Vestir a Camisola – Carlos Neves

Podemos gostar mais ou menos de futebol, conhecer as regras ou jogadores, tolerar melhor ou pior as vuvuzelas, mas poucos vivemos indiferentes o mundial de futebol na África do Sul. Com mais ou menos entusiasmo, mais ou menos sofrimento, todos desejámos a vitória da “nossa” selecção. Alguns fizeram milhares de kms e gastaram milhares de euros para ir lá apoiar a “nossa” equipa. Lá ou cá, pintaram-se caras com as cores nacionais, pegou-se na bandeira, no cachecol, emocionamo-nos e cantamos o hino e sobretudo vestimos a camisola. Tudo isto porquê? Porque é o nosso grupo, o nosso país. Somos nós.

Numa dimensão diferente, podemos encontrar a mesma identificação nos adeptos do Benfica, Porto ou Sporting e também nos partidos políticos. Não deixa de ser curioso que muitas vezes essa “entrega”, esse apoio, ocorra da parte de pessoas que não são sócios, logo, não têm qualquer poder de decisão, quando muito podem assobiar, aplaudir ou ligar para o fórum TSF ou equivalentes.

Vejamos agora a agricultura. Também temos grupos: associações, federações, confederações, cooperativas, uniões de cooperativas, etc. São nossas. Somos sócios. Nas assembleias-gerais, temos direito a falar, perguntar, sugerir, criticar. Dizer que apoiamos ou que não estamos de acordo. Nas eleições, temos direito de voto ou de nos candidatarmos. As nossas organizações agrícolas são dirigidas por colegas eleitos por nós, pela maioria de nós, ou com a abstenção da maior parte de nós.

Mas não sentimos a cooperativa ou associação “nossas” como o Porto ou o Benfica. Não ouvimos dois agricultores a discutir: “a minha cooperativa é melhor que a tua” ou “a minha associação defende mais os agricultores que as outras”. Raramente falamos com orgulho das nossas organizações agrícolas. E, contudo, são nossas.

O associativismo agrícola cresceu muito em Portugal nos últimos 25 anos, desde a adesão à União Europeia, sobretudo pela transferência de funções do estado para as organizações agrícolas; Antes disso, o estado dava formação aos agricultores, investigava em estações experimentais, etc. Depois transferiu funções e verbas para as organizações e ficou com a fiscalização e distribuição dos subsídios. E nós gostamos de ter os serviços pagos pelo estado e feitos pelas organizações agrícolas, mas queremos que as organizações nos defendam do Estado vivendo do orçamento de estado…

Penso que a agricultura será um pouco melhor quando “vestirmos a camisola” da nossa organização. Quando estivermos dispostos a sofrer, a torcer pelo nosso grupo, a dar um pouco do nosso tempo colocando-o ao dispor dos outros, a defender o nosso grupo com unhas e dentes. A pagar quotas para que a organização viva do nosso dinheiro e só tenha de prestar contas aos seus sócios, sem necessidade de mendigar apoios do estado.

Tal como o futebol depende do treinador e dos jogadores, também aqui o sucesso depende de um esforço em dois sentidos: dos associados para assumir a sua organização e dos dirigentes agrícolas partilhando a gestão da organização, ouvindo as opiniões, mostrando as contas, convidando regularmente novos elementos para os corpos sociais, enfim, “puxando” os associados para participar na vida organizativa. O património mais importante de uma organização é composto pelos sócios e pela força que os une.

Carlos Neves
Presidente da APROLEP E AJADP

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