Variedades Geneticamente Modificadas: Que importância para Portugal e o Mundo? – Maria Gabriela Cruz

As plantas transgénicas têm gerado enorme polémica, pese embora uma comunidade muito alargada de cientistas, também eles consumidores, e entre eles, mais de 25 Prémios Nobel, já terem declarado (www.agbioworld.org) não haver razão para tanta contestação ou preocupação. Tal contestação, leva-nos a perguntarmo-nos quais as motivações de muitos dos seus opositores desde o conforto das suas vidas. Motivações essas, que têm travado na Europa a redução no uso de fitofármacos na agricultura e são responsáveis por não se caminhar, mais rapidamente, para uma agricultura sustentável e para a melhoria da competitividade dos agricultores de pequena e grande dimensão.

Além disso, e também, inúmeros cientistas asseguram-nos que os genes introduzidos em plantas que posteriormente alimentarão animais não são transmitidos aos mesmos, ao sofrerem um processo de degradação no seu aparelho digestivo e, na remota hipótese de não serem degradados, também não entrarão no genoma do humano que da carne se alimenta, pela mesma razão, e pelo facto, de que o gene que faz mugir a vaca não é transmitido ao consumidor que do leite dela bebe desde pequeno e toda a vida. Já para não dar mais exemplos.

Uma variedade transgénica obtém-se:  por transformação ou transgenese, processo de inserção do transgene que se pretende introduzir numa célula da planta que se quer melhorar e, , pela regeneração ou processo de obtenção de uma planta completa a partir da célula vegetal transformada. A nova planta, que não difere muito da convencional que lhe deu origem, possui uma nova característica bem definida e previsível. Posteriormente, a planta obtida será cruzada com variedades elite, e cuidadosamente testada antes de ser sujeita a avaliação pelas entidades oficiais que as aprovam.

Provavelmente a maioria dos cidadãos do mundo não sabe que bactérias, leveduras, e fungos geneticamente modificados são utilizados na fermentação, na conservação e introdução de certos sabores em muitos produtos alimentares (queijos, cerveja, vinho, pão, massas, etc.). E também não sabem, que as plantas que se têm vindo a cultivar desde há milhares de anos, e que dão origem aos nossos alimentos, são radicalmente diferentes dos seus antepassados silvestres, uma vez que o homem as modificou e seleccionou ao longo dos anos. Assim, a batatas que, actualmente, consumimos, não só provêm de plantas totalmente distintas da planta de tubérculo amargo que os espanhóis trouxeram dos Incas, como provém de variedades criadas pelo homem no sentido de melhor o adequar à cozedura, à fritura, etc. Também, e a título de exemplo, a cenoura originariamente era de raiz branca e menos doce e, só há poucos anos, existem plantas diferentes para produção de tomate para a indústria ou para fresco; além disso, o melão que na época greco-romana era consumido como uma hortaliça, só após o séc. XV os melhoradores o seleccionaram para que se tornasse o fruto de excelência que hoje comemos e, finalmente e, e não só, a tulipa negra comercial ou outras ornamentais de variadíssimas e exóticas cores mais não foram do que um produto da engenharia genética e não apenas da natureza.

O homem sempre interferiu na forma como as plantas se reproduzem com intuito de conseguir produtos mais saborosos, de melhor conservação ou com qualquer outra característica exigida pelo consumidor. E até desenvolveu novas espécies vegetais como, entre outras, o Triticale (pelo cruzamento, há mais de 40 anos, de duas espécies diferentes, o trigo e o centeio, conseguindo, assim, uma planta mais rústica que o trigo mas mais produtiva que o centeio) ou as nectarinas, pelo cruzamento entre o pêssego e a ameixa. E fê-lo pelo método à sua disposição na altura – o método tradicional – em que a introdução dos novos genes era feita ao acaso, e juntamente com muitos outros, provavelmente sem interesse. Processos morosos, de inúmeras repetições sucessivas de selecção e hibridação, faziam com que a obtenção da variedade desejada levasse muito mais tempo do que leva a obtenção de uma variedade GM. Além disso, a transgénese, por seu lado, apenas transfere o gene ou genes pretendidos, tratando-se de um processo controlado, mais seguro e mais definido, conseguindo-se, exactamente, a planta com a nova característica desejada e em muito menos tempo.

Quando o melhorador de plantas Norman Borlaug, Prémio Nobel da Paz em 1970 e pai da Revolução Verde, conseguiu plantas de trigo com potencial produtivo muito superior às então existentes, surgiram também vozes contra o seu trabalho, utilizando os mesmos argumentos que hoje se ouvem contra as GM. No entanto, nenhum impacte negativo se registou, quer nos consumidores, quer no ambiente.

Conseguiu-se, sim, que países como a Índia e o Paquistão, não só produzissem para as necessidades das suas populações, como, ainda, se tornassem exportadores líquidos de trigo em poucos anos. E proporcionou-se a que melhoradores portugueses de instituições de excelência, como sempre foi a Estação Nacional de Melhoramento de Plantas de Elvas, adaptassem as variedades às condições portuguesas, conseguindo-se que muitos agricultores portugueses, em graves dificuldades na altura, pudessem continuar no sector.

