Manuel Cardoso

Vinho em Angola – o futuro mais que perfeito

A produção de vinho em Angola tem exemplos de sucesso. Pouco falados na Europa, de onde se exporta muito do vinho que Angola consome. Será uma questão de tempo, pouco tempo, para que dispare uma produção em grandes áreas e em grande escala neste grande país de África. Mas para que esta grande escala seja perdurável e sustentável, há que pensar muito – e agir! – fora da caixa.

Estamos num mundo com cada vez mais necessidades alimentares, de medicamentos e de coisas raras. As uvas, o vinho e os seus derivados correspondem-lhes inteiramente. Para além de serem um extraordinário promotor de desenvolvimento e factores de emprego. A vitivinicultura é uma importante aposta de investimento para os países onde é possível.

A viticultura é especialmente desafiante entre os paralelos 30 e o Equador. Exige aí muito mais do que numa região mediterrânica e, por isso mesmo, obriga a um esforço científico permanente mas retribui uma enorme satisfação aos quadros superiores toda a atenção constante que lhes exige. Se o compensar a falta de latitude com o subir em altitude e saber encontrar o nicho de cada casta é importante, é crítico saber adequar ritmos com a fenologia da planta e conseguir na forma de cultivar a dormência essencial para cada ciclo produtivo.

Um processo de instauração e instalação vitícola e vitivinícola é muito mais do que agronómico e enológico: é um passo civilizacional, feito por quem sente a vontade de investir com os pés na terra, as mãos nas uvas e o pensamento de conseguir corresponder ao sonho dos consumidores que lhe irão apreciar e comprar o vinho. E a aguardente. E as essências extraídas das grainhas. Motivo de festa e de celebração, produzir vinho é ciência, economia e visão. O vinho não é só vinho: é realização pessoal, desenvolvimento e futuro. Exige um grande conhecimento do chão, do clima, das plantas e da sua lida. Exige atitude e iniciativa, abertura de espírito permanente à inovação, ao conhecimento, à investigação.

Ao longo dos anos, muitos projectos foram abandonados, começaram, terminaram e caíram em ruína. O estudo de tudo o que foi feito e a sistemática das experiências mal-sucedidas pode e deve ser uma fonte de dados para se evitarem muitos passos de tentativa e erro, sempre desanimadores e caros. Na análise de insucessos estão muitas das chaves do sucesso!

Dinheiro e tecnologia não resolvem os problemas por si, necessitam de ter pensamento associado. Pensamento sólido. Que não vive só de benchmarking apesar de o benchmarking ser muito importante nesta actividade. Os que dizem não concordar com isto (tal como dirão achar mal que um país como Angola produza uvas e vinho) não será porque no seu íntimo não concordam mas porque querem continuar a fornecer a sua tecnologia, a fazer o seu benchmarking e a vender o seu vinho à custa do menor conhecimento dos outros…

Avanços seguros, mas sustentáveis, são muito melhores do que um relâmpago que ofusca mas desaparece. A segurança, aqui, significa estudar, planear, discutir, projectar e voltar a discutir antes de executar. Dinheiro gasto nessas fases é investimento em know-how e é muito mais barato do que em maquinaria logo obsoleta ou em plantações logo abandonadas…

A ecologia, a ecofisiologia e a ecopatologia da Vitis vinifera é, atual e felizmente, susceptível de modelos preditivos que, se forem aplicados com honestidade e competência (adaptados e inovados com o característico duma vitivinicultura tropical para a qual os modelos europeus são insuficientes – e, mesmo, alguns dos modelos sul-americanos também não devem ser copiados a papel-químico!) num trabalho em equipa multidisciplinar, são um auxiliar extraordinário para projectos a curto, médio e longo prazo. Sustentadamente, em equipa, frise-se. O factor humano é importantíssimo para a análise e acção técnica especializada, a investigação aplicada, a acumulação de conhecimento, o tratamento e fluxo de informação. Preferencialmente angolano, articuladamente internacional porque assim é o mundo desenvolvido de hoje, visivelmente excelente com o resultado a poder ser saboreado num copo – ou dois! O investimento em pessoas (agrónomos, enólogos, investigadores, gestores – e self-made-men capazes de mentes abertas e pensamentos fora da caixa) é o mais bem aplicado para uma actividade que exige massa cinzenta, paciência, resiliência, persistência – mas que dá a satisfação de poder ter bons resultados precocemente.

Sente-se entusiasmo ao ver na net as videiras com cachos do Namibe e do Kwanza Sul, e haverá outros mais, noutras zonas, a frutificar e a fermentar aromas e sabores que já são experimentados em Angola e fora de Angola. Esperança. Sonho. Elementos essenciais num copo de vinho. Excelente para brindar a Angola, onde o vinho poderá ter – e terá! – um futuro mais-que-perfeito!

Manuel Cardoso

Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.

Dados, estatísticas e informação


Publicado

em

,

por

Etiquetas: