino lhe tenha explicado que aquela paisagem só existe assim porque estão ali as vacas a pastar e o carbono que aquelas vacas libertam é o carbono que foi captado pela erva que cresceu fertilizada pelos excrementos das vacas. Há ali um ciclo bastante equilibrado, ao contrário do carbono libertado pelo petróleo usado nos transportes e produção de energia. Não sei se a pastagem leva alguma adubação ou se as vacas comem alguma ração, mas posso imaginar que sejam pequenas quantidades e devo lembrar que as rações são essencialmente feitas com “subprodutos” da alimentação humana (bagaço de soja, polpa de citrinos, polpa de beterraba, etc) que doutra forma seriam descartados.

O problema é que muitas pessoas tem um forte preconceito contra as vacas que foi espalhado de diversas formas, nomeadamente através de um documentário que acusava as vacas de serem responsáveis por 50% dos gases de efeito de estufa ao nível do Planeta. Mais tarde os autores foram obrigados a rever os números para que o documentário não fosse retirado da plataforma que o promoveu, mas a mensagem simplista vai passando: “O que podemos mudar na nossa vida para reduzir as emissões que causam as alterações climáticas? Comer menos carne (de vaca)”.

Entretanto, as pessoas queram salvar o planeta mas gostam de bifes. Por sorte, exatamente quando se acusam as vacas, aparecem alternativas para substituir o seu leite ou carne, como bebidas vegetais, “hamburgers” vegetais e “carne de laboratório”. Qual será a pegada ecológica e quais serão as emissões na produção e transporte destes produtos a longa distância?

Ovelhas e cabras também são ruminantes e libertam metano, mas por serem mais pequenas, existirem em menor número ou não haver ainda “produtos alternativos”, ainda não foram “queimadas” na fogueira da opinião pública como as vacas. Curiosamente, no antigo testamento as cabras levavam com as culpas, mais concretamente o “bode expiatório” que era apedrejado e afugentado em representação dos pecados cometidos. Hoje são as vacas e os seus criadores.

Nos países ocidentais, como Portugal, a agricultura representa cerca de 10% das emissões de gazes com efeito de estufa e as vacas de carne e leite menos de metade, cerca de 4,5%. É isso que andamos a discutir apaixonadamente enquanto esquecemos o desperdício alimentar, os transportes, a energia e todos os confortos da vida moderna que representam 90% das emissões.

O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.


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