Países como a França, a Alemanha, a Áustria, a Hungria, etc., bem mais abençoados pela natureza do que Portugal, têm vindo a ser fortes opositores a estas culturas, apesar de terem garantias da EPA (Environmental Protection Agency) e da FDA (Food and Drugs Administration) dos EUA, da EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar) na Europa, da Comissão Técnica e Conselho Nacional de Biossegurança no Brasil e tantos outros, de que é seguro produzi-los e consumi-los.

No entanto, não se opõem à importação massiva de soja geneticamente modificada dos EUA, Brasil e Argentina, para a incluir nas rações para alimentação animal, já que o sector pecuário representa, aproximadamente, 40% seus sectores agrícolas. Opõem-se sim ao cultivo de milho e soja transgénicos no espaço europeu, para que países importadores líquidos de milho e trigo, como são Portugal e Espanha, não consigam diminuir a sua dependência do exterior, e continuem a constituir mercados seguros para o escoamento de parte da produção excedentária deles.

Segundo o ISAAA (www.isaaa.org), em 2009 25 países do Mundo cultivaram culturas transgénicas e 32 importaram, tendo crescido a adesão dos agricultores às GM nos últimos anos ao ritmo de cerca de 10% ao ano. Contrariamente ao que demagogicamente os opositores das transgénicas apregoam, quem tem apresentado maiores taxas de adesão a estas variedades têm sido os pequenos agricultores (muitos deles de países em vias de desenvolvimento, e que viram o seu rendimento aumentado) os quais, em 2009, representavam, já, 90% do total de agricultores utilizadores da tecnologia no Mundo. E quanto a este fenómeno, Portugal não é excepção.

A permissão de cultivo de plantas transgénicas resistentes a pragas, a herbicidas, ao stress hídrico, à salinidade, ou com melhores características nutricionais, entre outras, não traria benefícios só aos agricultores que conseguiriam produzir mais e melhores alimentos, em menos espaço e para uma crescente população mundial. Beneficiaria também o ambiente, pela redução, na utilização de pesticidas, pelo menor consumo de água na elaboração e aplicação dos mesmos, pela menor emissão de CO2 na elaboração, transporte e sua aplicação, e pela sinergia que podem oferecer com os modos de Produção Integrada e com a Agricultura de Conservação. Além disso, não sendo, na opinião de muitos, incompatível com a Agricultura Biológica, poderiam ajudá-la no controlo de pragas, doenças, infestantes e na obtenção rendimentos que contribuiriam para a redução do preço dos produtos dela oriundos.

A Biotecnologia aplicada à agricultura poderia trazer, também, e a título de exemplo, resposta: às carências alimentares que afectam milhões de crianças no mundo, pela introdução de variedades de trigo com elevados teores de proteína, zinco e ferro, desenvolvidas por cientistas da Universidade de Davis (EUA) e de Haifa (Israel) a partir de planta selvagem deste cereal (ver Revista Nature de Novembro 2006); ou os sofredores de avitaminose A (maioritariamente na Ásia), com a consequente cegueira e morte (de aprox. 6000 pessoas no mundo por ano – ver www.cib.org.br), pelo desenvolvimento de arroz enriquecido em pro-vitamina A, permitindo, ainda, aos produtores de arroz desse continente, ver as suas produções consideravelmente aumentadas e o seu nível de vida melhorado.

Em Portugal, apertadas regrasde coexistência entre plantas transgénicas (até agora só o milho resistente às lagartas do caule) e não transgénicas, com posterior controlo do Ministério da Agricultura (www.dgadr.pt – Relatório de Acompanhamento 2009), vêm dar, ainda, mais segurança ao cidadão comum quanto à produção de alimentos por plantas geneticamente modificadas (até agora só para alimentação animal) e complementar os variadíssimos estudos de diversos países que confirmam não haver qualquer problema pelo facto de o consumidor ingerir a carne dos animais alimentados dessas plantas. Além disso, as transferências de pólen, tão temidas pelos opositores das GM, não são preocupantes, uma vez que, a existirem, têm sido sempre inferiores ao valor limiar de 0,9% estabelecido na legislação. Ainda segundo o referido Relatório, em 2009, a área cultivada com milho OGM em Portugal aumentou, atingindo os 5.000 ha, enquanto que a superfície total de milho do país diminuiu.

Basicamente, os agricultores portugueses, defensores das VGM, nada mais pedem do que a liberdade de escolha no acesso aos produtos da biotecnologia, tal qual se passa em outros sectores da Economia, e como têm os produtores de milho e soja seus concorrentes dos EUA, Brasil e Argentina. E alertam para o facto de que impedir a entrada de eventos das novas técnicas de melhoramento de plantas, colocaria a Europa, em geral, e, muito particularmente, Portugal na última carruagem do comboio da evolução agrícola.

Pedem, ainda, que se tomem decisões sempre baseadas na ciência e não em interesses ideológicos, políticos e comerciais, que se agilizem os processos de autorização de cultivo de novas variedades biotecnológicas na Europa e em Portugal, que se compreenda que a agricultura para ser sustentável tem que ser rentável (como, aliás, qualquer outro sector) e que sem agricultura não há nem vida, nem Mundo Rural.

Gabriela Cruz
Agrónoma, Agricultora, Dirigente Associativa

Será que é por ser Agrónoma que…? – Maria Gabriela Cruz


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