Vinhos: atrás das miúdas, mas… a coisa não está fácil – João Paulo Martins

O crítico João Paulo Martins revela semanalmente os maiores segredos sobre o mundo dos vinhos

Como sabemos e já aqui por várias vezes trouxe o assunto para tema de conversa, as castas portuguesas, apesar de numerosas, não têm vida fácil. Umas são muito ‘oferecidas’, vão com todos os gostos, com todos os solos e climas e dão bons resultados em quase todo o lado. É o caso, por exemplo, da Touriga Nacional ou da Alvarinho, para citar duas coqueluches da nossa viticultura. Estão na moda por boas razões, os resultados falam por si. Já outras, menos dadas a protagonismos, acabam meio esquecidas nas coleções ampelográficas e pouco mais. É o caso da Tinta Miúda, outrora muito plantada na região de Lisboa e também presente na região da Rioja (Espanha), aí com o nome de Graciano. Como sempre acontece (ou aconteceu), a casta teve outros nomes: entre nós, Tinta do Padre António (a quem lembra este nome para uma casta???), em Espanha Morrastel, e, na Califórnia, Xeres. Recordo-me de um enólogo estremenho me dizer que a casta — com muita cor e muito tanino — era apreciada na zona de Torres Vedras, sobretudo nos vinhos que se destinavam a ser conservados muito tempo em cave. Mesmo nos tempos antigos, servia sobretudo de complemento à casta Castelão, tal como na Rioja, ainda hoje, serve de amparo à Tempranillo. É devido a este carácter ‘reservado’ que temos entre nós tão poucos varietais de Tinta Miúda. Hoje, trago dois do Alentejo e um de Lisboa. Há mais dois na zona de Lisboa (Quinta do Pinto) e um — Las Vedras 2019 — que me chegou recentemente, e que tem origem na zona de Torres Vedras (Turcifal), mas que não tem Denominação de Origem (apenas selo IVV); é um pequeno projeto de Sónia Raposo e Pedro Marques (distribuição Os Goliardos).

A casta, cujo real valor é difícil de aquilatar face ao pequeno número de amostras (os três vinhos aqui provados são muito diferentes entre si) e à dispersão dos produtores é, apenas, mais um exemplo da diversidade que temos em Portugal e que pode justificar mais estudo. Esta diversidade tem duas leituras e tanto pode ajudar como confundir ainda mais o mercado e os consumidores. Temos tendência (e eu também me incluo no grupo) para acreditar que a diversidade de castas que temos é a nossa maior riqueza e aquilo que nos pode diferenciar num mercado global muito competitivo; que é com as nossas variedades que nos podemos mostrar e não com Syrah, Merlot ou Sauvignon Blanc. Mas do lado dos produtores, sobretudo de quem trabalha muito com mercados externos, vem a resposta: é mais fácil impor vinhos portugueses com poucas castas, sendo de evitar variedades cujos nomes são impronunciáveis — não esquecer que nenhum inglês consegue pronunciar ‘ão’, e o Tinto Cão passa a Tito Cau e o Sousão a Suzau e o Alvarelhão (este é melhor esquecer…). Estes são apenas alguns exemplos. Sem que haja uma receita válida para todas as situações, o que é de louvar é que ainda haja produtores que, mesmo em quantidades homeopáticas, não queiram que o nosso património se perca. É que seria terrível se deixássemos de ter uma casta com um nome tão lindo como Amor Não Me Deixes. Nota: é verdade, existe uma casta portuguesa com este nome!

Continue a ler este artigo no Expresso.


Publicado

em

,

por

Etiquetas: