Vinha-laboratório no Alentejo desvenda castas mais adaptadas a alterações climáticas

Projecto português fez uma lista com as 25 castas tintas e as 25 brancas mais adaptadas a cenários de alterações climáticas no terreno. Resultados são apresentados nesta terça-feira em Dois Portos.

Percorremos um caminho entre videiras. De um dos lados, José Silvestre arranca um cacho marcado pela pós-vindima e começa a contar os bagos: “Um, dois, três, quatro… temos aqui uns 30 e poucos. Agora vamos comparar com outro.” Sem cachos nas mãos, mas com a experiência no terreno, Rui Flores aponta para as parreiras e realça: “Vê-se logo pelo vigor. Aqui já não há folhas nenhumas e as varas são mais fininhas.” Estamos numa altura do ano por onde a vindima já passou e os cachos só aqui restaram porque a apanha foi mecanizada, mas a sua finura e parca quantidade de bagos são indicadoras de algo. Pisamos uma zona sem rega.

Avançamos a passos largos pela terra, marcada por pneus de tractor. Alcançamos a zona onde a rega já chega, embora de forma limitada. José Silvestre tira outro esqueleto de um cacho. “Estes cachos já não têm nada que ver em termos de números de bagos. Têm mais do dobro! É um cacho composto, comprido…” A seu lado, Rui Flores já se mostra bem satisfeito. “Isto é aquilo que aqui pretendemos.”

O caminho só se completa numa última zona, onde a rega chega sem limites – as plantas têm um conforto hídrico. José Silvestre arranca o último cacho: “Este deve ter à volta dos 100 bagos.” Mas Rui Flores também logo lhe diz: “Por norma, também não é isso que queremos. O ideal está no meio, consoante os nossos objectivos de produção.” É uma questão de qualidade do vinho.

A linha de vinha que percorremos é composta pela Touriga Franca. Esta foi uma das castas (ou variedades) de uvas mais adaptadas a cenários de alterações climáticas no terreno num estudo feito numa vinha-laboratório no Alentejo, o WineClimAdapt, que tem a coordenação do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV). Ao todo, foram analisadas 189 castas para produção de vinho quanto à eficácia do uso da água, da resistência ao escaldão ou ao vigor. As 50 que mostraram estar mais adaptadas ao terreno foram testadas quanto à qualidade do vinho.

A terra que pisamos situa-se na vinha-laboratório da Herdade do Esporão – um campo ampelográfico, dito de forma técnica, para se indicar este laboratório a céu aberto para estudo das vinhas. O percurso que fazemos é acompanhado por José Silvestre, coordenador do projecto no INIAV, e Rui Flores, gestor agrícola na herdade em Reguengos de Monsaraz.

Aqui no Alentejo, tudo começou há mais de dez anos. Antes de ter começado a trabalhar na Herdade do Esporão, Rui Flores tinha estagiado no Pólo de Inovação do INIAV, em Dois Portos, onde está a Colecção Ampelográfica Nacional. Com 678 variedades de uva para vinho e 26 de uva de mesa (incluindo todas as castas que estão no Esporão), foi a vinha-laboratório que serviu de referência para este projecto. “Vinha de lá e via que aquilo era um campo de ensaios fenomenal”, recorda Rui Flores. “Quando já estava aqui a trabalhar [no Esporão], falei com a administração para dizer que fazia todo o sentido termos aqui um campo experimental.”

Nessa altura, na herdade, estava a começar-se a abordar cada vez mais a prática da agricultura biológica e já se falava em alterações climáticas. “Poderíamos ter um campo de ensaios onde poderíamos avaliar todos os parâmetros que quiséssemos para o futuro”, relembrava desses tempos o gestor agrícola. Assim foi: em dez hectares, plantou-se uma vinha com 189 castas diferentes. Aqui, estão presentes as principais castas de cada região nacional, variedades nacionais que apenas existiam praticamente em colecções ou castas estrangeiras que pudessem ter algum interesse.

Desde o início que este campo tem um protocolo com o INIAV e na herdade foram-se logo fazendo alguns ensaios. “Nada de muito significativo, mas não tínhamos capacidade nem conhecimento para fazer o tipo de investigação que é feita pelo INIAV”, realça ainda o gestor agrícola.

Temperaturas altas e falta de água
Em 2018, começa então o WineClimAdapt. O projecto de selecção e valorização das castas mais adaptadas a cenários de alterações climáticas vai juntar ao INIAV e ao Esporão a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a Associação Nacional de Viveiristas Vitícolas Produtores de Material Certificado e a empresa Viveiros Plansel. “Estamos juntos desde o início”, condimenta José Silvestre. O trabalho teve um financiamento de aproximadamente 456 mil euros de fundos comunitários e nacionais.

“As nossas preocupações aqui foram os factores que em termos de alterações climáticas podem ser críticos”, diz o coordenador do projecto. Esses factores são a temperatura muito alta, a secura do ar e a água do solo. Estas eram três variáveis com que tinham mesmo de trabalhar.

Nesse trabalho, foi feita uma separação em três do campo ampelográfico no Esporão. Cada linha tinha uma casta diferente e estava dividida em três: numa primeira parte, as plantas eram regadas sem nenhuma restrição à água – tinham um conforto hídrico; numa segunda parte, dava-se às plantas metade da água de que precisava para ter um conforto hídrico – tinham uma rega deficitária; numa terceira parte, as plantas não eram regadas.

Os dados do Esporão tinham sempre como referência os dados de Dois Portos. A vinha no Alentejo era o cenário ideal para se estudarem os comportamentos das castas em condições de temperatura muito elevadas, assim como com diferentes regimes hídricos. Desta forma, possibilitou a simulação de cenários que se iriam estender a grande parte do país. Para interpretar os resultados, era necessário existir alguma referência em que não houvesse stress devido a temperaturas excessivas ou falta de água – era aqui que entrava Dois Portos, que tinha já também o seu registo de dados.

Ao longo do projecto, a equipa desenvolveu uma ferramenta para analisar a eficácia do uso da água. Também estudou a resistência ao escaldão através da observação visual e pela visão computacional. Quanto ao vigor, além da visão computacional, foi feita uma reconstituição tridimensional da sebe.

Agora, em 2022, vão-se revelando alguns dos resultados. Nesta terça-feira, em Dois Portos, há uma apresentação do projecto e dos […]

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